domingo, dezembro 30, 2007

No princípio do século vinte

Picasso, Mulher a ler

Mulher que lê o jornal

Notícias da província
do país
do mundo
os balões de ar quente
o zeppelin
o primeiro aeroplano
telefonia sem fios
sufragistas
naturalistas e novas descobertas
mora tudo nas páginas do jornal
que ela lê

absorta
o romance de Zola
a poesia de Junqueiro
os desenhos de Bordalo
o borda d’água
as modas de Paris

a balzaquiana de trinta anos
devora o jornal
com persistente interesse
a pressentir que a vida
afinal
não termina na soleira da porta
nem o mundo no fim da rua.

(Brissos Lino)

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Sylvia and Ted

Quando estavas comigo
eu nunca ia morrer

Os meus olhos vagueavam
sem ti, o meu medo
tinha ruídos
todos os passos, as sombras
eram coisas sólidas

quando escrevia a morte
riscava as folhas de papel
mas quando estavas comigo
eu ia durar a vida inteira

As tuas pernas
sustentavam as minhas quedas.

12/2007

sábado, dezembro 22, 2007

America, by Gertrude Stein



Once in English they said America. Was it English to them.
Once they said Belgian.
We like a fog.
Do you for weather.
Are we brave.
Are we true.
Have we the national colour.
Can we stand ditches.
Can we mean well.
Do we talk together.
Have we red cross.
A great many people speak of feet.
And socks.

AMÉRICA
Uma vez em inglês disseram América. Era inglês para eles.
Uma vez disseram em belga.
Nós gostamos da névoa.
Contribuímos para a atmosfera.
Somos os bravos.
Somos os verdadeiros.
Temos a cor nacional.
Podemos pôr o pé na poça.
Significamos muito.
Falamos ao mesmo tempo.
Nós temos a cruz vermelha.
Muita gente fala de pés.
E peúgas.
(Trad. J.T.Parreira)

sexta-feira, dezembro 21, 2007

O não ter Senhor começado uma rua

quadro de Marc Chagall

O não ter havido Senhor para ti
lugar na cidade, nas mãos
que deveriam ungir-te, até
lugar na voz que prometera
do fundo dos dias cantar-te
O não ter havido Senhor uma porta
uma casa cheia para receber-te
um espaço entre os peitos
de todas as mães, um olhar
onde morasses com ternura
O não ter Senhor começado uma rua
à espera do teu Nome
nem ainda hoje quando passas
Senhor no rosto de um homem
ou uma mulher feliz por te acolher.
Bom Natal para todos que passem por aqui!

quinta-feira, dezembro 20, 2007

O Tempo que passou

Edição de 1996


Fogo de Artifício

Faúlhas sibilinas
no bafo quente da noite

regalo sempre novo na retina

povoléu pasmado
plantado
no chão quente
da noite

as lâmpadas que povom a praça
do município
alumiam rostos cansados
e felizes
acabados de saber
que há festa

trovoada provocada
no limiar da alegria.

(Brissos Lino)

terça-feira, dezembro 18, 2007

Presentación del libro DISTANCIA


Da poeta brasileira minha amiga, Virna Teixeira, tradução de Jair Cortés e Berenice Huerta,

apresentado em Puebla, México, em Novembro.



Um poema cedido pela autora para Poeta Salutor:


EPIDERMIS

pudiera recortar un
instante — éste

cuando la luz, lúgubre
en los ojos
disipa

desnudez, leve toque
en los hombros

lunares

domingo, dezembro 16, 2007

Poeta sem saber onde pôr as mãos

O poeta Laurence Ferlinghetti na sua livraria


As mãos estão nos bolsos
com todas as suas lembranças,
protegidas
da vergonha por estarem vazias.
As mãos têm frio
fora dos bolsos, no vento
encanado entre os dedos.
Por isto,
Onde pôr as minhas mãos
tão solitárias, ao longo
do admirável corpo?
O poeta não sabe em cada manhã
entre tantos ofícios
onde cabem as suas mãos.

sexta-feira, dezembro 14, 2007

outro Pollock no soalho


Do modo como o pintor se instala
no branco das suas telas
gotejando sobre o soalho

ficamos a saber que vai partir
para qualquer sonho
como um poeta na estéril branca

página
Com seus olhos cheios
e passos que começam no deserto.


14/12/2007

quinta-feira, dezembro 13, 2007

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Read This- a Magazine


"Read This, Magazine" de versos e prosa criativa, editada em Edinburgh, pelo Departamento de Literatura da Universidade. No número de Dezembro publicou, desta casa, 2 poemas traduzidos para o inglês: "Steinway and Sons" e "The Flamenco Dancer".

terça-feira, dezembro 11, 2007

Sodoma e Gomorra


CIDADE MALDITA

eis um dos capítulos mais tristes
da Bíblia -
Génesis 19



À porta de Sodoma
Loth assentado
desenha pensamentos
inéditos
de Deus


de costas
para a cidade


e os anjos aguardam
nas dobras da meditação
os olhos do residente


à casa de Loth
acorrem três gerações
de delitos
a ultrajar os céus


de noite todos os anjos são pardos


…………………………………


e a saudade foi estátua
de coração abandonado
às veias
salgadas
da terra maldita.


(Brissos Lino)

domingo, dezembro 09, 2007

No próximo Natal em Belém




Que criança regressa agora
a Belém para nascer? Hoje,
há um avião que bate
nos arcanos do tempo,
um carro de combate que regula
a pontaria onde começa o homem, uma casa
fechada atrás de sulcos
na parede, há novelos farpados de arame
para enredar os pés, e as estrelas
procuram-se com olhos cabisbaixos.

Hoje que criança transgride
o recolher obrigatório?
E vem nascer em Belém
num leito onde deitam a boca
os animais
e o silêncio das línguas?

quarta-feira, dezembro 05, 2007

terça-feira, dezembro 04, 2007

Um Poeta Pernambucano

O PÁSSARO SEM VOO

O pássaro sem vôo, solto na sala,
ficou sendo um brinquedo de criança
Que lhe importa a manhã?
Por que saudá-la,
Se a cantiga desperta a mão que o alcança?
De que lhe vale o canto? O canto é apenas
alegria de estranhos
Não é tudo.
O canto é inútil como são as penas.
O pássaro sem vôo, cantando, é mudo.

(José Chagas -Pernambuco, 1924-)

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Brissos Lino, Poeta entre Tróia e o Vau

O Dr. Brissos Lino nasceu em Lisboa. Tem formação de base em Ciências da Religião (Doutoramento), o Mestrado em Relação de Ajuda(ISPA), é também Pós-Graduado em Gestão de Stress, pela Universidade Independente. É membro da Direcção da Associação Portuguesa de Psicoterapia Centrada na Pessoa e de Counselling (APPCPC), e membro do Grupo Português de Psiquiatria Consiliar e de Ligação (GPPC/L). É Professor universitário, Psicoterapeuta e Formador, sendo autor de diversos artigos em revistas científicas e comunicações em congressos científicos.

O ano de 1972 é o ponto mais antigo do encontro de que me recordo, com o meu Amigo Brissos Lino na Poesia. Sobretudo na Poesia de inspiração cristã evangélica.


BARCO À VELA


Um pequeno barco à vela
lá muito ao longe, no mar
parece que não se move
mas percebe-se a navegar.

O vento de feição curva-lhe as velas
brancas de paz
havendo ondas ou mar chão
tanto faz.

O Sol brilha no casco, também alvo
e os dois tripulantes, de tronco nu e luzidio
concentram-se nas tarefas de marinhagem
sem calor nem frio.

Mas se uma sereia levantar a voz do canto
e os atrair ao perigo
aí vou-me lembrar que tudo isto não passa
afinal
de um simples quadro a óleo
pendurado na parede
da sala
mesmo ao lado do postigo.


Praia do Vau, Agosto de 2007

(Do livro inédito, "Princesa Triste")

sábado, dezembro 01, 2007

O "Godot" afro-americano

J.Kyle Manzay e Wendell Pierce na peça «À Espera de Godot», de Beckett, a qual se desenrolou ao ar livre em vários lugares de Nova Orleães. Num ou noutro ponto da cidade devastada pelo Katrina, foi aproveitada a intersecção de duas ruas como palco.

In The New York Times, hoje.

sexta-feira, novembro 30, 2007

O Hóspede

Os díscipulos de Emaús, de Caravaggio

Depois da noite se instalar
ao redor do fogo, abrir
sobre a cama um espaço
para o corpo se atirar
e lençóis que ainda trazem
os perfumes da manhã
alguém chega, entrou
pela noite com olhos indecisos
e sonhos de distância
traz sono e estremece
à mais pequena folha
que cai na noite fresca
esse alguém onde o vedes
pode trazer um coração
lavado, uma metáfora
dissonante, molhos
de palavras, e partindo
o pão, abrir os nossos olhos.
15/10/2007

quinta-feira, novembro 29, 2007

Viola, de José Craveirinha

No coração dos homens
a vida ficou um grande hectare de terra fresca de chuva
o sol dando um sentido às largas folhas das árvores
e brunindo
seios duros e inquietos ao pilar do milho

Era o feitiço dos dedos
em sonhos de compasso e esquecimento,
o mundo saindo das latas de castanha de caju
nas densas cordas da viola de Tingane.

Passos soltos na tarde maravilhosa de domingo
Tingane, rua e viola
ritmo...
ritmo...
ritmo invencível de coisa nova!

quarta-feira, novembro 28, 2007

terça-feira, novembro 27, 2007

Do meu amigo poeta Brissos Lino

UMA NUVEM EM TRÓIA

Hoje há maçãs húmidas
na nossa praça

já não chove
e há caracóis resolutos
em cada pedaço de erva

a Arrábida molhada
seca agora
aberta ao sol.

Paira ainda uma nuvem solitária
sobre a península
a projectar sombra no rio

nuvem esquecida
envergonhada
no tecto limpo
de Tróia.

quinta-feira, novembro 22, 2007

e.e.cummings transliterado

um riso sem um
rosto(um olhar
sem um eu)
cuida

do(não to
que)ou
desaparec
erá semru

ído(na doce
terra)&
ninguém
(inclusive nós

mesmos)
relem
brará
(por uma fra

ção de
um mo
mento) onde
o que como

quando
por que qual
quem
(ou qualquer coisa)

(Trad. de Augusto de Campos)

quarta-feira, novembro 21, 2007

Poema para o amor

Vieram fazer ninho. Nos teus braços
acenava uma janela
por isso vieram fazer ninho.
O primeiro pássaro, pesando no ar
como a luz do outono
depois o segundo com os olhos de azul
como se a fevereiro não restasse
outra cor senão a luz.
Vieram a gosto, para refrescar a solidão
que é uma taça de cristal
de silêncios
são os filhos que vieram
fazer ninho
na alegria mais alta do teu rosto.

sábado, novembro 17, 2007

"Trozo de Piel", poemas de Pablo Picasso


Gritos de meninos gritos de mulheres gritos de
pássaros gritos de flores gritos de madeiras e
de pedras gritos de ladrilhos gritos de
móveis de camas de cadeiras de cortinas de
caçarolas de gatos e de papéis gritos de aromas
que se arranham gritos de fumo…

(15-18 de Junho de 1937)

(Trad. de JTParreira)


A escrita poética de Picasso não foi alheia aos conflitos (Guerra Civil de Espanha e II Guerra Mundial) marcada pelo medo e pelas ameaças que desvalorizaram o homem perante os animais.
Na figuração e dissociação dos elementos que formaram Guernica, a chacina e destruição da cidade sagrada dos Bascos, por exemplo. E uma amostra disso é este texto do livro de poemas, Trozo de Piel, marcado por um pendor expressionista.

#
Bom fim de semana.

sexta-feira, novembro 16, 2007

Miguel Torga, evocação do Centenário

Associando-se à evocação do Centenário do nascimento do poeta, o Grupo Poético de Aveiro promove um recital de poesia no dia 23 de Novembro, sexta-feira, pelas 21h45m, na Biblioteca Municipal de Aveiro.
Além de diversas leituras, a cargo de vários elementos do Grupo, do evento fará parte uma comunicação: Miguel Torga pelo Prof. Doutor António Manuel Ferreira, docente da Universidade de Aveiro.

segunda-feira, novembro 12, 2007

Rua Carvalho Araújo-Revisitada



Stand in the dark light in the dark street
Gregory Corso


Como um obelisco escuro de pé
na luz da rua às sombras encostado
procuro entrar na memória
de uma janela, vivi ali?
Soltava os meus olhos de cinco anos
para a rua em baixo
outra gente que anda lá não suspeita
de nada
como um mundo novo que foi para mim
aquele quarto.

8-11-2007

sábado, novembro 10, 2007

Revisitações


Poeta norte-americano, Gregory Corso (1930-2001)

Casa onde nasci

Fico de pé na luz escurecida da rua escura
olho para a minha janela, nasci ali.
Há luzes acesas, por lá outra gente move-se.
De gabardina, acendo a boca num cigarro,
um olho sob o chapéu, a mão engatilhada.
Atravesso a rua e entro no edifício.
As latas do lixo não escondem o mau cheiro.
Subo ao primeiro andar; Orelhas Sujas
dirige-me a navalha…
Eu apalpo-lhe todos os relógios furtados.

(Trad.J.T.Parreira)


Birthplace Revisited
(from Gasoline)

I stand in the dark light in the dark street
and look up at my window, I was born there.
The lights are on; other people are moving about.
I am with raincoat; cigarette in mouth,
hat over eye, hand on gat.
I cross the street and enter the building.
The garbage cans haven't stopped smelling.
I walk up the first flight; Dirty Ears
aims a knife at me...
I pump him full of lost watches.

(Gregory Corso)

quarta-feira, novembro 07, 2007

Alba



Alba

As cool as the pale wet leaves
of lily-of-the-valley
She lay beside me in the dawn.

(Ezra Pound)


Alba

Tão fresca como as pálidas folhas molhadas
do lírio dos vales
Estendeu-se ao meu lado na aurora.

(Trad.J.T.P)

sábado, novembro 03, 2007

A árvore de Mondrian




No dia em que a árvore de Piet Mondrian
ficou do tamanho vermelho
dos seus ramos
o vento
emaranhado nos ramos tranquilos
Mondrian nos mostrou
o interior do nada.

(At day when the Piet Mondrian’s tree
was of the red size of the branches
the wind
entangled in the calm branches
Mondrian shows to us
the interior of nothing.
)

In Literary Kicks and The Literature Network

sexta-feira, novembro 02, 2007

A 5ª frase ("venham mais cinco")

A Linha de Cabotagem (http://www.linhadecabotagem.blogspot.com) passou-me este desafio e a Helena Monteiro é credora de Arte e de Literatura:

As regras:
1.Pegue no livro mais próximo; 2.Abra na página 161 e procure a 5ª frase completa; 3.Transcreva-a na íntegra para o seu blogue; 4.Passe o desafio a mais cinco bloggers.

"Tal vez suponga el lector que ya es hora de que aparezca en el horizonte otra Montaña Deleitosa."

in "La Habitación Enorme", de e.e.cummings, pág.161, Espasa Galpe, 2004

Estava a trabalhar na tradução de um poema de cummings e tinha a meu lado este livro autobiográfico do poeta norte-americano.

www.romadevidro.blogspot.com
www.aluzdovoo.blogspot.com
reading-writing.myblog.it
www.ana-maria-costa.blogspot.com
www.atmo-sphera.blogspot.com

quinta-feira, novembro 01, 2007

Poema xiii


a máquina de escrever de e.e.cummings



platão disse

lhe: ele não podia
crer nisso(jesus

disse-lhe; também
não quis
crer)lao

tsé
certamente disse
lhe, e o general
(sim,

madame)
sherman;
e ainda
(acredite
ou

não) tu
disseste-lhe: eu disse
lhe; nós dissemos-lhe
(ele não acreditou, não

senhor) levou
com um bocado japonês
do antigo viaduto

da avenida
6ª; no topo da sua testa: para

ele crêr

Trad.J.T.Parreira

segunda-feira, outubro 29, 2007

Steinway & Sons




Três pernas do Steinway
elevam uma sinfonia
de pássaros nas veias

acima do soalho
esbeltas
pernas do Steinway

como a mulher
escutada lentamente
no seu vestido negro.


28-10-2007

sexta-feira, outubro 26, 2007

Charles Bukowski




CHARLES BUKOWSKI

O fundo da garrafa
de cerveja aumenta
o colapso das coisas

Desaparecem os olhos
no interior as mãos dizem
adeus desde o fundo

da garrafa nós veremos um
duro branco
corpo

segunda-feira, outubro 22, 2007

O Dono da Tabacaria


Foto de Luís Pavão



O Dono da Tabacaria vem à porta
para espreitar o mundo, seus olhos
procuraram no chão a rota incerta
à porta
como uma prestidigitação
surge e oculta-se
nos olhos de Pessoa
o seu universo reconstrói-se
em algum ponto infinito
pela janela do quarto
correm automóveis, transeuntes
velhos experientes
isoladamente sós cachorros
que fará quando o dia se apagar
nos vestígios do mundo nas janelas?

21/10/2007

quarta-feira, outubro 17, 2007

Expressionismo, uma profecia da bárbarie do Séc.XX


Nosferatu

«Quando Gregor Samsa acordou uma manhã, depois de um sonho agitado, achou-se transformado num gigantesco insecto.» ( para começar com um parágrafo definitivo de Kafka), foi o início de um pesadelo que representa uma alegoria. O escritor checo usou-a na novela A Metamorfose (1912) para explicar o absurdo da humanidade tão cheia de lógica, a dar os seus primeiros passos no idealismo do super-homem para as filosofias existenciais, mas que vê-se repentinamente transformada em qualquer coisa de mal, nos acontecimentos mundiais que a história europeia conhece desse tempo.

Nas primeiras duas décadas do Século XX, a angústia, a inquietude e a morbidez apoderaram-se da humanidade. E foi o Expressionismo Alemão que revelou esse estado de espírito, «profetizando» o mal que se iria abater sobre a Europa em particular e o Mundo de um modo geral.

Nas artes plásticas, como reacção à fase derradeira do Impressionismo (chamaram-lhe pós-Impressionismo), ergue-se na Alemanha uma ponte (Die Brucke) que liga aquele às novas correntes estéticas, mas que ao atingir o outro lado dessa ponte - o Expressionismo- corta quaisquer veleidades de um regresso. O novo movimento seria a arte do instinto, substituiria a impressão do momento causada de fora pelo sentimento nascido no interior, expressando-se patética, trágica e sombriamente, com uma técnica violenta.

A tela mais impressionante que antecipava esse período, pela angústia que demonstra, é, sem dúvida, O Grito (1906) do norueguês Edvard Munch. A violência profética do que haveria de ser o grito lancinante da Europa dos guetos e dos campos de concentração e extermínio nazis, dos bombardeamentos em massa, e - não o esqueçamos- dos Gulag estalinistas. Sobretudo, impossível de englobar em um só grito e de olvidar pela História, o trágico Holocausto, que aplicou a dizimação de milhões de judeus da Europa e explorou antes sua mão-de-obra escrava.

Mas, de um ponto de vista profético, o Expressionismo influenciou muito mais a poesia. Como sinal dessa identificação, havia sobretudo a crueza do verso, do verso militante que não procurava sustentar-se no lirismo, mas no descarnamento da realidade, uma poesia até ao osso.

Como nas obras de arte, o aspecto da deformação da realidade e a angústia existêncial do homem moderno estão patentes na poesia expressionista.

Poetas como Gottfried Benn, August Stramm, Georg Trakl, e uma poetisa Else Lasker-Schuler, para só citar os mais conhecidos, descreveram o caos de uma forma nua e crua, as palavras carregaram-se de angústia e no lugar das emoções expressaram as tensões e os tumultos da alma humana. Foram, de certa maneira, como alguém lhes chamou, «os poetas do grotesco».

Mas um dos poemas ardentemente radicais e proféticos, extravassando o desespero perante os indícios da realidade, que viria a chamar-se barbárie, veio de um poeta não tão notável quanto aqueles; Albert Ehrenstein -« Conservadas pelo frio, amontoam-se à volta do charco,\ Do lago do mundo dos mortos, \ As torres de cadáveres.». Nestes versos, o campo semântico remete para a guerra e prepara com a metáfora da mitografia da Barca de Caronte (o barco que transporta os mortos), o ambiente da catástrofe que seria a II Guerra Mundial e todo o horror dos campos de extermínio nazi. Este mesmo poeta descreveria, porventura sem nenhuma ligação ao quadro de Munch, o grito do Homem em versos como «Nós, os amordaçados, estamos envolvidos \ Por demónios, e brutalmente oprimidos», dum poema intitulado «Grito humano».

Todavia os grandes poetas desse movimento chamado Expressionismo, fariam associações mais grotescas da realidade com a metáfora, abrindo o tom lírico do verso à sensação selvagem, para que o verso sangrasse e provocasse até à dor.

Um excerto de um poema premonitório, «Berlim», pobre de metáforas, mas tão irónico como só Gottfried Been poderia escrever, é exemplar: «Quando arcos, pontes, erguidos,\ forem da estepe engolidos \ e o burgo areia escura \ e as casas desabitadas \ e as hordas e as armadas \ pisem nossa sepultura... \ hão-de as ruinas falar \ da grandeza do Ocidente ».

O futuro iria reservar à Europa uma reacção nova sobre a morte, a banalização da mesma. E assim o mesmo poeta, com uma morbidez irónica, anteciparia o que as SS e a Gestapo fariam perante a morte dos outros, ironizariam e comparariam seres humanos com piolhos. Um breve excerto do poema «Bela Infância» bastará: « A boca de uma rapariga que passara muito tempo no canavial estava tão roída.\ Quando lhe abriram o peito, o esófago estava todo esburacado \ Finalmente...\ encontrou-se um ninho de ratinhos. \ (...) \ Mas depressa tiveram também uma bela morte: \ Deitaram-nos todos à água. \ Ah, como os pequenos focinhos chiavam.»

O chamado «apocalipse alegre » da Europa de Strauss e Wagner, de Goethe e Heidegger, da primeira década, e da segunda e depois da terceira, foi vaticinado por outros poetas, como Georg Trakl, que não assistiu à «revelação» dos seus poemas sobre o desvario niilista do mundo, a hecatombe e a morte ( cometeria suicídio em 1914). «Vi-me num sonho de estrelas caindo,\ De preces chorosas num olhar ferido, \ De um sorriso que vinha ecoando - \ Mas não sabia entender-lhe o sentido. » Ou «Vi cidades pelo fogo consumidas \ E o cortejo de horrores pelo tempo fora, \ E muitos povos a pó ser reduzidos, \ Perder-se tudo nos fundos da memória » (do poema «Três sonhos»).

Tremendo entre estrelas e violinos, a nossa Europa das primeiras quatros décadas, foi-se afundando numa noite escura, que só o Julgamento de Nuremberga procurou, apenas com êxito judiciário, explicar.

sexta-feira, outubro 12, 2007

Como é teu nome

Ó mulher incompleta, amiga
Gioconda, teu sorriso estrangeiro
riscado nos lábios
nos desloca para o centro
do teu universo

Tuas mãos cruzadas
fora de ti, iluminam
a noite

Ó rosto pálido da aurora
onde os teus olhos já estão longe
de repente e o silêncio
como é teu nome esconde
e não diz nada.



11/10/2007

quinta-feira, outubro 11, 2007

The Announcement of the 2007 Nobel Prize in Literature



DORIS LESSING(1919)

Aristóteles definiu a Poesia(contra a História) como a narrativa do que poderia acontecer. A Academia Sueca do Nobel privilegiou(?!), este ano, uma espécie de poética do Espaço, a ficção científica. Mas também coisas aqui debaixo:tensões inter-raciais, a violência contra as crianças, os movimentos feministas...

quarta-feira, outubro 10, 2007

Senhor Lázaro

Dying / Is an art, like everything else.
Sylvia Plath



Está sentado na porta ancestral
De onde seus olhos
Comem os sonhos de pobre

Não podem saltar
No mundo
As suas pernas

Os seus olhos
Cansados
Lêem o Livro de Job.

segunda-feira, outubro 08, 2007

Um cigarro

No smoke without you, my fire.
Edwin Morgan


Não fumarei contigo
o meu pulmão.

Nem deixarei que parta
dos meus lábios
para a fadiga
interior, a morte.

Não há fogo sem ti,
obscura cinza.

Não fumarei contigo
o meu fogo,
que se esvairá
em fumo.

Não somarei as cinzas
ao meu corpo.

6/10/2007

quinta-feira, outubro 04, 2007

Jackson Pollock no soalho



Assim que o pintor se instalar
no branco de sua tela
o linóleo no soalho
para algum sonho
como um poeta na página
estéril e branca, com seus olhos
de profundidade
pisa somente no deserto.

quarta-feira, outubro 03, 2007

Museo del Prado



Os nossos olhos dão o alarme
seria útil ter no bolso
a quarta dimensão

para ouvir tudo o que dizem
através dos séculos
as estátuas e os quadros

as Meninas fechadas
por Velázquez, em vão
esperamos a forquilha

do vento
na carroça de feno
de Hieronymus

alheios a nós próprios
isso passa
reflectido nos espelhos

e enterramo-nos
no Museu até à sonolência
que desce às nossas pernas.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Escrita fonética? Alfabeto fonético?



Caldo brasileiro segundo Oswald

Entre indiferente e devoto
devoras a fala Mantiqueira
em pratos franceses.

Le pied de la lettre:

Sissou brrasileiro nulô
Como feijom tropeirrô:
Sissou preto como prreto
Sissou branco como brranco
Sissou branco como prreto.

E o porquinho, coitado,
Espedaça-se no caldo...

(André Merez)

quinta-feira, setembro 27, 2007

Babel



Em todas as palavras havia
somente uma língua
Peter Bruegel, o Velho, pintou
Babel
Construída entre palavras
e homens de braços armados
A confusão
que Bruegel não viu
na sua pirâmide inacabada
com um golpe de nuvens
Agora tinha o mundo inteiro uma linguagem.

25/9/2007

terça-feira, setembro 25, 2007

Ópera na Rua em Nova Iorque



A Grande Noite na Ópera

«Opera fans took seats in Times Square on Monday night to watch a live transmission as the Metropolitan Opera opened its season with “Lucia di Lammermoor.”»
in The New York Times

quinta-feira, setembro 20, 2007

Esquecimento

Um dia esquecerão o queixo
submerso na barba,
outro dia a distância
entre as lentes sujas
dos óculos e os olhos,
mais tarde
os olhos sem ninguém.
A seguir a um dia de sol
falarão do vento,
que já não arrasava os cabelos;
depois, que os poemas
devem estar por aí, desiguais
silenciados,
noutro dia
um perfume alheio
fará dúvidas se era esse.
Ao nome, num dia já distante,
começará a faltar um apelido,
nenhum morfema
tomará nosso lugar.

20/9/2007

quarta-feira, setembro 19, 2007

Desaparecido

Sempre que leio nos jornais:
«De casa de seus pais desapar'ceu...»
Embora sejam outros os sinais,
Suponho sempre que sou eu.

Eu, verdadeiramente jovem,
Que por caminhos meus e naturais,
Do meu veleiro, que ora os outros movem
Pudesse ser o próprio arrais.

Eu, que tentasse errado norte;
Vencido, embora, por contrário vento,
Mas, desprezasse, consciente e forte,
O porto do arrependimento.

Eu, que pudesse, enfim, ser eu!
-Livre o instinto, em vez de coagido.
«De casa de seus pais desapar'ceu...»
Eu, o feliz desapar'cido!

(Carlos Queiroz)

terça-feira, setembro 18, 2007

O Tempo que passou



3ªEdição, 1957

«OPINIÃO SOBRE «DESAPARECIDO», DE CARLOS QUEIROZ»

«Não se pode dizer deste livro o que é vulgar dizer-se, elogiosamente, de um primeiro livro, sobretudo de um jovem:- que é uma bela promessa.O livro de Carlos Queiroz não é uma promessa, porque é uma realização.(...)Pertence ao mais íntimo da probidade literária e artística o não se apresentar ao público sem ter plena consciência de que na obra apresentada está tudo quanto em nós haja de forte.»

Fernando Pessoa

# Amanhã, publica-se aqui o poema-chave deste livro: Desaparecido

sexta-feira, setembro 14, 2007

Edmond Jabès, poeta egípcio-judeu



Poema

Deixei uma terra que não era a minha
por outra à qual também não pertenço.
Refugiei-me num vocábulo de nanquim,
e tenho o livro como espaço;
palavra de lugar nenhum, obscura fala do
deserto.
Não me cobri durante a noite.
Nem mesmo tentei me proteger do sol.
Andei nu.
De onde eu vinha, não fazia mais sentido;
Aonde eu ia não incomodava ninguém.
Vento, digo-lhes, vento.
E um pouco de areia no vento.

(Tradução de C.M)

sábado, setembro 08, 2007

As raparigas da Calle d'Avignon




Tal como Picasso o fez, os olhos
maiores do que a cabeça, estendendo
os corpos primitivos,
as Demoiselles para o espectador,
eu vi isso com minha mulher
no verão de 1991,
em Nova Iorque suspensa
na humidade do calor,
animada e intacta numa sucessiva onda
de ar, a alma
das raparigas da Calle d’Avignon
a fundar-se a si mesma.

segunda-feira, setembro 03, 2007

Alberto de Lacerda( 1928-2007)



Edição de 1963

Exílio

O exílio é isto e nada mais
Na sua forma mais perfeita:
Hoje na terra de meus pais
Sòmente a luz não é suspeita.

domingo, setembro 02, 2007

O Tempo que passou



Edição de 1970


Poema do Beco

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
-O que eu vejo é o beco.

(Manuel Bandeira)

quinta-feira, agosto 23, 2007

Movimento Literário


You send me your poems,
I’ll send you mine

Robert Creeley



Vamos trocar nossos poemas
Como quem troca os olhos

Com cumplicidades
Uma veloz palavra

Tenderá a sair do círculo
Deixará para trás

Ângulos obtusos e a tautologia
Das quatro paredes

Trocaremos nossos silêncios, ínfimos
Nadas com profundidades

Mandem vossos poemas
Em especial os que rimam

Contra a corrente
Mandarei os meus.

segunda-feira, agosto 20, 2007

A Bicicleta Verde

«They said, you have a blue guitar,
you do not play things as they are.»
Wallace Stevens

A menina curvou o olhar sobre a bicicleta,
Uma menina com imaginação, nos seus olhos
O verde pintou a Terra.
A menina aproveitou o vento
Que brandia as folhas e disse
-Vou pintar de verde a bicicleta,
Terei uma bicicleta verde
Para ser inteira com a natureza,
Se passar pelas folhas
Serei um vento mais
-Não será um raio azul, nem uma estrela
Amarela, nem sequer uma sombra vermelha,
Será um riso verde quando passar rolando.

18-8-2007

sábado, agosto 18, 2007

«On the Road», 1957




Edições portuguesa, de 1960, e ucraniana, 1995


Jack Kerouac disse um dia a propósito das várias edições estrangeiras da sua obra «On the Road»: «Quando for velho, sabem o que vou fazer? Vou estudar línguas para ler todas as traduções do meu «Pela Estrada Fora».
Mas Kerouac não chegou à velhice – morreu em 1969 com 47 anos. Mas as edições traduzidas , especialmente do seu romance ícone, continuam a multiplicar-se.
Quando da edição original do livro, em 1957,o «The New York Times » de 5 de Setembro desse ano, publicava um texto na secção «Os Livros do Times», cujo autor dizia de «On The Road», em síntese, o seguinte: « É a segunda novela de Jack Kerouac e a sua publicação é um histórico momento não distante da exposição de uma autêntica obra de arte.
Absorvente, intrigante, picaresca.
É uma obra que requer uma exegese, porque é uma grande ocasião para se entender este tempo (finais da década de 50) em que as atenções estão fragmentadas e as sensibilidades embotadas pelos superlativos da moda.»

quinta-feira, agosto 16, 2007

Paris, Janeiro 1994



Paris nessa noite tinha a luz
distribuída pelas gotas da chuva.

Sartre e Beauvoir não estavam lá.

No Café de Flore, três ou quatro
colheres de açúcar afogavam
o amargo do café. Beberam-no
primeiro os meus olhos
como um ritual, os lábios
depois, na minha língua
mais tarde escreveria
um poema previsível.

Outras vezes, Paris era um bocado
de ar azulado.

segunda-feira, agosto 13, 2007

Um diálogo com o Narciso

Tens um rosto na memória
o teu rosto no fundo da água

Entorna os olhos
sobre o lago, como duas contas
de vidro

Como o poeta, eu Narciso
indago em mim mesmo
na transparência das águas

os versos e os dias
à flor da melancolia.

1-8-2007

sábado, agosto 04, 2007

Recomendações para o Exílio




Poema de Adam Zagajewski


Viajar sem equipagem, dormir no comboio,
num duro banco de madeira,
esquecer o país natal,
emergir de pequenas estações
à primeira luz do dia.

(Trad.J.T.Parreira)


Boas Férias!

quinta-feira, agosto 02, 2007

Oásis

do poeta sevilhano Manuel Machado(irmão de Antonio Machado)

Sonha o leão.
Junto às três palmeiras
amansa-se o sol. Existe
a água. E Deus deixa um momento
que os pobres camelos se ajoelhem...
Junto às três palmeiras,
o árabe, estendido, por fim, sorri
e suspira... Damasco
distante ainda o espera. Os confins
do horizonte acesos brilham.
Um silêncio terrível
enche o ar... Na areia
treme a sombra elástica de um tigre.

(Trad. J.T.Parreira)

segunda-feira, julho 30, 2007

domingo, julho 29, 2007

O Sorriso de Gioconda

O sorriso de Gioconda ornamenta
o museu, ninguém o moldará
de novo, o sorriso burocrático
de Gioconda é a porta
atrás da qual não há nada
alma? paisagens? o silêncio
um umbigo da alma
a sorrir para dentro.



terça-feira, julho 24, 2007

O Galo e Marc Chagall




O GALO

Un gallo
cantò; altri risposero qua e lá.
Umberto Saba


Um galo
cantou e outro respondeu
que está lá
no seu posto móvel
no vento
qualquer coisa negra
começa a desfazer-se
em claridade, a noite
repassa as outras latitudes
qualquer coisa começa
a restaurar-se nas janelas
as casas respondem
outros animais
retomam nos quintais
a domesticada vida
numa repetição sem tédio
nem deleite, um galo
avançou com a rotina
em todo o seu canto
que procede
do silêncio.

sexta-feira, julho 20, 2007

A Demolição


Gabriel Orozco, México, Instalação


Ruiu a casa velha para o fundo
para dentro de si própria
ontem era ainda
um retrato de azulejos
do passado, caiu
abaixo do silêncio
contra o qual a fachada
ao longo destes anos resistiu.
Silenciou as cortinas pobres
das vidraças, que mal se sustinham
já de pé. A sua sombra
jamais espalhará
toda a casa na calçada.

quarta-feira, julho 11, 2007

Gostaria de dizer

Gostaria de dizer
que nasci numa cidade pequena
na casa do largo principal

num universo
com paredes
ancestrais

Gostaria de dizer
que nasci numa casa de província
com o cheiro do fogo

a sair com o frio pelas janelas
mas não
e numa cidadezinha com um rio

como um espelho em frente
de cada porta, plano
e macio?

terça-feira, julho 10, 2007

SÍSIFO



Ilustração de Julio Saens


Antes que a montanha volte
a inclinar-se, se torne móvel
pelo rolar da rocha e o chão
repita a sua distância
do azul

Antes que teu rosto junto
à rocha, tão perto do magma
apagado do interior do nada,
olhe o píncaro
ao fundo do céu,
antes que esse céu imobilize
o voo dos pássaros

e encostes da pele
a intimidade
ao coração da pedra
sabe que há olhares enternecidos
que estão ainda à tua espera
e da estrela inacessível.

18-3-2007

quinta-feira, julho 05, 2007

Rua suja

A rua deixa adormecer o canto
dos seus heróis, aqui os sonhos
não se dão nos quartos, nem as rosas
respiram as gotas de água
num boquet


De dia turistas aumentam o medo
do olho atrás da lente
tudo se foca nesta rua
sufoca-se no verão
entre roupa acenando nos varais

Depois
que os moradores saem
para as rotinas
das pequenas colinas
de frente para o rio.

segunda-feira, julho 02, 2007

A tarefa do poeta

« Le poète a fini sa tâche »
Paul Verlaine




O poeta acabou a sua tarefa.
A época não foi de rosas
nem de sonetos que batem
como o coração das amadas
nem de salmos que são a língua
instrumental dos anjos.

A tarefa do poeta não é o desenho
de uma harpa no vento
de uma rosa no papel
irrespirável.

O poeta acabou o seu tempo.
Cansaço dos sonhos que irrigam
o cérebro, com as alegrias
alguns desencontros? o poeta
acolhe o fim com as mãos lentas
da tranquilidade.

O poeta pousou as armas.
Embora o dia continue a subir
na revolução ardente do sol
embora a poesia
continue a nascer, o poeta
cansado, pousou as palavras.

sábado, junho 30, 2007

Morte da Poeta da «Poesia Livre» em Árabe


NAZIK AL-MALAIKA

"Súplicas, salmos, ex-votos brindámos nessa hora
Pão, vinho e tâmaras da Babel embriagante
E de rosa o encanto
Logo aos teus olhos orando, oferenda imolámos
Da lágrima ardente em dilúvio as gotas juntámos –
Um rosário de pranto." – Cânticos à Dor, de Nazik Al-Malaika


Aos 84 anos, morreu Nazik Al-Malaika, uma das mais solitárias vozes poéticas iraquianas e do conjunto da literatura árabe. No Cairo, a 20 de Junho de 2007.
Desta poetisa, nascida em Bagdade em 1923, a poesia tomou o rumo dos caminhos da introspecção ontológica, levando o pessimismo poético quase ao limite de uma linguagem filosoficamente estóica, de suporte de uma dor intensa, mas também intensamente lírica.
Nazik era a poetisa da tragédia da vida. No entanto, quando publicou a sua primeira antologia há mais de 50 anos, ao utilizar o vocábulo "noite", tornou-o símbolo de poesia, imaginação, sonho, beleza das estrelas, do prodígio do luar sobre o bruxuleante Tigre.
Nazil Al-Malaika representou uma nova tendência como poeta, expressando-a, defendendo-a e auto-analisando-a firme e solitariamente, como pioneira, fosse na crítica literária, na arte poética ou mesmo na sua condição de Mulher, num mundo eminentemente masculino, de supremacia do género.
Por esta razão, podemos afirmar que a sua obra influenciou gerações de poetas. Outros poetas do Iraque, a maioria vivendo no exílio – diz-se que na década de 90 ficaram apenas cinco a residir no país – contudo escrevem uma poesia que caracterizou o estilo poético iraquiano, o qual é classificado desde o tradicional ao moderno, passando pelos limites do experimental, com temas que cobrem territórios comunicacionais como o amor, a guerra, as antigas sanções da ONU, o fascismo, a tortura, a prisão, o exílio, etc. E agora a orfandade da sua Poeta maior, Nazil Al-Malaika, que publicou a última obra em 1997 no Cairo, um conjunto de relatos em que fala do Sol abaixo do seu próprio apogeu. Uma premonição para o estado a que chegou a sua terra, outrora fértil e agora devastada.