sexta-feira, outubro 31, 2008

"É a hora !"



De aqui de Portugal, todas as épocas no meu cérebro,
Saúdo-te, Walt, saúdo-te, meu irmão em Universo.

(Álvaro de Campos)

quinta-feira, outubro 30, 2008

Pescador


Pela sua própria mão
desenha
uma ponte entre o braço
e o mar

lança a linha com reflexos
de prata
longilínea no ar

não sabe ao que vai
o anzol

desconhece o que virá
das águas

presa a um fio de sol
a mais viva prata
ou nada.

-10-2008

domingo, outubro 26, 2008

Gasolina, inéditos sobre Hopper (7)


CHOP SUEY

(O doppelgänger de Hopper)

Outras mesas
rodeadas de pernas,

conversas
e um olhar
à procura
de uma palavra
que alimente;

nesta duas mulheres
espelham
uma na outra,
duplicam-se

nos seus lábios
os batons.

sábado, outubro 25, 2008

Desdobramentos (1)



Fernando Pessoa não só se desdobrou, diria intratextualizou em poetas, com os heterónimos, como se desdobrou também tanto quanto se sabe em leituras várias. Numa designada lista bibliográfica -livros citados ou detidos pelo Poeta- ficamos a saber desse pormenor. António Pina Coelho que estuda e divulga os livros lidos pelo Poeta em «Os Fundamentos Filosóficos de Obra de Fernando Pessoa », introduz-nos nesse universo.
Sabe-se, portanto, que terá lido Platão e Aristóteles, Kant e Nietzche.
Ainda que seguindo um impulso de subjectividade quanto a alguns poemas do Pessoa ortónimo e heterónimo, o conteúdo e a própria forma de alguns deles levam-nos a pensar em outros textos de outros poetas. O pensamento lírico, sobretudo, com que os textos se relacionam.
Existe de facto uma intertextualidade em Pessoa. Referências (subjectivas), alusões, paráfrases, epígrafes são algumas das formas de intertextualidade, que cruzam os textos de muitos autores. É um diálogo, por vezes não procurado, outras será o resultado da natureza universal da poesia, enunciado há quase três séculos por Shelley, no seu clássico Defesa da Poesia: «O grande poema que todos os poetas (...) têm vindo construir desde o começo do mundo».
Fragmentos ou bocados isolados - no dizer de Shelley- criam vasos comunicantes culturais, produzem um sentido dialógico segundo o qual estamos a ler um autor-outro dentro do autor escolhido. Este recurso vale-se de poder ser, na literatura e não só, consciente ou inconsciente.
Julia Kristeva, que divulga os estudos de Bakhtin, tem um clássico conceito de intertextualidade, que é «todo o texto se constrói como mosaico de citações, todo o texto é absorção e transformação de outro texto.» (Kristeva, 1974, pág.64).

Pessoa e Sartre

Náusea. Vontade de nada.
Existir por não morrer.

Poesias Inéditas, 1930-1935, Ática, 1978

Aqui em sentido estricto, a palavra de Pessoa, escrita em 1933, remete para o pensamento existencialista de Sartre, contido numa palavra: Náusea. Contudo, FP não foi um existencialista, embora tivesse penetrado fundo nos mistérios do existir, sentisse nesse clima do mistério do ser, o transcendentalismo tanto quanto o cepticismo e o niilismo. A vontade de Nada.
Na lista de documentos inéditos que deixou, que inclui livros e leituras, até onde sabemos não constam os nomes de Kierkegaard e Heidegger; o que não quer dizer que os não tenha lido, pelo menos, o primeiro. Mas leu Nietzsche, terá andado perto de Husserl? Todavia, naturalmente, não pôde ler Sartre.
O sentimento do Nada em Pessoa, sobretudo no Ricardo Reis, vem da ideia da morte: «Tudo que cessa é morte» (pág. 114)
Em Jean-Paul Sartre vem de existir. E aqui está o diálogo entre ambos os textos:

«A Náusea não está dentro de mim: sinto-a além, na parede, nos suspensórios, em toda a parte à minha volta. Constitui um todo com o café; sou eu que estou dentro dela.» ( pág.41).

Mais adiante Roquentin afirma que a Náusea não o abandonou, e não crê que o abandone tão cedo. «A Náusea sou eu» - assevera. (pág. 216)

Basta, se é que basta hoje com tanta «literatura light», isotérica e de auto-ajuda por esse país fora, basta ler - dizia- o romance A Náusea escrito em 1938.
Só por este aspecto «existencial» e cronológico da existência, Fernando Pessoa não o leu.

quinta-feira, outubro 23, 2008

Poemas ditos por Luis Gaspar

A Mão Direita do Poeta
A Tarefa do Poeta

Os dois jogadores



A luz anda devagar, em um café de aldeia.
Então dois jogadores inventam lances,
os braços são os êmbolos da noite.

É o silêncio como o ar
em movimento, às vezes os dois
jogadores baixam os gestos,

refazem os gestos, seus olhos nadam,
de fora vê-se o vidro
das suas mãos discretas.

Vão de uma hora a outra hora,
na rua as névoas descem
sobre as luzes,

a luz ondula dentro como um líquido.

Os dois jogadores entram
na sua própria sombra,
sentados à mesa que importa a morte?

Que importa o mundo contínuo
como a passagem da vida?

Se os dois jogadores fitando
o seu jogo conduzem a sorte.

14-10-2008

quarta-feira, outubro 22, 2008

Os Sapatos de Auschwitz



Os sapatos de Auschwitz
J.T. Parreira
ES 7,49 € / RP 9,10 €
69 páginas
Poesía
135 grs.
ISBN 978-84-92410-34-7
Edição de Fernando Luis Pérez Poza
El Taller del Poeta
Pontevedra

terça-feira, outubro 21, 2008

El Taller del Poeta. Pontevedra. Ver Aqui.

A Editora do poeta galego Fernando Luis Pérez Poza, de Pontevedra, editou o nosso último livro OS SAPATOS DE AUSCHWITZ , um conjunto de 61 poemas, que traduz a cosmovisão poética do autor.
Lançado hoje ao público através do site El Taller del Poeta.

Detalhes amanhã aqui.

A poética da semelhança, de Pablo e Paul




Guernica, de Picasso e A Alegoria da Deflagração da Guerra, de Rubens

sábado, outubro 18, 2008

Telas de Hopper na Cronópios

Telas de Hopper

O poeta e jornalista português João Tomaz Parreira envia-nos poemas concebidos para Edward Hopper.

Confira!

quinta-feira, outubro 16, 2008

Sylvia Pl(de)ath



Quando meteu a cabeça no forno de gaz
como um leão caindo sobre a presa
todos os poemas estavam prontos
dirigidos
para a morte sobre a mesa
Ela fê-lo de novo, e de novo
toda a manhã escureceu
a sua pele brilhante e o cabelo
como um sol loiro.

(Texto reescrito, em 15/10/2008)

Salmo, Op.137

Nenhum ramo dos salgueiros
está vazio, nenhum acena
suas folhas, o que toca o vento
são as harpas penduradas

Mas nos salgueiros não acontece
nada, ninguém sabe o que fazer
ao silêncio que espera
sob as cordas

Ninguém sabe o que fazer
da rosa que está ao meio do peito
de todos que olhamos os salgueiros

Sim ninguém pode trazer o coração
à luz do dia, à luz que sobe
de entre as margens destes rios.

terça-feira, outubro 14, 2008

Le Clézio: o ruído da água




Descobriu um. Conhecia dois títulos, por visitar com assiduidade livrarias e alfarrabistas. O nome do escritor também. Mas não era o seu autor francês, tinha outros desde muito novo, este não. Pronto. Mas acabou por ir à procura dele, tinha por norma ler sempre o Nobel.
Na Antiqualha, em Aveiro, estava um, na literatura francesa. J.M.G Le Clézio, Estrela Errante, e seus olhos iluminaram-se.

"Sabia que o Inverno tinha acabado quando ouvia o ruído da água". A frase inicial do romance abria todos os caminhos à Poesia, mesmo que depois o terrível começasse a desenhar-se naquele Verão de 1943. Como sabia, por experiência própria Rilke: o Belo não é senão o começo do terrível.

sábado, outubro 11, 2008

Concerto para violino e orquestra, Op. 35, na vitrola



O violino erra
cegamente pela sala
esgueira-se por baixo da porta
Toda a casa
começa a encher-se
de um dilúvio
dentro dos olhos.

2/10/2008

sexta-feira, outubro 10, 2008

Os Anestesistas

A vida retêm
e dão de novo:
não esperam,
nunca esperaram
pelo juízo final.

(António Osório)

quinta-feira, outubro 09, 2008

The 2008 Nobel Prize in Literature

NEWS
The 2008 Nobel Prize in Literature
The Nobel Prize in Literature goes to Jean-Marie Gustave Le Clézio, "author of new departures, poetic adventure and sensual ecstasy, explorer of a humanity beyond and below the reigning civilization".
in Nobelprize.Org

Entretanto, na sondagem interactiva que está a realizar(e continua), o site da Academia exibe que 87% dos inquiridos num universo de 7209 respostas, nunca leram nenhuma obra de Le Clézio. Só 13% dizem tê-lo lido.
Terá vencido assim a opinião do secretário permanente da Academia Sueca Horace Engdahl, que em declarações recentes chamava de "insular" a literatura dos EUA e denunciava seu papel "marginal" nas letras universais.
É conhecido que Engdahl é especialista em literatura francesa e tradutor para o sueco de escritores como Maurice Blanchot e Jacques Derrida.

terça-feira, outubro 07, 2008

O pássaro da Rua 52


Os fantasmas do Bebop
da Rua 52
marcam compassos na neve.
Um taxi passava, amarelando a noite,
um bêbado volátil
num passo de ganso, quase
dava um pontapé nas estrelas.
Esgueirava-se por baixo da porta
do Three Deuces um blues.
A rua era um espelho frio
quando chovia, agora lembra
um manto de arminho
ao colo de Lady Day.

2/10/2008

segunda-feira, outubro 06, 2008

O último da trilogia: Pathos


III - PATHOS

“Todos nós somos mais ou menos selvagens.”
(George Bernard Shaw)



A paixão cavalga à solta
nas veias da existência

senão a vida desértica
atava uma pedra ao pescoço
todos os dias
punha uma névoa nos olhos
um sabor amargo na boca
um coração
entre sombras

mesmo quando o rio selvagem
do excesso
nos galga as margens
mais vale morrer de paixão
que de mesmice.


Palmela, Setembro de 2008

(Brissos Lino)

domingo, outubro 05, 2008

Homeless

meu ninho. o teci-
do d'avenida Epitácio. fi-
o de pára-choques.
paralele-
pí-
pedos. pedaços de
papel e placas.

(Daniel Sampaio de Azevedo, 1983-)

in Antologia de Poesia Brasileira do Início do Terceiro Milénio

sábado, outubro 04, 2008

Uma menina cega na paragem do autocarro

Dentro da pedra de obsidiana preta
tudo se ilumina

O autocarro – dizem as vozes simples-
vem
do fundo da avenida

As vozes dentro de cristais
chegam à menina ternamente
com medo de partir
a sua noite de pedra.

3/10/2008

quinta-feira, outubro 02, 2008

Obituary

Blockquote Literary Kicks Opinions, Observations and Research :
Obituary by JTParreira

(Obituário

Fernando Pessoa morreu
no Bairro Alto, colocou os óculos sobre a mesa
para sempre, três dias antes
ainda era visto a dobrar uma esquina
da Baixa de Lisboa
gargalhadas soltas, uma tosse
a curvar o corpo para a frente.

2008)

quarta-feira, outubro 01, 2008

Uma Ria a que chamaram Aveiro

Esa agua de alma única,
Por la que te conocem por Carlos

Dâmaso Alonso



Como o espanhol também tenho o meu Carlos
a minha ria que chamaram Aveiro
os seus reflexos vêm de repente
de uma esquina verde
dos esteiros

Como o rio em Boston a que chamam Carlos
que passa
entre os edifícios de Harvard
a minha ria tem a sua linguagem
acompanha a sabedoria
de pés descalços e de gaivotas
que riscam reflexos no ar

Sentado na margem desta ria
a que chamaram Aveiro, meus olhos
não perguntam nada
meus pensamentos, esses, correm
dentro no leito da memória.

9/2008