domingo, dezembro 31, 2006

"Os Sem Papéis"

Imagem extraída do diário El Mundo

Viajam com as cabeças de fora
cortam a espuma
do vento nas ondas

cortam o rosto com sal
viajam com o corpo
uns dos outros

movem-se
nos olhos
uns dos outros

não perguntes
de onde
vêm

vêm
em direcção a ti-
terra

vêm
como
Ninguém.


30/12/2006

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Intertextualidades:Poema de John Berryman

Separação

O sol corria no céu, o táxi voou;
havia uma espécie de febre no relógio
nessa manhã. Chegamos a Waterloo
sobrando-me tempo, soube encontrar o meu rumo.

O café amargo num pequeno restaurant
permitiu-nos a conversa. Quando o comboio
começou a andar,vi a tua meia-volta
e desapareceste, e as veias do meu cérebro

estouraram, o comboio rugiu, os outros passageiros
saltaram velozes, o ar inconstante
che si cruccia,ouvi os demónios maldizer
e chiar de alegria nesse lugar longe da súplica.

(Tradução de J.T.Parreira)

terça-feira, dezembro 26, 2006

O esplendor em Paris-Orly

O táxi corria contra o caudal
das ruas, um rio volumoso
saltando das margens, peões
carros febris, todos
os relógios contra o seu.

Chegaram ao Paris Orly. Ainda
com tempo para o fogo
interior, amargo
de um café, como fogueira
no centro de um campo de sonhos.

Quando a última voz chamou
os viajantes para o voo, o adeus
e os beijos morreram nos lábios
e lembram-se da meia-volta final
antes de se tornarem voláteis.


23/12/2006

quinta-feira, dezembro 21, 2006

O retorno ao Mito - e.e.cummings


Ao analisar as estatísticas das referências procuradas neste Blog, neste último mês, colocam-se em destaque o poeta e.e.cummings e, designadamente, o poema i carry your heart. Aqui fica uma nossa tradução mais antiga, que extraímos do site Escrita Criativa, e uma curiosidade de 1920.

Buffalo Bill's
Poema de e.e.cummings
Tradução de J.T.Parreira

Buffalo Bill
o defunto
que costumava
montar um garanhão
de prata como água macia
e rebentar umdoistrêsquatrocincotiposdeumavez
oh céus
era um homem bonito
e o que eu desejo saber é
o que lhe parece esse rapaz de olho azul
Senhor Morte

domingo, dezembro 17, 2006

A (minha)posição surrealista

Como um beduíno que vive
ondulando com as dunas,
desprovido de cintilações
de oiro, o meu vestido gasta-se
na minha tenda
acocorada no deserto.
Sou um beduíno, no vento
traspasso-me de areias
curvo-me
para receber o sol
e a sombra,
da oculta mão.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Poema 20

(Fragmento)
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: «A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros, ao longe».

O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a, e às vezes ela também me amou.

Em noites como esta tive-a nos meus braços.
Tantas vezes a beijei sob o céu infinito.

Ela me amou, às vezes eu também a amava.
Como não amar seus grandes olhos fixos.

(Tradução de J.T.Parreira)

terça-feira, dezembro 12, 2006

The Urban Night / A Noite Urbana

Windshine, and the vigilant
lights of lampposts;
spent bonfires
in the washed gray night; window treatments
on a window that coughs
and flails
while twin shadows slip away
still tied
to a last glance. On each balcony
and verandah
there is someone
on the look out
for the naked intimacy
freefalling
from a dark room.

(Tradução de Sergio Facchini)

Brilham no vento as luzes vigilantes
dos candeeiros públicos,
fogueiras
para as noites húmidas,
agitam-se as cortinas
da janela que tosse,
enquanto dois vultos
se esquivam enlaçados
aos últimos olhares,
entre as varandas dos prédios
há quem procure
num quarto nu a intimidade.

sábado, dezembro 09, 2006

A Poesia de Pôr em Cena de Harold Pinter

A obra poética de Pinter, de reduzida dimensão, mistura a dramaticidade com a fala coloquial, quase sem importância, mas com amplos e profundos significados. Diria, quase que esticando um pouco a corda da análise pessoal, que alguns dos seus poemas são em si mesmos trechos de material que se pode encenar. Alguém comentou já que a sua poesia não é poesia, no sentido que atribuímos a esse artefacto literário que é o poema. Essa afirmação não poderá ser tida como definitiva.
A poesia de Harold Pinter carrega em si a mensagem que reflecte um mundo ameaçador e violento, feito das contradições da nossa sociedade e da natureza humana. Como afinal acontece na sua obra dramatúrgica, fazendo da mesma uma das mais importantes do século XX, a meio caminho entre o teatro poético, na poesia da vida quotidiana, e o teatro do absurdo. Pinter não teve de facto as suas personagens à espera de Godot, as suas personagens não esperam nada, o fundamental das mesmas, são as falas sem nenhum significado dos actores. O que nos parece poder intuir-se, salvo melhor opinião, na mediatizada fala de duas personagens, marido e mulher, de uma das suas peças. O marido que pergunta à mulher o que toma, que bebida quer tomar:
-Somos casados há dez anos- responde ela, e apenas isso.
A poesia, alguma poesia de Pinter, também abre várias perspectivas para outros tantos caminhos, apesar de algum laconismo. São poemas para descobrir também os ambientes fechados. Pinter faz com que os poucos poemas que escreveu, comparativamente às suas peças, e tal como estas, revelem o abismo que existe nas conversas ôcas das personagens, nos espaços mais variados das relações humanas em sociedade ou no interior da home. A sua poesia é também «pinteresque», aparentemente usa a língua sem nada comunicar. Mas é o que nos parece... É paradigmático, este já nosso conhecido poema:

Restaurante

Não, você está errado.

Todos são tão belos
como podem possivelmente ser

Particularmente ao almoço
no restaurante que ri

Todos são tão belos
como podem possivelmente ser

e são movidos
pela sua própria beleza

e derramam lágrimas por isso
no fundo do taxi para casa.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Para um retrato de Modigliani

Saltaram dos teus olhos imersos em azul
os meus olhos
para o teu colo esguio

Deviam descer pelo curso
do pescoço como um rio
infinito?

Mas ficariam retidos
no castelo da tua mão
com ameias vigilantes!

domingo, dezembro 03, 2006

Procura



Procurei, procurei, virei-me de olhos para o ar, e enfim, lá estava ele no fundo de 1973, numa das estantes, entre milhares de outras palavras da minha biblioteca. Custou-me então 40$00.

sábado, dezembro 02, 2006

À chuva num campo de milho

Perdeu o orgulho, o cavalo-
à chuva que flutua
mais do que em queda
- montado no vento das suas patas,
baixa a cabeça, a
cabeleira
é agora um inútil
cometa.
Mas não perde a elegância
da figura
há mesmo um certo aprumo
na ruína equestre
de um cavalo à chuva.

29-11-2006

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Antologia de Poesia Cristã em Língua Portuguesa

Antologia de Poesia Cristã em Língua Portuguesa - Clique aqui e baixe

Após dois anos de diligente pesquisa, Sammis Reachers concluiu e tornou disponível a todos gratuitamente a Antologia de Poesia Cristã em Língua Portuguesa, reunindo poemas de caráter genuinamente cristão de grandes nomes da literatura lusófona, desde Camões até os dias atuais, passando por escritores e poetas como Machado de Assis, Fernando Pessoa, Alexandre Herculano e muitos outros. Poemas de mais de 80 autores, dentre brasileiros, portugueses e africanos. Textos belíssimos, selecionados a partir de uma perspectiva evangélica. Um verdadeiro presente aos leitores, sejam eles cristãos ou não.

quinta-feira, novembro 30, 2006

Poeta mexicano, Xavier Villaurrutia, 1903-1950*

Nocturno de la Estatua

A Agustín Lazo

Soñar, soñar la noche, la calle, la escalera
y el grito de la estatua desdoblando la esquina.
Correr hacia la estatua y encontrar sólo el grito,
querer tocar el grito y sólo hallar el eco,
querer asir el eco y encontrar sólo el muro
y correr hacia el muro y tocar un espejo.
Hallar en el espejo la estatua asesinada,
sacarla de la sangre de su sombra,
vestirla en un cerrar de ojos,
acariciarla como a una hermana imprevista
y jugar con las fichas de sus dedos
y contar a su oreja cien veces cien cien veces
hasta oírla decir: «estoy muerta de sueño».

*Criador do chamado movimento Los Contemporâneos, equivalente sul-americano à Geração del 27

segunda-feira, novembro 27, 2006

Cesariny(1923-2006)

Cheguei ao Cesariny pelo Rimbaud, em 1963


Cesariny

O homem
que morreu fica hoje
confinado a poeta

Fica hoje confiado
ao espaço
de uma pedra

tumular, fica dentro
de si próprio
o homem que morreu

fica hoje confiado
à poesia.

sexta-feira, novembro 24, 2006

Recolher Obrigatório


Nos cafés apalpa-se a tristeza.

As luzes tomam o caminho
mais estreito,
o colapso das colunas da noite
fez cair
as sombras nas esquinas,
ninguém
quer uma bala perdida.

Cada dia no entanto
a solidão
penetra as nossas mãos.

terça-feira, novembro 21, 2006

A menina de Ezra Pound

A Menina

A árvore penetrou minhas mãos,
A seiva ascendeu pelos meus braços,
A árvore cresceu-me no peito-
Para baixo,
Os ramos crescem fora de mim, como braços.

Árvore és tu,
Musgo és tu,
Tu és violetas com o vento acima delas.
Uma criança – tão alta – és tu,
E tudo isso é loucura para o mundo.

(Tradução J.T.Parreira)


A Girl

The tree has entered my hands, //The sap has ascended my arms, //The tree has grown in my breast-// Downward, //The branches grow out of me, like arms. //Tree you are, //Moss you are, //You are violets with wind above them. //A child - so high - you are, // And all this is folly to the world.

(Ezra Pound)

sábado, novembro 18, 2006

Giuseppe Ungaretti: uma tradução

VEGLIA

Un’intera nottata
buttato vicino
a un compagno
massacrato
con la sua bocca
digrignata
volta al plenilunio
con la congestione
delle sue mani
penetrata
nel mio silenzio
ho scritto
lettere piene d’amore

Non sono mai stato
tanto
attaccato alla vita


VIGÍLIA

Uma noite inteira
próximo
de um companheiro
massacrado
com a sua boca
a ranger à lua cheia
com o sangue hirto
das suas mãos
cravado
em meu silêncio
escrevi
cartas cheias de amor

Nunca estive assim
tão
encostado à vida

(Tradução de J.T.Parreira)

sexta-feira, novembro 17, 2006

a mão à maneira de e.e.

para e.e.cummings

a mão desliza(nas coisas do amor
a mesma mão que seca as lágrimas)e
faz explodir o silêncio
a mão(que inventa ritmos novos
que guia a criança até a sua casa)aperta
a outra mão.

quarta-feira, novembro 15, 2006

Walt Whitman


AS ADAM EARLY IN THE MORNING

As Adam early in the morning,
Walking forth from the bower refresh’d with sleep,
Behold me where I pass, hear my voice, approach,
Touch me, touch the palm of your hand to my body as I pass,
Be not afraid of my body.

(Walt Whitman)

IGUAL A ADÃO MADRUGADOR

Igual a Adão madrugador,
passeio à frente das ramagens, acordado pela água,
vejam onde passo, ouçam minha voz, aproximem-se,
toquem-me, com a palma da vossa mão passem por mim,
não temam o meu corpo.

(Tradução de J.T.Parreira)



domingo, novembro 12, 2006

a Prostituta

Primeiro os seus olhos deixam
penetrar-se pela noite
O corpo então
passa pelas esquinas
como em paredes de cristal
os cabelos estremecem
sobre os ombros, os lábios
sorriem detrás da flor
carmim
as pernas sobem dos saltos
dos sapatos
por fim, o peito que aconchega
o frio
O único mundo
que cai aos seus pés
as meias, a rosa
íntima
e o vestido.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Galeria

Kaddish

La Puerta, de Gabriel Celaya

LA PUERTA

Me he parado, pequeño, ante la enorme puerta
de madera oscura, com bronces historiados.
Debo llamar? Debo esperar? Debo algo?
Parece que sí. No sé. Quizá recuerdo
al niño que trataba de llegar a la aldaba.
Yo tampoco llego, de puntillas, ni en sueños.
Y de pronto la puerta se abre lentamente,
despacio, con el leve chirrido de cien siglos,
y muestra ante mí, ansioso, de par en par, cuadrado,
un espejo de plata, y en él, quien no conozco.

1968

A PORTA

Não continuei, ínfimo ante a porta enorme
de madeira obscura, com bronzes entalhados.
Devo chamar? Devo esperar? Fazer o quê?
Parece que sim. Não sei. Então recordo
o menino que se aplicava para chegar ao trinco.
Tão-pouco chego, nem por sonhos em bicos dos pés.
E logo a porta se abre lentamente,
sem peso, com um leve chiar de cem séculos,
e põe diante de mim, ansioso, um quadro amplo
um espelho de prata, e nele quem não conheço.

(Trad. J.T.Parreira)

Bom fim de semana!

terça-feira, novembro 07, 2006

O Arado

Preso ao arado, atrás
do arado a dupla
condição de homem
e gume.
A terra apagada
começa a florir, no avesso
da terra nasce uma luz
do fundo
da terra vem um gesto
um húmus, uma vaga
de silêncios.
Onde está o caminho para o outro lado
o branco, o magma
para atravessar a dor da água?
Penetrar
até ser também raíz
cansada um dia
e repousar envolto
num lençol
de água.

segunda-feira, novembro 06, 2006

O sol da casa

Sou o que veio por um momento
de sol.

Vim até à beira da janela
até ao hálito da casa.

Venho até ver com o sol
o ouro do campo
da casa.

Uma boca lenta que percorre
o sabor dos quartos
desta casa de terra quente.

Venho até quase à boca desta casa
silenciosa de sol.

(António Ramos Rosa)

sábado, novembro 04, 2006

Claribel Alegría, poeta das memórias

Bloco de textoJuan Ramón me guió los primeros pasos en poesía. Yo quería lanzarme al verso libre y él me condujo a la métrica tradicional. Decía que eso era lo primero antes de aprender a caminar sin muletas.

BARAJANDO RECUERDOS

Barajando recuerdos
me encontré con el tuyo.
No dolía.
Lo saqué de su estuche,
sacudí sus raíces
en el viento,
lo puse a contraluz:
Era un cristal pulido
reflejando peces de colores,
una flor sin espinas
que no ardía.
Lo arrojé contra el muro
y sonó la sirena de mi
alarma.
¿Quién apagó su lumbre?
¿Quién le quitó su filo
a mi recuerdo-lanza
que yo amaba?

Aos 81 anos, a poeta nicaraguense acaba de receber nos Estados Unidos o Prémio Neustadt. Na entrevista que deu ao Babelia, hoje, recorda a influência e a formação junto de Juan Ramón Jiménez.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Voo 0475

: depois descolou da terra o seu peso, subiu
para o tempo inconsútil, a hora de ponta
do azul prateado.
Sob o tráfego aéreo as árvores, as casas, os nomes
das ruas
reduzem os átomos,
magros desenhos, como no verde estampado
da tua blusa sentada com os olhos
presos na janela.
Não a contemplo na sua altivez,
a nave que enfrenta a gravidade, estou dentro,
estou bloqueado numa água azul
num aquário no meio do tráfego, levanto-me,
mas ando sobre nuvens.

domingo, outubro 29, 2006

El Pais: Babelia: Herberto Helder

Na edição de ontem, sábado, o suplemento Babelia fala de um Poeta Obscuro:
Bloco de textoIntroductor del surrealismo en su país en los años cincuenta, próximo a algunos de los postulados de la poesía experimental más tarde, Herberto Helder participa en varios de los proyectos más importantes de la historia reciente de la literatura lusa, como Folhas de Poesia o Poesia Experimental. Desde el meridiano del siglo, ha construido una obra intensa y singular, sin debilidades ni concesiones, pareja en muchos aspectos a su propia experiencia personal, con décadas de vida recluida y de entrega total a la escritura y el lenguaje, rechazando participar en antologías, entrevistas o encuentros y recibir premios, como los prestigiosos Europalia o el Fernando Pessoa, que le habían sido concedidos.
De esta forma, Herberto Helder ha ido consolidando una obra profundamente personal, enigmática y depurada, que nunca deja indiferente a sus lectores, y que hace de los dominios del lenguaje su campo exacto de movimiento.

sábado, outubro 28, 2006

e.e.cummings: um poema de amor

i carry your heart with me

i carry your heart with me(i carry it in
my heart)i am never without it(anywhere
i go you go,my dear; and whatever is done
by only me is your doing,my darling)
i fear
no fate(for you are my fate,my sweet)i want
no world(for beautiful you are my world,my true)
and it's you are whatever a moon has always meant
and whatever a sun will always sing is you

here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life;which grows
higher than the soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart

i carry your heart(i carry it in my heart)

(e.e.cummings)


carrego o teu coração comigo

carrego o teu coração comigo(carrego-o em
meu coração)nunca estou sem ele(onde
eu vou tu vais, querida; e o que é feito
só por mim és tu que fazes, meu amor)
eu não temo
nenhum destino(tu és o meu destino, meu doce)eu não quero
outro mundo (pela tua beleza ser o meu mundo, minha verdade)
e tu és seja o que for que a lua signifique
e o que quer que o sol cante sempre és tu

aqui está o segredo mais profundo que ninguém sabe
(a raíz da raíz e o botão do botão
e o céu do céu da árvore chamada vida; a qual cresce
mais alto do que a alma espera ou a mente esconde)
e este é o milagre que mantém as estrelas separadas

carrego o teu coração( carrego-o em meu coração)

(Tradução de J.T.Parreira)

sexta-feira, outubro 27, 2006

Leopardi: Canti

O patria mia, vedo le mura e gli archi
e le colonne e i simulacri e l'erme
torri degli avi nostri,
ma la gloria non vedo,
non vedo il lauro e il ferro ond'eran carchi
i nostri padri antichi. Or fatta inerme,
nuda la fronte e nudo il petto mostri.

quinta-feira, outubro 26, 2006

America

Quando potrò andare al mercato
con il cuore in mano
Con il mio fascino
pagherò vino e latte
Userò le dita
come codice
alla sbarra
che dirà la verità.

(Traduzione di Alessandra S.Banti)

quarta-feira, outubro 25, 2006

Haikus de Kobayashi Issa (1763-1827)

鶏の抱かれて見たるぼたん哉
niwatori no dakarete mitaru botan kana

sitting on her eggs
the chicken admires
the peony

sentada em seus ovos
a galinha admira
a peónia


Snow melts,
and the village is overflowing –
with children.

Derretimento da neve,
e a aldeia está a transbordar-
com crianças.

(Tradução:J.T.Parreira)

terça-feira, outubro 24, 2006

O guarda do farol

A luz que mora no farol
toca com nostálgicos
dedos os navios,

iluminados
por dentro
são as janelas da noite,

depois afastam-se
com um princípio,
meio e fim, depois

nem o rasto branco
fica na ondulada folha,
azul-escura, das águas.

A luz que mora no farol
conhece de cor
o faroleiro, ele manuseia

as trevas, os ventos, o rugir
do mar, ele diz
por onde a luz deve ir,

tem sempre uma última
luz na beira das manhãs.

sábado, outubro 21, 2006

Apollinaire (Sob a ponte Mirabeau)

Óleo do poeta Ferreira Gular

Sob a ponte Mirabeau desliza o Sena
E os nossos amores
É bom lembrar, vale a pena,
Que a alegria sucede aos dissabores

A noite vem passo a passo
Os dias se vão eu não passo

As mãos nas mãos estamos face a face
Enquanto passa
Sob a ponte de nossos braços
A onda lenta de um eterno cansaço

A noite vem passo a passo
Os dias se vão eu não passo

O amor se vai como esta água barrenta
O amor se vai
Como a vida é lenta
E como a esperança é violenta

A noite vem passo a passo
Os dias se vão eu não passo

Passam-se os dias passam-se as semanas
Nada do que passou
volta de novo à cena
Sob a ponte Mirabeau desliza o Sena

A noite vem passo a passo
Os dias se vão eu não passo

(Tradução por Ferreira Gullar)

Memórias aos 59

When I look back, I see a collapsing
accordion of my receding houses
Robert Lowell

Quando olho para trás, vejo o colapso
da minha infância, a derrocada
dos meus calções de golfe
e camisas aos quadrados,
ao mesmo tempo que o das casas
e dos quartos e das janelas
em que debrucei os meus
primeiros, inocentes olhos
e assim a sucessão
das ruas em lisboa
quando olho para trás
vejo meus pais
a quererem talvez mover-se
para o futuro.

quarta-feira, outubro 18, 2006

1961

O meu coração sem trânsito
num tempo
de amores platónicos
no ano 1961.
Os olhos fugiam
para a janela aberta da casa
ali ao lado
o branco e o preto
era a hora do mundo
no televisor.
Nem ouvia os ruídos da rua
começava a ter
Angola
as obscuras mortes
e a juventude pendurava
o seu sorriso
na sala oval da América.
Nem via os rostos a passar
dos velhos vizinhos
- que diziam
sinhe!, Cindinha ,
que esgotaram
já o prazo concedido
às linhas da memória.
Hoje é a mesma rua uma água
turva e larga, por onde se vai
para casas vazias.

17-10-2006

domingo, outubro 15, 2006

Breve súplica por MM

Senhor
recebe esta rapariga celebrizada em toda a Terra com o nome
de Marilyn Monroe,
ainda que esse não seja o seu nome verdadeiro
(mas Tu conheces o seu nome de batismo, o da órfã violada aos 9
anos
e da empregada de balcão que aos 16 já queria suicidar-se)
e que agora se apresenta diante de Ti sem maquilhagem
sem Assessor de Imprensa
nem fotógrafos, nem sessão de autógrafos
sozinha como um astronauta dentro da noite espacial.

(Tradução de J.T.Parreira)

sexta-feira, outubro 13, 2006

Revista Famigerado, nº 7

Literatura & Adjacências, com traduções, poesia e artigos

¡ tradução ¡
Bukowski e Ungaretti por J. T. Parreira
Eugène Ionesco por Geraldo Lima
Guy de Maupassant por Amilcar Bettega
Jüri Talvet por Daniel Glaydson
Walt Whitman por Luis Benítez

& etc.


Fiat Lux

Era uma vez o escuro,

e fez-se a luz,
a tênue luz de um candeeiro,

então questionei:
– Mal se divulga um vulto?

O candeeiro flamejou:
– Para quem está no breu
qualquer lampejo é alumbramento.

(José Inácio Vieira de Melo)

quinta-feira, outubro 12, 2006

Nobel da Literatura: o romancista Orhan Pamuk


The Nobel Prize in Literature 2006- Orhan Pamuk

"who in the quest for the melancholic soul of his native city has discovered new symbols for the clash and interlacing of cultures"

A sua obra nutre-se da excepcionalidade e ancestralidade de Istambul, e do carácter de ligação entre culturas dessa cidade.
Em Portugal, duas traduções: A Cidadela Branca, de 2000, e Jardins da Memória. Em Espanha saiu agora El Estambul.


quarta-feira, outubro 11, 2006

Regresso a casa depois da tarde

Sem projectos
nem sensibilidade
na ponta dos dedos

dos olhos
já caiu o pano
sobre os sonhos

perdidos
como um transporte
público

como um trem
que ao longe acende
o nevoeiro
com a derradeira luz
vermelha

nada há
a fazer, abres
a porta e a casa
ouve-te
em silêncio.

sábado, outubro 07, 2006

A Despedida

Entre as mãos e a parede
a cabeça dela segura
e agarra o mundo
depois, um a um
desata os dedos
dos cabelos
a corda presa ao cais.

O Mito de Sísifo e o Nobel da Literatura


Escrevi isto, há exactamente um ano atrás, e o enredo repete-se:
Desde 1901 que o Prémio Nobel da Literatura é, para os candidatos, a materialização do Mito de Sísifo, excepto, claro está, para o vencedor.Este ano, no que à Poesia diz respeito, há dois candidatos perfilados: um poeta sueco, psicólogo de formação, Tomas Transtromer, que desde 1950 tem vindo a influenciar a literatura do seu país; e um sírio, sério candidato ao Prémio, Ali Ahmad Said, que assina com pseudónimo Adonis.
Mas o candidato melhor perfilado, segundo os Bookmakers, está na área do romance: o turco Orhan Pamuk, considerado o favorito para o Nobel de 2006. Em todo o caso, os autores americanos, a Joyce Carol Oates e o Philip Roth continuam na lista, este ano. Aguardemos, porque a verdade da Academia é sempre a surpresa.
Bom fim de semana!

sexta-feira, outubro 06, 2006

Um Haiku de Jack Kerouac



Haiku(Birds singing...)

Birds singing
in the dark
-Rainy dawn.

(Jack Kerouac)

Pássaros que cantam
na escuridão
-Amanhecer chuvoso.


Haiku(Árvore a descansar...)

Árvore a descansar
no tapete do chão:
deitada na sombra.

(J.T.Parreira)

quarta-feira, outubro 04, 2006

Despedida

Novos amigos, não quero.
Nem primos, nem descendentes.
Amizade requer provas
na longa extensão dos dias.
Quanto aos netos de meus netos,
sequer ouvirão de mim.

Quero empedrar-me onde estou,
enraizar-me aqui mesmo.
Como alcançarei o cerne
de outras terras, de outras gentes,
se um relógio fatigado
em minhas córneas põe fim?

Novos compêndios, pra quê?
Alfarrábios, muito menos.
Virgens metáforas se perdem,
no crepúsculo definham.
Amigos, filhos, cenários,
adeus, para nunca mais.

(Joanyr de Oliveira)

terça-feira, outubro 03, 2006

Relato

Aqui está um homem
que não aguentava mais.

Os muros com a sua cal branca
hipócrita, não mais que o simples
meio de fechar o horizonte

aqui está um homem com um rosto
entardecido, sulcado
pela erosão das lágrimas

um homem
que não aguentava mais
esperar
que se retirava do mundo
para trás de um jornal
preso em demasia
por todas as emoções estrangeiras
pelo preço do petróleo
perfurando as alturas
não aguentava mais

aqui está um homem
suspirando pela sua infância
e que quis surpreender-se
com a morte.

3-10-2006

Passageiro de Museu

Sumário:
-A Rapariga que lê, de Renoir




















Folha a folha os olhos saltam
para dentro do mundo inesperado.

sábado, setembro 30, 2006

Ondulações em S.Félix da Marinha

O vento pastoreia seus cordeiros
ovelhas sem úberes
carneirinhos inquietos
na alva
crispação do mar
até que o vento se gasta
e o espelho
nas águas, liso, se ilumina
volumoso silêncio
a pairar
sobre o abismo
num mar
em paz consigo.



Bom fim de semana!

sexta-feira, setembro 29, 2006

As a kid I believed in democracy - John Berryman

Sumário:

-Poesia de John Berryman, norte-americano, 1914-1972
poeta seminal da escola confessionalista

-A tradução possívelmente virá

As a kid I believed in democracy: I
'saw no alternative'—teaching at The Big Place I ah
put it in practice:
we'd time for one long novel: to a vote—
Gone with the Wind they voted: I crunched 'No'
and we sat down with War & Peace.

As a man I believed in democracy (nobody
ever learns anything): only one lazy day
my assistant, called James Dow,
& I were chatting, in a failure of meeting of minds,
and I said curious 'What are your real politics?'
'Oh, I'm a monarchist.'

Finishing his dissertation, in Political Science.
I resign. The universal contempt for Mr Nixon,
whom never I liked but who
alert & gutsy served us years under a dope,
since dynasty K swarmed in. Let's have a King
maybe, before a few mindless votes.

(Dream Song 105)

quarta-feira, setembro 27, 2006

América, América

Poema de Delmore Schwartz

Eu sou o poeta do rio Hudson e das alturas acima dele
as luzes, as estrelas e as pontes
também por auto-nomeação sou poeta laureado do Atlântico
-do coração dos povos, cruzando a
nova América.

Eu carreguei com toneladas de ilusão , esperança,
adquiridas suando febrilmente em trânsito
na 3ª classe para o desconhecido e afastado
Por isso devo descobrir e descrever o reino da emoção.

Para mim sou o poeta do jardim-escola (na cidade)
e do cemitério( na cidade)
E do extâse e do ragtime e também da secreta cidade
no coração e na mente
Este é o cântico natural próprio da cidade no século XX.

É em parte verdadeiro que uma cidade é uma «tirania
de números»
(É o cântico do homem urbano e
do eu metafísico
Depois das primeiras duas Guerras Mundiais do século XX)

---É o ego da cidade, olhando de janela a janela
iluminada
Quando os rectângulos e frinchas de débil luz dourada
Brilham à noite, em blocos sombrios como as lages dos túmulos,
Escondendo muitas vidas. É a consciência da cidade
Que vê e diz: mais: mais e mais: sempre mais.

(Tradução de J.T.Parreira)

segunda-feira, setembro 25, 2006

O Deus visível


Começou pelo silêncio
que pairava sobre o bafo
dos animais na estrebaria
Começou
a incorporar as coisas
nos seus olhos
a despir a noite
que cai
aos pés do dia
Começou por uma Estrela
e na caligrafia
dos Profetas
como dizer de outra maneira
o que os pastores
guardaram da visão
nocturna na memória?
Começou nas sombras
a iluminar
a própria luz.

3-9-2006

sábado, setembro 23, 2006

Lila Downs: A Menina

Acrílico de Xavier Raul Montes


Sumário:

- Lila Downs (Mexico)
Visit : www.liladowns.com

Bom fim de semana, na fronteira com um pé na poesia e outro na música.

sexta-feira, setembro 22, 2006

America, America! de Delmore Schwartz

Sumário:

-Convidado a escrever um texto sobre o poeta para a revista Critério, do Brasil,
pela amiga poeta e tradutora Virna Teixeira, aqui fica uma primeira abordagem na voz original.
- A tradução, há-de aparecer, assim como surgiu o texto em inglês, numa busca com persistência.


I am a poet of the Hudson River and the heights above it,
the lights, the stars, and the bridges
I am also by self-appointment the laureate of the Atlantic
-of the peoples' hearts, crossing it
to new America.
I am burdened with the truck and chimera, hope,
acquired in the sweating sick-excited passage
in steerage, strange and estranged
Hence I must descry and describe the kingdom of emotion.
For I am a poet of the kindergarten (in the city)
and the cemetery (in the city)
And rapture and ragtime and also the secret city in the
heart and mind
This is the song of the natural city self in the 20th century.
It is true but only partly true that a city is a "tyranny of
numbers"
(This is the chant of the urban metropolitan and
metaphysical self
After the first two World Wars of the 20th century)
--- This is the city self, looking from window to lighted
window
When the squares and checks of faintly yellow light
Shine at night, upon a huge dim board and slab-like tombs,
Hiding many lives. It is the city consciousness
Which sees and says: more: more and more: always more.

quarta-feira, setembro 20, 2006

Poema para um futuro Outono

Óleo de Marc Chagall


Quero que saibas que ainda
não tens saudades minhas
Espera o tempo
em que a luz do outono
vai entrar
por uma janela cinzenta
E um cristal emergirá do silêncio
das tuas lágrimas
Espera
que as praças fiquem
com a luz amarela das folhas
Nem mesmo no dia em que rostos
parcialmente escondidos
por detrás de lentes tristes
sigam o corpo
ainda não terás saudades minhas
A saudade é uma névoa que inicia
levantar-se sobre as coisas
que sempre dividimos.

19-9-2006

domingo, setembro 17, 2006

Teatro

«O actor acende a boca»
Herberto Helder


O actor em cima
de uma peça
dos adereços

levanta uma perna
equilibra o bico
do sapato, depois a outra

mostra o caminho
acende os olhos
( entre o público

levanta-se
um ar
de espanto, uma nuvem

uma dúvida)
põe e tira os olhos
que atira à plateia

o actor
faz uma combustão
com palavras

que acende
nos silêncios
do público.

16/9/2006

sábado, setembro 16, 2006

Lista

Ao lado de um óleo de MC, com uma txapela, oferecida em 1996 por um amigo já falecido, em Bilbao.

Índice de poemas publicados em Literary Kicks
Um sítio de poesia impregnado da cultura e da história da Beat Generation. De Jack Kerouac a Allen Ginsberg.

JTParreira: Recent Poems

Action Poetry: The Cock (Published)
Action Poetry: A Brasileira do Chiado (Published) Editor's Note: great!
Action Poetry: The Bullfight (Published)
Action Poetry: The fire that sleeps (Published)
Action Poetry: The Millennium (Published)
Action Poetry: The Flamenco Dancer (Published)

in Literary Kicks
where literature lives online

sexta-feira, setembro 15, 2006

A Poesia da paleta de Paul Klee

Sendo certo que foi um construtivista do abstraccionismo, um cubista pelo rigor das formas geométricas, um colorista de manchas difusas, não é menos certo que Paul Klee foi também um pintor de poesia visual.
Entre aguarelas e óleos que marcaram com a variedade das formas e das cores da subtileza, dos sinais e dos símbolos quase hieroglíficos, toda a arte ocidental das primeiras décadas do século XX, ao pintor suíço ainda restou tempo para honrar o latino Horácio e a arte poética deste, ao fazer poesia como pintura falada.
Fala-se sempre de Picasso que marcou o século passado porque concedeu à história universal da pintura um adjectivo e um significante ( isto é ou isto parece um picasso ), fala-se muito menos de Klee que deu no entanto à pintura as formas da cor, fazendo com que a luz deixasse de ser incolor e volátil, sendo curioso que foi na Tunísia e às portas do deserto que renovou conceitos sobre a luz.
Tudo isto vem a propósito da poesia de Paul Klee, não da poesia que habita uma boa parte dos seus quadros, mas da sua escrita poética propriamente dita.
Os Poemas de Paul Klee, em versão castelhana de 1995, numa edição de «La Rosa Cúbica», de Barcelona, escritos entre 1899 e 1933, porque o pintor achava que havia compatibilidades em ambos os trabalhos de criação, a poesia e as artes plásticas, produzindo assim intertextualidades ao nível estético, leituras paralelas, hierarquizando por vezes arte poética e arte pictórica.
Uma declaração do próprio pintor, quase nos leva porém a pensar que todo o seu trabalho pictórico foi condicionado pelo facto de ser sobretudo poeta. « No fundo sou poeta, mas o saber que o sou não deveria ser um obstáculo nas artes plásticas».
A poesia de Klee é poesia sem mais nada, quase minimalista, da ordem da filosofia antecipada do pós-moderno less is more. É ainda a poesia da sua pintura, sem concessões ao expressionismo germânico da época, sem perplexidades nem temas lancinantes, submetido apenas ao rigor da necessidade de se deslumbrar com a luz. E então essa luminosidade veio através da palavra poética.

Adquiri um fragmento de céu
Tu me tens dado a luz de novo na beleza.
Mas hei-de sofrer antes de iluminar.

A leitura de outro poema como o seguinte ( Olhando uma Árvore ), permite-nos que vejamos o tal despojamento, que se produza a tal intertextualidade, que fiquemos perante uma luminosidade de cores, formas e espaços, como se verifica em algumas das suas aguarelas mais conhecidas:

São invejados os pássaros
evitam
pensar no tronco e nas raízes
e satisfeitos se balançam, ágeis, o dia inteiro
e cantam nas pontas dos últimos ramos.
____________________________________


-Artigo editado in Atuleirus, em 7/10/2005
e in Blocos-Portal de Literatura e Cultura, s/data.

quinta-feira, setembro 14, 2006

«Correio do Vouga» publica Pássaro Azul em Espaço Comum

Director: Querubim Silva
Director Adjunto: Jorge Pires Ferreira
Rua Batalhão Caçadores Dez, nº 81 - 3810-064 AVEIRO
Cultura
Ecumenismo
Espaço Comum
Bloco de texto
Pássaro azul.

There’s a bluebird in my heart
that wants to get out
Charles Bukowsky

O pássaro azul está
dentro do meu coração
voa sobre rios que confunde
com um delta
não o posso deixar
nunca só, é bastante
esperto para perceber
que o silêncio
se bater, é a morte
dentro do meu coração
às vezes dou-lhe
muito trabalho, debate-se
com o veludo
de sonhos enganosos
esse pássaro azul que está
dentro do meu coração
algumas vezes espreita
no globo ocular
para se fazer entender
outras vezes usa
a música suave
que faz dançar
as minhas mãos, às vezes
num buraco negro
é onde vou dar com ele
no espaço, triste a
respirar, dificilmente
o azul.

João Tomaz Parreira Bloco de texto

quarta-feira, setembro 13, 2006

e.e.cummings: de XLI, &(and) 1925

Sumário:

-Poema publicado em http://papelderascunho.net
em 18-1-2006

gosto do meu corpo quando estou com o teu

gosto do meu corpo quando estou com o teu
corpo. é algo completamente novo.
Músculos melhores e mais vigor.
gosto do teu corpo. gosto do que faz,
gosto dos seus modos. gosto de sentir a espinha
dorsal do teu corpo e seus ossos, e o tremer
constante-tranquilo que
outra vez e outra e outra ainda
beijarei, gosto de beijar-te aqui e ali,
gosto, de afagar lentamente a indecorosa penugem
da tua pele eléctrica, e isso que vem
sobre a carne despida … E grandes olhos amor em migalhas,

e gosto talvez do calafrio
que me passa de ti absolutamente novo

(Tradução de J.T.Parreira)

i like my body when it is with your

i like my body when it is with your
body. It is so quite new a thing.
Muscles better and nerves more.
i like your body. i like what it does,
i like its hows. i like to feel the spine
of your body and its bones, and the trembling
-firm-smooth ness and which i will
again and again and again
kiss, i like kissing this and that of you,
i like, slowly stroking the, shocking fuzz
of your electric fur, and what-is-it comes
over parting flesh . . . . And eyes big love-crumbs,

and possibly i like the thrill
of under me you so quite new

(e.e.cummings)

segunda-feira, setembro 11, 2006

O Homem em Queda

Sumário:

-Fotografia do homem em queda
-Poema, escrito hoje.
-Poema «Despair» ou LXVI, de e.e.cummings, dedicado a Anne Barton, 1930




O SALTO

Deve ter sentido que voava
do alto da manhã

da janela debruçada
para os sonhos

a cabeça veloz
os braços serenos

para a tranquilidade

os pés firmes
no ar
sentia que voava


DESPAIR

nothing is more exactly terrible than
to be alone in the house, with somebody and
with something)
You are gone. there is laughter
and despair impersonates a street
i lean from the window, behold ghosts,
a man
hugging a woman in a park. Complete.

(e.e.cummings)

domingo, setembro 10, 2006

Na Véspera



SUMÁRIO DO DIA:

-No primeiro aniversário de Poeta Salutor, a coincidência com uma data, o nine/eleven. E, neste 2º ano, um novo modo de abrir as postagens com um sumário do dia.

-Fotografia tirada de Jersey City, em Julho de 1991.
-Poema dedicado a Nova Iorque, escrito em 11/10/2001

Nova Iorque, Nova Iorque

Só agora decidi olhar para o céu
dentro da minha cabeça
Nova Iorque, Nova Iorque
tu que foste apedrejada
por pequenos profetas animados
no meio do deserto
Só hoje decidi pôr os olhos na linha
do teu céu mortalmente
atingida por lâminas de aço
nesse céu administrado
em nuvens de poeira
Nova Iorque, Nova Iorque
como eu queria abraçar o teu pescoço
de altiva mulher de Modigliani.

sábado, setembro 09, 2006

Laudatório: Ángel Laudier

FIDEL

En todo el mundo, en voces de alegría
se oye un nombre de Cuba que en los labios florece.
Lo alzan quienes trocaron un perenne anochece
por el radiante despertar del día.

El eco de ese nombre que entre los hombres crece
como crecen los días en la costa bravía,
es también porque orienta hacia la exacta vía
del mundo de justicia que ya en Cuba amanece.

Oligarcas del Norte odian todo hombre puro
que luche junto al pueblo en el combate duro,
como fue el de Bolívar, con Martí siempre fiel.

!Hacer que todos vean la luz cada mañana,
y que todos vivamos en dignidad humana:
tal la heroica epopeya de Cuba con Fidel.

(Ángel Laudier, 1910, Prémio Nacional de Literatura)

sexta-feira, setembro 08, 2006

Poema com uma epígrafe

O MAR LEVANTA-SE

«O mar levanta as suas lâmpadas»
António Ramos Rosa


O mar levanta-se acima dos faróis

Por vezes
quebra o seu cristal
de algas verdes
sobre as rochas

O mar lança sinais
de desespero para a praia
dos seus domínios
onde
dá a embriaguez da morte

No mar a saudade levanta
ferro e as velas
alinham o horizonte.

9/2006

Bom fim de semana!

quarta-feira, setembro 06, 2006

Agência de Viagens

Turismo

A morte está viva
nos arredores de Roma, uma coluna
um arco, um braço
gigantesco que assegura
o tamanho do Império
um pé, uma cabeça coroada
com os louros, uma harpa
desenhando o relevo do silêncio
eles sabiam como conservar
o presente.

14-8-2005

terça-feira, setembro 05, 2006

Adolescências

Pena de morte

Eram bastante bons
aqueles tempos de ódio,
em que planejávamos nossos assassinatos,
pelo simples prazer de nos vingarmos:
eu te via com os dedos na tomada,
tu me vias sufocada pelo gás.
Tempos em que sorrias ao atravessar a rua,
e eu achava graça em ser atropelada;
tempos em que queríamos fazer um filho,
para espancarmos juntos,
nos dias de ócio;
em que eu te servia de escarradeira,
em vez de cozinheira e passadeira.
Depois, veio o amor,
que é como um lenço em que se assoa,
ou mãe que chicoteia e nos perdoa.
Hoje afago-te as corcovas
e lustro-te as botas novas.

(Leila Míccolis)

domingo, setembro 03, 2006

e.e.cummings, morre a 3/9/1962

9/3/1962: E.E. Cummings dies.
Edward Estlin Cummings dies Sep. 3, 1962 of a brain hemorrhage after splitting wood.

in www.litkicks.com, com 2 poemas traduzidos de J.T.Parreira em Action Poetry

sábado, setembro 02, 2006

Álbum


Gustavo

O alfabeto
dos seus olhos não soletra
um sorriso, é um outono
que acastanha
o branco, são duas folhas
com pontas
de tristeza, duas folhas
brandas.

sexta-feira, setembro 01, 2006

Alejandra Pizarnick (Buenos Aires, 1936-1972)

Presencia

tu voz
en este no poder salirse las cosas
de mi mirada
ellas me desposeen
hacen de mí un barco sobre un río de piedras
si no es tu voz
lluvia sola en mi silencio de fiebres
tú me desatas los ojos
y por favor
que me hables
siempre

#
Relutei muito com esta tentativa de tradução, pela complexidade aparente dos versos da grande poeta portenha. Mas vou arriscar:

Presença

tua voz
neste não poder deixar-se as coisas
do meu olhar
elas me despojam
fazem de mim um barco sobre um rio de pedras
se não é a tua voz
chuva única no meu silêncio de febres
tu me desatas os olhos
e por favor
fala-me
sempre

quarta-feira, agosto 30, 2006

Avó Leonor

Uma avó negra que tive em silêncio
avó de branco
riso que nunca poisou em mim
o algodão do seu olhar
avó de negros
olhos fazendo luz
entre a noite transparente
sob o luar dos fogos
Avó negra
que invocavas deuses
deuses fechados como os sons
que à selva se reservam
toda a minha alma
é cruzada por ti
como a noite traspassada pela chama.

andar21.net - Revista poética en rede

Quando eu perco a fé!(23/08/2006) Elaine Tavares desde o Brasilmáis

Um rio chamado tristeza: João Tomaz Parreira(24/08/2006) Versos de João Tomaz Parreira desde Lisboamáis

Tres poemas: Óscar Antón Pérez García(23/08/2006) Versos de Óscar Antón Pérez García (Oirán, 1976) 1 > 3máis

A Defesa do Poeta: Natália Correia(16/08/2006) Versos de Natália Correia (São Miguel, Açores, 1923- Lisboa, 1993)máis

etc.etc.

Poesia galega, poesia internacional em www.andar21.net

terça-feira, agosto 29, 2006

O gato de Chagall

Eu solto os meus olhos
com o gato do primeiro andar
nele

elevo-me do chão
no voo
de um pássaro

pulo
três quatro lanços
de ar

com o gato solto
nos meus olhos

27/8/2006

segunda-feira, agosto 28, 2006

Etiquetas

Continuando... o jogo da PalavraPuxaPalavra, as etiquetas seguintes são, todos elas sem excepção em língua portuguesa, valiosos blogues onde a ars poetica é assunto no feminino, desde a escolha das imagens às palavras:

www.linhadecabotagem.blogspot.com - Viagens pela fotografia e na poesis de um olhar
www.lupanardopensamento.blogspot.com - Um modo de pensar a poesia a partir do interior
www.aluzdovoo.blogspot.com - Imagens com legendas poéticas
www.romadevidro.blogspot.com -A poesia concentrada e, às vezes, surrealizada
www.papelderascunho.net - Uma das melhores dicções da poesia brasileira moderna, quer na criação original quer na tradução.

domingo, agosto 27, 2006

Um pouco do melhor

3 Irmãos - Antologia - Gióia Júnior - Joanyr de Oliveira - J. T. Parreira - Sammis Reachers (org)© 2006 - Sammis Reachers (org) "Antologia, reunindo poemas de três dos maiores poetas evangélicos em língua portuguesa, os brasileiros Gióia Júnior e Joanyr de Oliveira, e o lusitano J. T. Parreira. No objetivo maior de glorificar a Deus, e de divulgar de uma forma mais efetiva e franca o melhor da poesia evangélica em nossa língua, vem a lume esta breve antologia, englobando 3 de nossos mais consagrados poetas."
#
Pode ser consultada em http://www.ebooksbrasil.org/nacionais/index.html#antologiaevangelica

quinta-feira, agosto 24, 2006

Ele, Tirésias


Ele, Tirésias
revolve as gavetas da noite
tem o toque
da deusa nos ouvidos
nos seus sonhos não passam
rios azuis
nos olhos de Tirésias
a névoa toma as formas
no futuro, a cinza
cai do rio de lume de Tirésias
de Tirésias
os olhos adiantam-se.

###############

Hoje estou na primeira página do Blocos, Portal de Literatura e Cultura, com um poema já conhecido, Vida Literária, que a poeta Leila Míccolis publicou.
http://www.blocosonline.com.br/home/index.php

quarta-feira, agosto 23, 2006

Vilegiatura


Edição de 1964



















O Poeta Marítimo

A noite vem de Bornéu
Clotilde se enrola no astracã
A tempestade lava os ombros da pedra
O grande navio ancora nos peixes dourados
Um menino serve-se da história de Robinson
Alguém grita
Pedindo uma outra vida um outro sonho
Um outro crime
Entre o amor e o álcool
Entre o amor e o mar.
Ouve-se distintamente
O respirar das hélices
O céu inventou o vento
A sereia enrola o mar com o rabo.

(Murilo Mendes)

domingo, agosto 20, 2006

A crítica do velho Buk (owski)

A bela resistência de Ezra

Há uns milhares de ingleses licenciados em literatura
que pensam tomar o lugar de Ezra
ou cummings ou Eliot
quando a melhor coisa que lhes
acontecerá
é acabarem como caixas
nas Lojas Safeway
e a perguntar
(sob as directrizes da gerência)
«Como está o sr. hoje?»
e não obterem resposta
nenhuma.

(Tradução: J.T.Parreira)

sexta-feira, agosto 18, 2006

A Lição de Giuseppe Ungaretti

Desde Tristan Tzara a António Maria Lisboa, para falarmos de criadores de movimentos literários, em universos distintos do início do século XX, que os poetas foram compelidos a impor uma etiqueta à geração, ao grupo, ao movimento em que se integravam, e às técnicas apresentadas.
Tiveram que elaborar manifestos, umas vezes para dar visibilidade aos seus postulados poéticos, outras para conferir a estes compreensibilidade, quer diante do momento, quer perante o julgamento da história. Para além dos textos normativos desses argumentos, que determinavam o modo de escrever - a escrita automática, por exemplo -, nomeadamente no primeiro manifesto surrealista de 1924, misturavam-se teorias literárias e até da área da psicanálise que surgia com Freud.
Embora fosse companheiro de época literária e dos ismos em que se integravam aqueles dois poetas, que hoje têm em comum o esquecimento, o poeta italiano Giuseppe Ungaretti pronunciou em toda a sua vida literária uma lição, que valeu como um manifesto. Como um dos grandes poetas do nosso tempo, do século XX, Ungaretti afirmou os seus argumentos em dois curtíssimos versos, ao escrever : Deslumbro-me/ de imenso. Poeta dos mínimos nadas e dos grandes segredos, que lhe valeram a classificação de ter uma linguagem poética hermética, escreveu ainda em versos de tamanho pequeno, outro manifesto: Tra un fiore colto e l’altro donato/ l’inesprimibile nulla ( “Entre uma flor colhida e outra dada / o inexprimível nada” ).
Para este poeta nascido no Egipto no ano em que nasceu Pessoa ou T.S. Eliot, 1888, que ensinou literatura em Roma e em São Paulo, e seguiu as pisadas do futurismo, do surrealismo e do hermetismo, não se podia ir mais além em poesia.
A busca do despojamento e do próprio segredo do eterno, com versos densos de mistério, mas também com poemas nítidos, cujas palavras nada escondem e nos fazem ver ou quase tocar nas coisas mais simples, como nos versos finais de um poema sobre o Natal: “Estou / com as quatro / cabriolas / de fumo / do velho lar”. Ou nestes outros versos sobre a capacidade que o mar tem de nos seduzir: “Com o mar / tenho feito para mim / um ataúde / de frescura.”
Certamente por esta capacidade de a poesia, por vezes, ser palpável, o poeta escreveu que “ já não escutaremos a poesia; poderemos apalpá-la, olhá-la.”
No que concerne à sua obra poética, no nosso país, só poderemos tocar num volume esgotadíssimo, editado pela Dom Quixote, em 1971, nos Cadernos de Poesia. O Sentimento do Tempo, que é a par de Vida de um Homem, Hiena, 1985, as únicas colectâneas de poemas de Ungaretti excpecionalmente traduzidas para português, em livro autónomo. Em 1978, Jorge de Sena também enriqueceria a sua obra quase monumental Poesia do Século XX, com onze poemas de Ungaretti.


SOU UMA CRIATURA

Como esta pedra
de S.Miguel
assim fria
assim dura
assim enxuta
tão ausente
tão inteiramente
desalentada
Como esta pedra
é o meu pranto
que não se vê
A morte
abate-se
vivendo.

(Tradução: J.T.Parreira)

SONO UNA CREATURA

Come questa pietra
del S.Michele
così freda
così dura
così prosciugata
così refrattaria
così totalmente
disanimata
Come questa pietra
è il mio pianto
che no si vede
La morte
si sconta
vivendo.

( Giuseppe Ungaretti)

quarta-feira, agosto 16, 2006

Análise Crítica de «Nada, nem mesmo a chuva»

NADA, NEM MESMO A CHUVA
Um texto de J.T.Parreira

(Análise crítica)
Maria José Limeira


Gostei muito desse texto “Nada, nem mesmo a chuva”, de J.T.Parreira, por causa das palavras simples que o autor utiliza para falar de coisas simples.
Quem poderia contestar as “pequenas gotas como as lágrimas que se movem dentro do coração”? Um mundo de coisas que este trecho exprime, de uma maneira tão singela e comovente... Todos entendem como se processa essa emoção, e é por isto que esse poema ganha o foro universal.
Vemos adiante as “mãos” das “mães” que “guardam as chaves das pequenas nuvens”. Que bonito, não? Falar em nuvens é olhar um céu nublado de onde desabam essas lágrimas-chuvas que o autor enfoca e, no final, abre-se a outras contemplações.
É um texto meditativo sobre os gestos que a Natureza esboça, com um narrador impessoal, que dá elegância ao discurso poético.Quando o domínio se fecha, as mãos se abrem.Muito bom!

(Maria José Limeira é escritora e doce jornalista democrática de João Pessoa-PB)

NADA, NEM MESMO A CHUVA
para e.e.cummings

Nada, nem mesmo a chuva
tem tão pequenas gotas
como as lágrimas que se movem
dentro do coração
E as pequenas mãos
que sobem pelo rosto
das mães? Ninguém
como elas tem a chave
para tão pequenas nuvens
Ninguém, nem mesmo o silêncio
tem tão pequenas mãos
para abrir
tão fechado domínio.

(Transcrito de Oficina Literária)

domingo, agosto 13, 2006

As pontes de Paris

A manhã vai pôr a limpo
a névoa e Paris
vai oferecer
as suas pontes, os seus braços
sobre vestígios de óleo
triste

De
longe uma sirene, um ruminar
de motor, um canto
atirado às margens

E
cabem debaixo do braço
as pontes de Paris
como cabe um quadro
num livro de turismo, postais
mapas, a elegância
da Pont Mirabeau.

quinta-feira, agosto 10, 2006

Poesia nos Blogs: 35

O virtual passou ao mais antigo suporte: o papel. Lançada em Julho, esta antologia é uma amostra dos sítios que na blogsfera vão divulgando poesia e poetas. A primeira edição esgotou, a Apenas Livros estará a preparar a 2ª para esses 35 Blogs de autor.
Quaisquer contactos, para reserva de um exemplar, devem ser feitos através de www.apenas-livros.com ou do sete-mares.blogspot.com

sábado, agosto 05, 2006

Construção Civil

A casa espera
Luiza Neto Jorge


Os olhos seguem o tijolo
no alçar dos tectos

hastearam paredes, estenderam
para o alto os muros
zelosos
da sombra de si mesmos

subiram pelo ar
as varandas
vão exibir gestos, lenços
seios entreabertos

buracos negros
as janelas
escurecem
-é a noite que tem
onde ficar

no lugar dos vidros
as manhãs irão abrir
do sol
a imensa mão


entretanto a luz do dia
tropeça no ventre
da casa em construção

5/8/2006

quarta-feira, agosto 02, 2006

A ironia social de Álvaro de Campos?

Quem cruzou com o Álvaro de Campos numa rua da Baixa? A sua sombra, o seu alter-ego em depressão? Aquele homem mal vestido, andrajoso, «pedinte por profissão que se lhe vê na cara», quem era? Ou todo o referente inicial do poema, atribuído sem dúvida alguma a AC, mas sem data, não foi mais do que um pré-texto para o poeta se auto-analisar? «Já disse sou lúcido... Sou lúcido... Sou lúcido.»
Concebido como um libelo social, é um dos grandes poemas contra-cultura, avant la lettre de movimentos literários anti-sociais que vieram depois, como o Dada ou a Beat-Generation, para usar dois exemplos díspares, distantes cronológica e geograficamente.
Sem veleidades de instrumentalizar a literatura comparada, cito Neruda que em 1953 afirmou «não há material antipoético, se se trata das nossas realidades», é verdade que a propósito do seu Canto geral sobre a América, mas idêntica observação serve ao poema de Campos.
Ele trata de uma realidade, diria social. Ao contrário do Canto General do poeta chileno, salvaguardadas as devidas proporções, no poema de Campos não há plantas, nem flores, nem vulcões nem rios. Há outra crónica, a da ironia sobre a sociedade que faz nascer os seus próprios pobres para depois exercer os mecanismos sentimentais e organizacionais da caridade.
De uma certa maneira, Álvaro de Campos, sobranceiro à vida, no entanto dir-se-ia que saiu de casa para, fortuitamente, se cruzar carnalmente, fisicamente com a sociedade. Também foi um cronista deste momento social sobre aquele homem mal vestido, a quem o poeta num gesto magnânimo, gesto largo e transbordante, deu tudo quanto tinha, no bolso em que tinha pouco. Queria o heterónimo Campos, esse «infeliz amigo» de Pessoa, falar realisticamente dos pobres, dos nossos pobres? E dos limites da caridade, e da filantropia de «repetição do tipo», isto é, daquela filantropia social do chamado jet set que exibe tiques de caridade para com os pobrezinhos, por reacção?
Perante um poema que marca limites à literatura ( russa ), à sociedade e, até, à auto-análise psicológica, não sei responder-me.

segunda-feira, julho 31, 2006

Um pequena luz na bruma

Uma pequena luz serena
nítida, contida
num círculo claro,
ao fundo
deste tubo que é
a nossa dor redonda,
brilha, sobre o negrume
do abismo
salvamo-nos
pela firmeza dessa luz?
Quantos olhares
ainda teremos que gastar
até nossas retinas descansarem
na luz que não vacila,
brilha e ilumina?
Um pequeno espaço ao fundo
no extremo
da nossa agitação
no final para a serenidade.
Aí, onde tudo bate
nessa pequena luz ao fundo
que segura o nosso olhar.

20-7-2006

sábado, julho 29, 2006

Email recibido hoje da poeta Virna Teixeira

A propósito da nossa tradução, em dueto, do poema Confession de Charles Bukowski, publicado pela Virna no seu www.papelderascunho.net

Bloco de textojoão,

publiquei no blog, e me estimulou para um duelo, ou dueto.
gostaria de um tempo bônus, pois tenho trabalhado demais e não tenho conseguido conciliar minhas atividades e o blog. mas tenho participado de alguns eventos literários por aqui, é um bom retorno.
gostei muito da sua versão para este poema, umas das traduções mais interessantes que você fez.

um abraço,

virna