quarta-feira, maio 28, 2008

a morte de Ghandi tem quase a minha vida


+30-1-1948

Três tiros
no peito da India
cantaram

e floriram
na brancura

da toga,
três botões
de sangue,

as rosas,

alastraram
num oblíquo
rumo, o calor
do lume.

Pelas ruas da Baixa lisboeta


Nesta altura em que parece inevitável que haja um leilão de manuscritos e outras pessoalidades do autor de «Tabacaria», é bom continuar a ter visões inéditas sobre Pessoa. Aqui um interessante poema de Brissos Lino.

segunda-feira, maio 26, 2008

Folies Bergère Mai 68







Os nossos seios estão em greve
nossas pernas
não voam mais até aos sonhos do homem
Mesmo a nossa alegria
da brancura dos dentes
está em greve

Não cobrem pelos nossos sorrisos
nossos lábios
não serão mais cosméticos

Até as plumas não voarão
na transparência dos corpos

E, quando as luzes fecharem a noite
nos espelhos, como no quadro de Manet,
o nosso corpo acenderá
a beleza da alma.

26-5-2008









domingo, maio 25, 2008

John Mbiti

Teólogo anglicano e eminente filósofo cristão e poeta africano, Kenya, 1931-



Arranha-Céus de Nova-Iorque

Os raios fracos e difusos do sol amarelo
Espiavam pelos confusos tecidos
Que os cobriam com cera transparente;
E quando os enrugados raios fechavam o dia,
As chaminés fumarentas de Nova Iorque tossiam
Olhando as suas torres inclinadas
E vomitavam lágrimas tristes de fumo negro.

(Trad. de Manuel de Seabra)

sexta-feira, maio 23, 2008

Encontro Poético Luso-Espanhol

Na sequência do intercâmbio cultural iniciado em 1993, o Grupo Poético de Aveiro vai realizar, nos próximos dias 30 e 31 de Maio, um Encontro Poético Luso-Espanhol.
Assim:
Dia 30 de Maio, pelas 21h30m, no Navio Stº André (junto ao Porto de Aveiro -Forte da Barra).
Dia 31de Maio, pelas 21h30m, na Feira do Livro de Aveiro.
Além de poetas da nossa Associação, estarão presentes representantes da Academia Castelhano-Leonesa da Poesia, Grupo Literário e Artístico Sarmiento de Valladolid, Revista poética hablada de Juan de Baños-Palência e, um editor e poeta de Pontevedra: Fernando Luis Poza.

Letras : Um naturalismo à maneira de Hemingway

A disposição dos dois assassinos no terreno é minimalista. Al e Max, ao entrarem no restaurante do Harry, nem sequer o fazem com a eficaz estratégia exigida às mentes preparadas para o mal. A encenação da sua entrada foi para dar nas vistas, na pacata e quente Summit, no Ilinóis.
Com «Os Assassinos», ou «Matadores» (1), no original «The Killers», Ernest Hemingway tem entre mãos os ingredientes para a violência dos subterrâneos urbanos, mas rejeita assim inscrever-se, avant la lettre, na escrita americana dos hard boiled ( Os Duros de Roer ), aos quais a sua sombra se estendeu por toda uma geração, atingindo até o romance dos chamados profissonais, a literatura negra dos incontornáveis Dashiell Hamett e Raymond Chandlers.
A simplicidade dos recursos estético-literários a que Hemingway recorreu, a vivacidade jornalística da sua linguagem (2), colocam essa short story, inicialmente publicada na revista Scribners, em 1927, no topo das obras-primas do conto moderno. Geralmente, o autor de «Por Quem os Sinos Dobram» prefere o discurso directo, com recurso a uma dialogia curta e simples, quase banalizada em função dos protagonistas, como é o caso paradigmático de «Os Assassinos».
Hemingway foi um escritor que viu as suas ficções; um dos seus vários prefaciadores, Philip Young, escreveria que «como sucede a muitos ficcionistas, a relação entre a obra de Hemingway e os acontecimentos da sua própria vida é imediata e complexa.»
O naturalismo à maneira de Hemingway, isto é, a narração do que ele conhecia, do que tinha observado, abre ao leitor a porta de uma «reportagem», iniciada num estilo jornalístico, de um clima de suspense, de mistério, que faz o transporte da ironia para a expectativa, do peso volátil da incerteza para a força do que se chamaria fate ou o destino.
A breve representação em um acto de índole satírica que existe nos discursos directos dos assassinos profissionais, contratados para matar um boxeur que acaba por quebrar a sua própria rotina não indo ao restaurante por volta das seis horas, sustenta-nos nesse clima de suspense, porquanto os actores principais são verdadeiros comediantes, com um estranho non-sense que raia o absurdo.
São inimitáveis as suas frases espirituosas que levaram alguns críticos literários académicos a classificar o conto como uma soberba peça de vaudeville.«-Que é que se faz aqui, à noite? - perguntou Al », quando se refere ironicamente à pacatez da cidade.«-Janta-se - mofou o amigo. - Reúne-se aqui tudo a mastigar a jantarada.»«-Porque é vocês vão matar Ole Andreson? Que é que ele lhes fez? – Pergunta George, o empregado do restaurante que logra manter um discurso temerário perante os assassinos.«-Nunca teve oportunidade de nos fazer nada. Nem nunca nos viu, sequer.», afirma com a ironia que se adivinha, o gangster Max.«-E só vai ver-nos uma única vez- disse Al », o outro gangster.
Estas e outras falas, sobretudo dos matadores, oferecem, na sua ingenuidade de diálogo de comédia, uma «amostra do mal sob a forma de uma conversa aparentemente banal» - segundo o escritor cubano Cabrera Infante -, em que a simples conversa conduz à violência que está escondida em toda a narrativa.
Mas o conto tem sobretudo uma estrutura psicológica. Induz ao medo. E exprime também uma filosofia, cujos contornos escondem a relação dramática do ser humano com o Bem e o Mal, com o destino religioso e existêncial do homem, o tal ser-para-morte de que Heidegger escreveu, e que está bem representado no protagonista que motiva a short story mas só aparece no final da mesma, quase sem rosto, resignado, sem poder alterar seu destino.
Esse par de criminosos inicia a sua jornada vespertina mais pela conversa, do que pela acção, a fim de liquidar o boxeur sueco. E a causa dessa sentença de morte? Só o próprio sabia qual era e o que motivara a sua sentença, segundo as regras do sub-mundo do crime organizado. -«A questão é que eu não procedi bem.- Falava num tom monocórdico.- Não há mesmo nada a fazer.»
Não se conhecendo assim a identificação da causa, estava preparado o campo para o castigo incontrolado pelo homem, que só poderia aguardar a morte. O candidato a ser assassinado exprime em bom rigor filosófico o drama da condição humana, no que concerne à espera da morte e como por ora logra burlá-la. A sua não reacção ao seu destino, sendo atípica, é no entanto o paradigma do protagonista resignado à fatalidade, que pode fugir, mas já se não interessa por fazê-lo.«-Não. Não há nada a fazer. Daqui a bocadinho, levanto-me e vou para o meio da rua.»
Tanto ele como os seus assassinos, já alguém o afirmou num ensaio crítico, podem ser uma representação da teoria de Einstein e o princípio de Walter Heisemberg, respectivamente a da relatividade e o das incertezas.
Neste conto, de facto, o que parece ser irreversível, repleto de certezas, porquanto o enredo assim exige a sua realização, e o leitor assim espera, afinal vem a verificar-se estar à mercê de um simples acaso do tempo e do espaço. E o desfecho é relativo. E o que se previa como comportamento futuro da intriga do conto, o seu desfecho, não acontece pelo princípio da indeterminação.«- Vamos, Al - disse Max - É melhor irmos embora. Ele já não vem.»«- O melhor é dar-lhe mais cinco minutos - disse Al da cozinha.» (3)


(1) Vd. «Matadores», in Bestiário-Revista de Contos, nº 10, Dezº 2004
(2) José Guilherme Merquior, in Formalismo & Tradição Moderena, Editora Forense-Universitária, S.Paulo, 1974
(3) Contos de Nick Adams, Edição Livros do Brasil, Lisboa, pág. 62

in Bestiário, Revista de Contos, Brasil.

quinta-feira, maio 22, 2008

A Lua de 1969


Do lado de cá estou eu. O outro lado não tem luz.
Clélia Mendes


Do outro lado há ventos
em silêncio, a noite
é uma espessura, corta-se
quase à faca. Do lado de lá qualquer
pequena luz seria um céu.
Do outro lado o relógio
não é uma luz. Do outro lado
as estrelas escondem a oxidação
das humidades e quebraram
já as suas pontas
há gerações
estelares. Ali o homem
seria demasiado. Do outro
lado os cometas sustentam
visões na sua cabeleira.
22-5-2008

segunda-feira, maio 19, 2008

A Bailarina de Flamenco

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Truman Capote

Um dia a maldade veio ao seu encontro
quando segurava um dry martini
a maldade existe no fundo
da beleza
e depois de em Taormina
extasiar-se entre gerânios
e de ver Roma a acender-se
em vestidos de noite
e neve
em Saint-Moritz, a nudez do azul
de Capri
e turvas almofadas em Tânger
para reclinar a dança do álcool
na cabeça, até um dia
o Times de Nova Iorque lhe trazer
o sangue fresco dos Clutter.

18-5-2008

sábado, maio 17, 2008

Ezra Pound - Canto XLV (With Usura)

Poema Marítimo

Nasce do mar tanta espuma.

O mar parte os seus cristais
e o ar não é navegável
ao olhar mais profundo,

nasce tanta espuma do mar,
aflora e vem precedida
do veludo das ondas,
do látego do vento,

como uma luz irregular
salpicando o perfil azul da aurora.

4-5-2008

terça-feira, maio 13, 2008

Os Sapatos de Auschwitz

Por estes sapatos que tiveram
dentro da noite os pés
arrastou-se a eternidade.

Aonde vão os pés a flutuar?

Subindo uns pelos outros
os sapatos têm cor de cinza
como a cinza dos corpos
que anoitece o ar.

Estes sapatos traspassam
nossa alma
como um rio de névoa
como um rio de lama.

Junto a um lago

Junto a um lago

Junto a um lago de vidro
a vida parada revela
um pássaro longínquo
que anseia por mim

sem pressas
paira no ar o silêncio
da espera
na frescura do momento

qualquer folha de árvore
a cair devagar
fará mover
a cortina da paisagem.

Palmela, Maio de 2008

(© Brissos Lino)

sábado, maio 10, 2008

Um poema de Juan Larrea

Os poetas Vicente Huidobro e Juan Larrea
T.S.F.
Nas antenas
Caem os bandos de mensagens
E ouço o pio pio dos pássaros tristes

Na noite infinita dos auriculares
Brilha a débil voz das estrelas passageiras

O apito de um comboio fugitivo
Longinquamente
Se despede

América
Assobia em inglês um banjo (*)
Uma voz me chama das estrelas

Eu só ouço a voz da minha estrela

Nos ares
As pombas prendem as asas
Nos cabos invisíveis.
(*)Na versão original, surge o termo Cake Walk, uma dança antiga dos escravos negros norte-americanos. Optamos por uma metonímia que também sugere o ragtime.
(Trad. J.T.Parreira)

quinta-feira, maio 08, 2008

O Livro da detenção da Poesia


A colecção de poemas dos detidos em Guantánamo, originalmente editada em Julho do ano passado pelo advogado de alguns dos presos, Marc Falkoff, sob o titulo de Poetry from Guantánamo: The Detainees Speak, foi traduzida e lançada em Barcelona em Abril.
«Poemas desde Guantánamo. Los detenidos hablam» é a poesia de 18 vozes desde um ponto negro do Ocidente.
Um dos poetas escreve: «As palavras do poeta são a fonte de nossa força;/ seu verso é a salvação de nosso coração afligido».
Cento e quinze páginas ( na edição em castelhano) dão à poesia política um novo significado humano. O que levou o romancista norte-americano Gore Vidal a afirmar que «Guantánamo, finalmente, encontrou a sua voz.»

Desde a poesia que questiona a natureza diante do olhar do poeta:

É verdade que a erva cresce outra vez após a chuva?
É verdade que as flores se levantarão outra vez na Primavera?
É verdade que os pássaros migrarão para casa outra vez?
É verdade que o salmão nadará contra as correntes?

Ao poema intimista e retrospectivo sobre o próprio corpo detido e sob o pathos da morte. Neste sentido vai até ao olhar prospectivo.
Tomem o meu sangue.
Tomem minha mortalha e
Os restos do meu corpo.
E as fotografias do meu cadáver na sepultura, solitário,
Enviem-nas ao mundo,
Para os juízes e
Para a consciência dos povos.
Toda a poesia deste volume antológico é um testemunho vivo, cheira-se e sente-se a existência.

quarta-feira, maio 07, 2008

Território

Do lado de cá vê-se a cidade e a ponte de ferro. Estende-se o rio
de vidro que a manhã vai deformando. Os pássaros voam mais baixo.
Do lado de cá. Deste lado o céu é mais alto e mais azul.
O vento mais frio. Sabe tão bem. Ninguém conhece o gosto do lado de
cá. Deste lado a música compõe-se, descompõe-se em nudez na
mesma pauta. A cor é mais cor, o riso mais brando.
Do lado de cá estou eu. O outro lado não tem luz.
Este é o lado onde as mãos se cruzam, tranquilas.
E os olhos deixam que a noite os trespasse num acto de amor.
Este é o meu lado. Aqui o meu lugar. E deste lado renova-se o
génesis a cada manhã. Haja vida. Ela se faz. Este lado tem o meu
nome. Autografo no chão. A linha traça-se.


(Clélia Inácio Mendes)

segunda-feira, maio 05, 2008

Pietà

de Paula Rego, Pieta, 2002, da série The Virgin Mary


Espera por uma razão
que lhe caiba nas pupilas

e
lhe regresse aos olhos
se não a alegria, a planície
vã sob o sol em chamas

Espera entender tudo
mesmo o céu fechado
aos pássaros

Por um momento as mãos
batem no lugar do silêncio
onde
morre o coração.

5-5-2008