Quem cruzou com o Álvaro de Campos numa rua da Baixa? A sua sombra, o seu alter-ego em depressão? Aquele homem mal vestido, andrajoso, «pedinte por profissão que se lhe vê na cara», quem era? Ou todo o referente inicial do poema, atribuído sem dúvida alguma a AC, mas sem data, não foi mais do que um pré-texto para o poeta se auto-analisar? «Já disse sou lúcido... Sou lúcido... Sou lúcido.»
Concebido como um libelo social, é um dos grandes poemas contra-cultura, avant la lettre de movimentos literários anti-sociais que vieram depois, como o Dada ou a Beat-Generation, para usar dois exemplos díspares, distantes cronológica e geograficamente.
Sem veleidades de instrumentalizar a literatura comparada, cito Neruda que em 1953 afirmou «não há material antipoético, se se trata das nossas realidades», é verdade que a propósito do seu Canto geral sobre a América, mas idêntica observação serve ao poema de Campos.
Ele trata de uma realidade, diria social. Ao contrário do Canto General do poeta chileno, salvaguardadas as devidas proporções, no poema de Campos não há plantas, nem flores, nem vulcões nem rios. Há outra crónica, a da ironia sobre a sociedade que faz nascer os seus próprios pobres para depois exercer os mecanismos sentimentais e organizacionais da caridade.
De uma certa maneira, Álvaro de Campos, sobranceiro à vida, no entanto dir-se-ia que saiu de casa para, fortuitamente, se cruzar carnalmente, fisicamente com a sociedade. Também foi um cronista deste momento social sobre aquele homem mal vestido, a quem o poeta num gesto magnânimo, gesto largo e transbordante, deu tudo quanto tinha, no bolso em que tinha pouco. Queria o heterónimo Campos, esse «infeliz amigo» de Pessoa, falar realisticamente dos pobres, dos nossos pobres? E dos limites da caridade, e da filantropia de «repetição do tipo», isto é, daquela filantropia social do chamado jet set que exibe tiques de caridade para com os pobrezinhos, por reacção?
Concebido como um libelo social, é um dos grandes poemas contra-cultura, avant la lettre de movimentos literários anti-sociais que vieram depois, como o Dada ou a Beat-Generation, para usar dois exemplos díspares, distantes cronológica e geograficamente.
Sem veleidades de instrumentalizar a literatura comparada, cito Neruda que em 1953 afirmou «não há material antipoético, se se trata das nossas realidades», é verdade que a propósito do seu Canto geral sobre a América, mas idêntica observação serve ao poema de Campos.
Ele trata de uma realidade, diria social. Ao contrário do Canto General do poeta chileno, salvaguardadas as devidas proporções, no poema de Campos não há plantas, nem flores, nem vulcões nem rios. Há outra crónica, a da ironia sobre a sociedade que faz nascer os seus próprios pobres para depois exercer os mecanismos sentimentais e organizacionais da caridade.
De uma certa maneira, Álvaro de Campos, sobranceiro à vida, no entanto dir-se-ia que saiu de casa para, fortuitamente, se cruzar carnalmente, fisicamente com a sociedade. Também foi um cronista deste momento social sobre aquele homem mal vestido, a quem o poeta num gesto magnânimo, gesto largo e transbordante, deu tudo quanto tinha, no bolso em que tinha pouco. Queria o heterónimo Campos, esse «infeliz amigo» de Pessoa, falar realisticamente dos pobres, dos nossos pobres? E dos limites da caridade, e da filantropia de «repetição do tipo», isto é, daquela filantropia social do chamado jet set que exibe tiques de caridade para com os pobrezinhos, por reacção?
Perante um poema que marca limites à literatura ( russa ), à sociedade e, até, à auto-análise psicológica, não sei responder-me.
2 comentários:
Gostei muito. Fiquei atenta a:
"De uma certa maneira, Álvaro de Campos, sobranceiro à vida, no entanto dir-se-ia que saiu de casa para, fortuitamente, se cruzar carnalmente, fisicamente com a sociedade."
Excelente.
Beijinhos.
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