sábado, fevereiro 25, 2006

Frida Kahlo

A Coluna Quebrada

Vêem-se
mas não se sabe
onde estão

ao fundo
os dois olhos
no retrato

sobrevoam
-nos
sobrancelhas

ela tem um corpo
pregado
à vida inteira

aberto
entre os
dois seios.

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Basil Bunting (1900-1985)

O poeta em Rapallo, Italia, na casa de Ezra Pound, em 1930


On the Fly-Leaf of Pound's Cantos

There are the Alps. What is there to say about them?
They don't make sense. Fatal glaciers, crags cranks climb,
jumbled boulder and weed, pasture and boulder, scree,
et l'on entend, maybe, le refrain joyeux et leger.
Who knows what the ice will have scraped on the rock it is smoothing?

There they are, you will have to go a long way round
if you want to avoid them.
It takes some getting used to. There are the Alps,
fools! sit down and wait for them to crumble!

(Basil Bunting)

Folha em branco no início dos Cantos de Ezra Pound

Lá estão os Alpes. O que dizer sobre eles?
Não fazem sentido. Gelos mortais, penhascos em risco,
calhaus e ervas daninhas, pasto e calhaus, cascalho,
e alguém que entende, talvez, o refrão alegre e ligeiro.
Quem sabe o que o gelo terá raspado na rocha que amacia?

Lá estão eles, vão pelo caminho mais longo
se quiserem evitá-los.
É preciso habituarem-se. Lá estão os Alpes,
imbecis! sentem-se e esperem que eles se desfaçam.

(Tradução: J.T.Parreira)

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

O Tempo que passou

Na estação de comboios

O comboio imóvel
continua
na estação

os olhos imóveis
descansam
os comboios

na estação
esperam,
com a

respiração
do vapor
suspensa.

sábado, fevereiro 18, 2006

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Poesia com destinatário

o Circo, de Marc Chagall


O Neto Dormindo

Para o Vasco

O que o sonho
não revela
no rosto

do menino,
o rosto
da almofada -

forte,

a exaltação
do peito
dorme.



segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Por que escrevo hoje?

O poeta William Carlos Williams em 1950

Apology

Why do I write today?

The beauty of
the terrible faces
of our nonentities
stirs me to it:

colored women
day workers-
old and experienced-
returning home at dusk
in cast off clothing
faces like
old Florentine oak.

Also

the set pieces
of your faces stir me-
leading citizens-
but not
in the some way.

(William Carlos Williams)

Justificação

Por que escrevo hoje?

A beleza dos
rostos terríveis
da nossa gente anónima
move-me para isso:

pretas
mulheres a dias -
idosas e experientes -
que a noitinha devolve a casa
na sua roupa gasta
rostos como
velho carvalho de Florença.

Também

as harmónicas peças
das vossas faces me estimulam -
notáveis cidadãos -
mas não
do mesmo modo.

(Tradução: J.T.Parreira)

domingo, fevereiro 12, 2006

A Carta


Uma carta
chega aos teus
dedos,
intacta

Virna Teixeira









Os dedos
passam
pela última dobra-

reforçar
o sigilo
a última vez

-e desaparece
a carta
na ranhura,

espera
em outra
dimensão

a primeira-
é a última-
viagem.

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Poema

Fernando Pessoa, na infância


Album de Fotografias

Contemplam-me do
meu album -
rostos,

sentado
diante deles
posso

estar no
silêncio, ver
de perto

o passado.


terça-feira, fevereiro 07, 2006

Robert Lowell

Middle Age

Now the midwinter grind
is on me, New York
drills through my nerves,
as I walk
the chewed-up streets.

At forty-five,
what next, what next?
At every corner,
I meet my Father,
my age, still alive.

Father, forgive me
my injuries,
as I forgive
those I
have injured!

You never climbed
Mount Sion, yet left
dinosaur
death-steps on the crust,
where I must walk.


Meia-Idade

Agora o pleno inverno enruga
a minha pele, Nova Iorque
perfura os meus nervos,
quando percorro
as ruas desgastadas.

Aos quarenta e cinco,
que virá a seguir? e depois?
Em cada esquina,
encontro o meu Pai,
com vida e a minha idade.

Pai, perdoa
minhas feridas,
como eu perdoo
aqueles que
feri.

Tu nunca escalaste
o Monte Sião, mas deixaste
velhas
pegadas de morte sobre a crosta,
onde tenho de andar.

(Tradução: J.T.Parreira)

domingo, fevereiro 05, 2006

Desconversável

A partir da peça «Paisagem», de Harold Pinter

Gostava de estar ao pé do mar.
É ali, diz ela-
O cão foi-se.Não te disse, disse ele-
Areia nos braços dele, disse ela-
Voavam por ali, numa agitação, disse ele-
Na cozinha
da casa de campo, sentados
ambos, afastam-se
o mais possível
até ao fim
da tarde, as
frases.


sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Paula Rego's Paintings

A Família, Paula Rego


Paula Rego's Paintings

language struggling
intonations, rage
laughter
words behind the
silence, behind the
iris
sorrow, resentment, words
we do not use
abandonment, fear-
she exposes
faces
colours, scenes.

(Virna Teixeira)

Pinturas de Paula Rego

linguagem em luta
entoações, raiva
risos
palavras ocultas pelo
silêncio, por detrás da
iris
dor, ressentimentos, signos
que não usamos
abandono e medo -
ela expõe
caretas
coloridas cenas

(Tradução: J.T.Parreira)

Bom fim de semana!

Tempo para todo o propósito...

Pastoreio

Fui pastor de destinos/soltos nas ventanias.//Fui pastor de sonhos,/de abismos e insônias.//Hoje pastoreio as horas,/colho o mel das palavras.//Pastoreio metáforas/na inocência do branco.// Pastoreio murmúrios/diluídos nos ermos.// Pastoreio estribilhos/na memória e nas veias.// Ovelhas não navegam/as águas dos meus olhos.//Ovelhas não ruminam/o itinerário de meu verbo.//Ovelhas não burilam/a sofreguidão de meu rosto.//Hoje sem dardos e cajado/pastoreio a mim mesmo...

(Joanyr de Oliveira)