segunda-feira, outubro 29, 2007

Steinway & Sons




Três pernas do Steinway
elevam uma sinfonia
de pássaros nas veias

acima do soalho
esbeltas
pernas do Steinway

como a mulher
escutada lentamente
no seu vestido negro.


28-10-2007

sexta-feira, outubro 26, 2007

Charles Bukowski




CHARLES BUKOWSKI

O fundo da garrafa
de cerveja aumenta
o colapso das coisas

Desaparecem os olhos
no interior as mãos dizem
adeus desde o fundo

da garrafa nós veremos um
duro branco
corpo

segunda-feira, outubro 22, 2007

O Dono da Tabacaria


Foto de Luís Pavão



O Dono da Tabacaria vem à porta
para espreitar o mundo, seus olhos
procuraram no chão a rota incerta
à porta
como uma prestidigitação
surge e oculta-se
nos olhos de Pessoa
o seu universo reconstrói-se
em algum ponto infinito
pela janela do quarto
correm automóveis, transeuntes
velhos experientes
isoladamente sós cachorros
que fará quando o dia se apagar
nos vestígios do mundo nas janelas?

21/10/2007

quarta-feira, outubro 17, 2007

Expressionismo, uma profecia da bárbarie do Séc.XX


Nosferatu

«Quando Gregor Samsa acordou uma manhã, depois de um sonho agitado, achou-se transformado num gigantesco insecto.» ( para começar com um parágrafo definitivo de Kafka), foi o início de um pesadelo que representa uma alegoria. O escritor checo usou-a na novela A Metamorfose (1912) para explicar o absurdo da humanidade tão cheia de lógica, a dar os seus primeiros passos no idealismo do super-homem para as filosofias existenciais, mas que vê-se repentinamente transformada em qualquer coisa de mal, nos acontecimentos mundiais que a história europeia conhece desse tempo.

Nas primeiras duas décadas do Século XX, a angústia, a inquietude e a morbidez apoderaram-se da humanidade. E foi o Expressionismo Alemão que revelou esse estado de espírito, «profetizando» o mal que se iria abater sobre a Europa em particular e o Mundo de um modo geral.

Nas artes plásticas, como reacção à fase derradeira do Impressionismo (chamaram-lhe pós-Impressionismo), ergue-se na Alemanha uma ponte (Die Brucke) que liga aquele às novas correntes estéticas, mas que ao atingir o outro lado dessa ponte - o Expressionismo- corta quaisquer veleidades de um regresso. O novo movimento seria a arte do instinto, substituiria a impressão do momento causada de fora pelo sentimento nascido no interior, expressando-se patética, trágica e sombriamente, com uma técnica violenta.

A tela mais impressionante que antecipava esse período, pela angústia que demonstra, é, sem dúvida, O Grito (1906) do norueguês Edvard Munch. A violência profética do que haveria de ser o grito lancinante da Europa dos guetos e dos campos de concentração e extermínio nazis, dos bombardeamentos em massa, e - não o esqueçamos- dos Gulag estalinistas. Sobretudo, impossível de englobar em um só grito e de olvidar pela História, o trágico Holocausto, que aplicou a dizimação de milhões de judeus da Europa e explorou antes sua mão-de-obra escrava.

Mas, de um ponto de vista profético, o Expressionismo influenciou muito mais a poesia. Como sinal dessa identificação, havia sobretudo a crueza do verso, do verso militante que não procurava sustentar-se no lirismo, mas no descarnamento da realidade, uma poesia até ao osso.

Como nas obras de arte, o aspecto da deformação da realidade e a angústia existêncial do homem moderno estão patentes na poesia expressionista.

Poetas como Gottfried Benn, August Stramm, Georg Trakl, e uma poetisa Else Lasker-Schuler, para só citar os mais conhecidos, descreveram o caos de uma forma nua e crua, as palavras carregaram-se de angústia e no lugar das emoções expressaram as tensões e os tumultos da alma humana. Foram, de certa maneira, como alguém lhes chamou, «os poetas do grotesco».

Mas um dos poemas ardentemente radicais e proféticos, extravassando o desespero perante os indícios da realidade, que viria a chamar-se barbárie, veio de um poeta não tão notável quanto aqueles; Albert Ehrenstein -« Conservadas pelo frio, amontoam-se à volta do charco,\ Do lago do mundo dos mortos, \ As torres de cadáveres.». Nestes versos, o campo semântico remete para a guerra e prepara com a metáfora da mitografia da Barca de Caronte (o barco que transporta os mortos), o ambiente da catástrofe que seria a II Guerra Mundial e todo o horror dos campos de extermínio nazi. Este mesmo poeta descreveria, porventura sem nenhuma ligação ao quadro de Munch, o grito do Homem em versos como «Nós, os amordaçados, estamos envolvidos \ Por demónios, e brutalmente oprimidos», dum poema intitulado «Grito humano».

Todavia os grandes poetas desse movimento chamado Expressionismo, fariam associações mais grotescas da realidade com a metáfora, abrindo o tom lírico do verso à sensação selvagem, para que o verso sangrasse e provocasse até à dor.

Um excerto de um poema premonitório, «Berlim», pobre de metáforas, mas tão irónico como só Gottfried Been poderia escrever, é exemplar: «Quando arcos, pontes, erguidos,\ forem da estepe engolidos \ e o burgo areia escura \ e as casas desabitadas \ e as hordas e as armadas \ pisem nossa sepultura... \ hão-de as ruinas falar \ da grandeza do Ocidente ».

O futuro iria reservar à Europa uma reacção nova sobre a morte, a banalização da mesma. E assim o mesmo poeta, com uma morbidez irónica, anteciparia o que as SS e a Gestapo fariam perante a morte dos outros, ironizariam e comparariam seres humanos com piolhos. Um breve excerto do poema «Bela Infância» bastará: « A boca de uma rapariga que passara muito tempo no canavial estava tão roída.\ Quando lhe abriram o peito, o esófago estava todo esburacado \ Finalmente...\ encontrou-se um ninho de ratinhos. \ (...) \ Mas depressa tiveram também uma bela morte: \ Deitaram-nos todos à água. \ Ah, como os pequenos focinhos chiavam.»

O chamado «apocalipse alegre » da Europa de Strauss e Wagner, de Goethe e Heidegger, da primeira década, e da segunda e depois da terceira, foi vaticinado por outros poetas, como Georg Trakl, que não assistiu à «revelação» dos seus poemas sobre o desvario niilista do mundo, a hecatombe e a morte ( cometeria suicídio em 1914). «Vi-me num sonho de estrelas caindo,\ De preces chorosas num olhar ferido, \ De um sorriso que vinha ecoando - \ Mas não sabia entender-lhe o sentido. » Ou «Vi cidades pelo fogo consumidas \ E o cortejo de horrores pelo tempo fora, \ E muitos povos a pó ser reduzidos, \ Perder-se tudo nos fundos da memória » (do poema «Três sonhos»).

Tremendo entre estrelas e violinos, a nossa Europa das primeiras quatros décadas, foi-se afundando numa noite escura, que só o Julgamento de Nuremberga procurou, apenas com êxito judiciário, explicar.

sexta-feira, outubro 12, 2007

Como é teu nome

Ó mulher incompleta, amiga
Gioconda, teu sorriso estrangeiro
riscado nos lábios
nos desloca para o centro
do teu universo

Tuas mãos cruzadas
fora de ti, iluminam
a noite

Ó rosto pálido da aurora
onde os teus olhos já estão longe
de repente e o silêncio
como é teu nome esconde
e não diz nada.



11/10/2007

quinta-feira, outubro 11, 2007

The Announcement of the 2007 Nobel Prize in Literature



DORIS LESSING(1919)

Aristóteles definiu a Poesia(contra a História) como a narrativa do que poderia acontecer. A Academia Sueca do Nobel privilegiou(?!), este ano, uma espécie de poética do Espaço, a ficção científica. Mas também coisas aqui debaixo:tensões inter-raciais, a violência contra as crianças, os movimentos feministas...

quarta-feira, outubro 10, 2007

Senhor Lázaro

Dying / Is an art, like everything else.
Sylvia Plath



Está sentado na porta ancestral
De onde seus olhos
Comem os sonhos de pobre

Não podem saltar
No mundo
As suas pernas

Os seus olhos
Cansados
Lêem o Livro de Job.

segunda-feira, outubro 08, 2007

Um cigarro

No smoke without you, my fire.
Edwin Morgan


Não fumarei contigo
o meu pulmão.

Nem deixarei que parta
dos meus lábios
para a fadiga
interior, a morte.

Não há fogo sem ti,
obscura cinza.

Não fumarei contigo
o meu fogo,
que se esvairá
em fumo.

Não somarei as cinzas
ao meu corpo.

6/10/2007

quinta-feira, outubro 04, 2007

Jackson Pollock no soalho



Assim que o pintor se instalar
no branco de sua tela
o linóleo no soalho
para algum sonho
como um poeta na página
estéril e branca, com seus olhos
de profundidade
pisa somente no deserto.

quarta-feira, outubro 03, 2007

Museo del Prado



Os nossos olhos dão o alarme
seria útil ter no bolso
a quarta dimensão

para ouvir tudo o que dizem
através dos séculos
as estátuas e os quadros

as Meninas fechadas
por Velázquez, em vão
esperamos a forquilha

do vento
na carroça de feno
de Hieronymus

alheios a nós próprios
isso passa
reflectido nos espelhos

e enterramo-nos
no Museu até à sonolência
que desce às nossas pernas.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Escrita fonética? Alfabeto fonético?



Caldo brasileiro segundo Oswald

Entre indiferente e devoto
devoras a fala Mantiqueira
em pratos franceses.

Le pied de la lettre:

Sissou brrasileiro nulô
Como feijom tropeirrô:
Sissou preto como prreto
Sissou branco como brranco
Sissou branco como prreto.

E o porquinho, coitado,
Espedaça-se no caldo...

(André Merez)