sábado, fevereiro 28, 2009

Despertar precoce no campo

All wished to leave this drying crust
Robert Lowell


Desejam todos deixar esta crosta terrestre
ressequida, nas asas delicadas
como de abelha, como um dardo de mel
lançar um voo sensual
capaz de haurir o doce
infinito de uma flor.

28/2/2009

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Segurar um manuscrito


Minhas mãos agora adormecem
sobre a beleza
do que descrevo

parece que a morte
as quer apertar
num punho

o meu toque já foi soberano
sobre o papel, já vi o afã
do aparo frágil sobre a folha

e o rápido movimento dos olhos
apanhar as palavras
antes da queda final.

21-2-2009

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

Mickey Rourke, the wrestler


Em passo angélico no ar
cair no tapete, era bom nisso
causar problemas à seriedade
de Hollywood, fazia isso naturalmente
foi estúpido dizer
que representar não era trabalho
para um homem a sério
depois de tanta pancada
a minha memória tem muito
espaço.
23/2/2009

Poesias para felídeos, para ler aqui

Do Lat. felis, gato + Gr. eîdos, forma. Com certeza porque é das poucas criaturas que reune em si a cultura greco-romana em uma só forma.

sábado, fevereiro 21, 2009

Condução perigosa

Gregory Corso, um católico tomista intenso, apesar da sua poesia beat.


Na noite passada guiei um carro

Sem conhecer como conduzir
sem possuir um carro
Eu conduzi e atropelei

pessoas que amava
... ia a 120 pela cidade.

Parei ao lado de flores silvestres
e dormi no banco de trás
... excitado com a minha nova vida.

(Trad. J.T.Parreira)


Last night I drove a car

Last night I drove a car
not knowing how to drive
not owning a car
I drove and knocked down

people I loved
...went 120 through one town.

I stopped at Hedgeville
and slept in the back seat

...excited about my new life.

(Gregory Corso)

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Antologia para o fim-de-semana




Se Morrer

Se morrer num dia de chuva
cantai a chuva
Se morrer num dia de sol
cantai o sol
cantai as nuvens as estrelas
cantai cantai
Se morrer e houver luar
fazei do mundo uma planície verdejante
com estrelas penduradas nas árvores
todas as manhãs

(Orlando Jorge Figueiredo, 1996, Presidente do Grupo Poético de Aveiro)

Como destruir uma palavra gira
Free Portugal
Free Port
Freeport
Freepor
Free
F…
…ogo!
(Brissos Lino, 19/2/09)

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Camilo Pessanha

Quem quebrou
a sua mesa de pinho, tosca
e a rasgou
como se fosse um lençol de linho?
Quem arruinou os altos
girassóis
quem os partiu
hastes de um sol exíguo?
Quem dissolveu a neve
no sangue acidulado do seu vinho
e apagou depois
a brancura do caminho?
Quem passeava a sombra
nas janelas, o frio
que no vento começou
quando o lume se extinguiu?

5-2-2008

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Aproximadamente, solidão

Edward Hopper, Stairway at 48, rue de Lille, Paris, 1906

Tudo o que é
ela própria
aqui está, a casa
com suas luzes
e problemas, os velhos
hábitos
a subirem pelas escadas

A hesitante solidão
a partir da noite
Tudo o que é
ela própria
um cubo de cimento, quartos
onde se sonha
num espaço angustiado.

13/2/2009

sábado, fevereiro 14, 2009

O cão de Giacometti

Sou eu. Um dia me vi na rua assim. Um cão.
Alberto Giacometti


O cão da melancolia
procura qualquer coisa, põe o faro
paciente no chão
pescoço longo em baixo como uma tristeza
para pendurar as orelhas

O cão de Giacometti vê
as coisas
de barriga para baixo

O cão cabisbaixo, indiferente
a alegorias
flutua na arquitrave
dos seus ossos

O corpo leva as patas joviais.
14/2/2009

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Diário dos ladrões do Templo


No templo Ele encontrou os homens vendendo
bois, ovelhas e lágrimas
e o brilho súbito
das pombas
aqueles que trocavam perdão
à cotação do dia.

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Receita para fazer um soneto

Tome um pouco de azul, se a tarde é clara
E espere um instante ocasional
Neste curto intervalo Deus prepara
E lhe oferta a palavra inicial

Aí, adote uma atitude avara
Se você preferir a cor local
Não use mais que o sol da sua cara
E um pedaço de fundo de quintal

Se não procure o cinza e esta vagueza
Das lembranças da infância, e não se apresse
Antes, deixe levá-lo a correnteza

Mas ao chegar ao ponto em que se tece
Dentro da escuridão a vã certeza
Ponha tudo de lado - e então comece.

(Carlos Pena Filho)

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

A Visita


Trazia o corpo
arrastado nos sapatos
gastos, com uma história
de buracos negros sucessivos

Os seus silêncios
eram de incenso, o cheiro divino
do lume

e as suas mãos tinham dedos infrangíveis
para tocar as notas da chuva
que bate nos vidros

Trazia os olhos naturais
neles não havia fundo, vogavam
apenas como se espalhassem um perfume.

9/2/2009

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Haiku

o vento insurrecto
rodopia nas pessoas
quebram-se vaidades.


(Helena F.Monteiro)

in Resist(ir) Assim, Poesia a Doze, Editorial Minerva, 2000

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Assuntos de Família

Gunther Grass, escritor, Nobel da Literatura, enquanto poeta aderiu na década de 40 ao Movimento Expressionista, também andou pelas tertúlias do surrealismo. Depois afastou-se. No entanto, existe um poema que exprime bem ambos os movimentos, sobretudo o Expressionismo. É também um autêntico libelo contra o Aborto. No original, o poema denomina-se Familiär:
No nosso museu - vamos todos os domingos-,
inauguraram uma nova secção.
Nossos filhos abortados, embriões pálidos e sérios,
encolhidos em redomas de cristal,
preocupados com o futuro dos seus pais.
(Trad. do alemão e espanhol, por J.T.Parreira)

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Tempo lento

Fotografia in Rua dos Dias que Voam


Cresci
numa cidade no tempo
em que os homens eram usados
para entregar leite
e pão,

como família
batiam às portas,

alguns cavalos
num bailado equestre
cuidavam da logística
estrumavam as ruas e ninguém
reciclava o vidro, não havia
plástico para sobreviver
ao homem,

as frutas triunfavam
dos cinzentos sacos de papel
nada era eterno
mas quase perfeito
nada
estava perdido.

1/2/2009