quarta-feira, janeiro 25, 2012

Kaddish profano para Paul Celan



Às vezes um rosto, todas as manhãs
do fundo do espelho
vem despedir-se de mim
por vezes cego, começa a abrir-se
ao acender da luz
que vem do tecto e enche o espelho
Também aparecem os meus ombros
e estremecem
sacodem os fios da noite
Algo me acusa de estar vivo
aos cinquenta anos
judeu sobrevivente
aos nomes dos meus pais.

25/1/2012

quarta-feira, janeiro 18, 2012

Exercício sobre cores


Inéditos do poeta residente Brissos Lino


2

Verde

Confunde-me a tua diversidade tonal
a riqueza com que te vestes
mas o mar, sempre o mar oceano
a reinventar aquele verde imenso
imperador

se eu me chamasse Esperança seria
uma esmeralda
como tu.

14/1/12

3

Vemelho

De fogo nascida
paixão devastadora
fogueira lavrada em terra seca
dormindo no olvido
lábios que insinuam uma maçã
suculenta e breve
entre romã e rubi
fico com os olhos incendiados
de ti.


15/1/12




terça-feira, janeiro 17, 2012

Mensagem encontrada na praia


Chegou na última onda
metade corpo
de vidro metade papel
como um perfume brando
de alfazema, como um licor
de leões na sua força
vencendo os limos
e todos os navios.
14/1/2012

segunda-feira, janeiro 16, 2012

Exercício sobre cores



Inéditos do poeta residente Brissos Lino


1.

Azul

Sei que me fazes doer o olhar

sempre que pintas um céu limpo

de Verão

imaculado

que me fazes deslumbrado quando assomas

nas janelas da alma

de uma mulher

que me fascinas

quando o teu nome é

safira


ah, se eu pudesse voar nesse céu

habitar esses olhos

seria como pedra preciosa. Atrairia

a fortuna.

13/1/12








domingo, janeiro 15, 2012

Cais da Rocha

          

Eu tive um rio na infância
o rio vinha aos cais de Lisboa
buscar lembranças

Por vezes à tardinha
olhava até ao fim
da altura de uma proa presa ao cais

e o meu coração subia
até à festa das gaivotas
e do marinheiro desenhado contra o azul

o rio que tive na infância
sempre ali, macio, nas suas cores cintilantes
a sustentar os navios.

15/12/2011

sábado, janeiro 14, 2012

Vocabulário

Coisas que sairam das mãos de Deus, na Criação, e que começaram a ser sem as palavras ainda: Flor, Estrela, Rio. A Criação antes da Nomeação. Só o Homem, já tinha palavra antes do Criador o moldar com Suas mãos.

quinta-feira, janeiro 12, 2012

Cantares de Salomão com uma gravura

(inédito)

O despertar do dia
na respiração de ambos, o odor
orvalhado do amor
Veio voando sobre as pernas o gamo
saltou sobre os outeiros
os seus olhos o alvo procuravam
o aroma da corça
para, na carícia familiar
do beijo, respirar.

12/1/2012

sábado, janeiro 07, 2012

Ezra Pound sentado em Veneza




“Um poeta está sentado na Holanda”
Herberto Helder


Embora pese a ondulação da água
do Canal Central, o poeta procura
no silêncio do bolso ruído de moedas
um papel
atravessado por palavras, um calor
para as suas velhas mãos? À sua volta
ignoram-no os olhares.  E.P.
está sentado com o rosto em pregas
em Veneza, gôndolas atravessam
as sombras dos palácios
e as casas se inclinam para o fundo
e estão fixas
no manejar das águas.

6/1/2012

quinta-feira, janeiro 05, 2012

Momento

“… enquanto as estrelas da manhã cantavam… ?”
Job 38:7



dormias por certo
e quando despertaste
já havia terra e árvores
as águas medidas na régua das marés
dormias a um canto do silêncio

despertaste
como um flor nova
num jardim já vetusto
ao céu erguendo as pétalas
e só
arranhando os pés
fulvos das estrelas

03/01/12
Poema inédito de Rui Miguel Duarte