segunda-feira, julho 30, 2007

domingo, julho 29, 2007

O Sorriso de Gioconda

O sorriso de Gioconda ornamenta
o museu, ninguém o moldará
de novo, o sorriso burocrático
de Gioconda é a porta
atrás da qual não há nada
alma? paisagens? o silêncio
um umbigo da alma
a sorrir para dentro.



terça-feira, julho 24, 2007

O Galo e Marc Chagall




O GALO

Un gallo
cantò; altri risposero qua e lá.
Umberto Saba


Um galo
cantou e outro respondeu
que está lá
no seu posto móvel
no vento
qualquer coisa negra
começa a desfazer-se
em claridade, a noite
repassa as outras latitudes
qualquer coisa começa
a restaurar-se nas janelas
as casas respondem
outros animais
retomam nos quintais
a domesticada vida
numa repetição sem tédio
nem deleite, um galo
avançou com a rotina
em todo o seu canto
que procede
do silêncio.

sexta-feira, julho 20, 2007

A Demolição


Gabriel Orozco, México, Instalação


Ruiu a casa velha para o fundo
para dentro de si própria
ontem era ainda
um retrato de azulejos
do passado, caiu
abaixo do silêncio
contra o qual a fachada
ao longo destes anos resistiu.
Silenciou as cortinas pobres
das vidraças, que mal se sustinham
já de pé. A sua sombra
jamais espalhará
toda a casa na calçada.

quarta-feira, julho 11, 2007

Gostaria de dizer

Gostaria de dizer
que nasci numa cidade pequena
na casa do largo principal

num universo
com paredes
ancestrais

Gostaria de dizer
que nasci numa casa de província
com o cheiro do fogo

a sair com o frio pelas janelas
mas não
e numa cidadezinha com um rio

como um espelho em frente
de cada porta, plano
e macio?

terça-feira, julho 10, 2007

SÍSIFO



Ilustração de Julio Saens


Antes que a montanha volte
a inclinar-se, se torne móvel
pelo rolar da rocha e o chão
repita a sua distância
do azul

Antes que teu rosto junto
à rocha, tão perto do magma
apagado do interior do nada,
olhe o píncaro
ao fundo do céu,
antes que esse céu imobilize
o voo dos pássaros

e encostes da pele
a intimidade
ao coração da pedra
sabe que há olhares enternecidos
que estão ainda à tua espera
e da estrela inacessível.

18-3-2007

quinta-feira, julho 05, 2007

Rua suja

A rua deixa adormecer o canto
dos seus heróis, aqui os sonhos
não se dão nos quartos, nem as rosas
respiram as gotas de água
num boquet


De dia turistas aumentam o medo
do olho atrás da lente
tudo se foca nesta rua
sufoca-se no verão
entre roupa acenando nos varais

Depois
que os moradores saem
para as rotinas
das pequenas colinas
de frente para o rio.

segunda-feira, julho 02, 2007

A tarefa do poeta

« Le poète a fini sa tâche »
Paul Verlaine




O poeta acabou a sua tarefa.
A época não foi de rosas
nem de sonetos que batem
como o coração das amadas
nem de salmos que são a língua
instrumental dos anjos.

A tarefa do poeta não é o desenho
de uma harpa no vento
de uma rosa no papel
irrespirável.

O poeta acabou o seu tempo.
Cansaço dos sonhos que irrigam
o cérebro, com as alegrias
alguns desencontros? o poeta
acolhe o fim com as mãos lentas
da tranquilidade.

O poeta pousou as armas.
Embora o dia continue a subir
na revolução ardente do sol
embora a poesia
continue a nascer, o poeta
cansado, pousou as palavras.