sexta-feira, julho 18, 2014

MADRID, 1936



Com um fuzil apagado nas mãos
morrer em Madrid, as casas sólidas
a caírem do pó,  os pássaros
caídos das janelas, para morrerem
em Madrid, os filhos
presos aos cabelos das mães
Morrer em Madrid
com um cravo roto nos olhos.

18-07-2014

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quarta-feira, julho 16, 2014

DEVASTAÇÃO, Inédito de Rui Miguel Duarte



"And the dead tree gives no shelter, the cricket no relief"
“E a árvore morte não dá abrigo, nem alívio vem do grilo”
T. S. Eliot, de "Waste Land", secção I v. 23


as árvores escondem o que há de cinza
avessas ao vulgo, ao desenfado profano
só lhes dava o sol, de manhã,
e têm frio
(quanto mais lhes dá mais frio têm)

não procures indagar para onde
te eleva o voo da locusta
para onde a mancha dos grilos
que do céu galopa sobre a terra
eles não adivinharão  nada do mistério
do dia e da noite,
ou o marulhar potente do exército de pedras

só um vento vermelho
que te descascam as folhas até à solidão
até ao vazio das palavras

o que vês do alto da tua copa
é o oceano seco que tuas raízes jorram
roídas

ainda que o fruto minta, mente
o rio do olvido vem reclamar
os fardos das árvores: que dispam
os seus troncos
assim entoarás louvores à nuvem que
passa

Rui Miguel Duarte
15/07/14


quinta-feira, julho 10, 2014

FERIA DE SAN FERMÍN




É terrível a sombra de toiros negros
a rolar pelas paredes um rumor como o chão em pânico  
é terrível
como se tremessem as janelas das casas hirtas
e o medo nas vozes tremesse é terrível
 a tarde incendiada por laços vermelhos
no pescoço ao vento que os toiros negros deixam
ao passar é terrível cada corpo a cingir-se contra as paredes
é terrível as costelas a baterem umas nas outras
castanholas partidas é terrível
com a respiração do toiro sobre o corpo.

10-07-2014
©


terça-feira, julho 08, 2014

Inédito de José Brissos-Lino




Sento-me num livro

Sento-me num livro e espero as contingências 
do sol da manhã
percorro-lhe a alma vagarosamente
com a gentileza de um piscar de olhos 
ao virar da página
e depois custo a despegar os olhos
e o sentido 
da corrente de vida
até que desague 
na última capa.

7/7/14 
© José Brissos-Lino

quarta-feira, julho 02, 2014

BLUES PARA UM FUNERAL








                                          
Wystan Hugh Auden ( W.H.Auden, Inglaterra, 1907-1973)

Parem os relógios, cortem o telefone,
atirem ao cão um osso sumarento,
um lençol de silêncio sobre o piano e os tambores
precedam o caixão, com carpideiras.


Que os aviões, gemendo por cima do cortejo
rabisquem no céu a mensagem Ele Está Morto.
Ponham laços negros no pescoço das pombas
e os polícias respeitem o dia com luvas brancas


Ele era o meu norte e o sul, meu leste e o oeste,
minha semana de trabalho e meu domingo,
era o meu dia e a noite, a minha voz e o meu cântico;
eu pensei que o amor era eterno: E enganei-me.


não procurem mais as estrelas, apaguem-nas,
empacotar a lua e desmantelar o sol é o que resta,
despejem os oceanos e derrubem as florestas;
pois nada mais será bom como foi antes.

01-07-2014
                                                                                
© Versão livre minha