terça-feira, dezembro 31, 2013

ANDAR SOBRE AS ÁGUAS





Sob os seus pés, os átomos da água
rendiam-se, o mar não tinha fundo
voava
como as aves que não pesam sobre as árvores
o mar dormia sob o peso divino
com o mesmo silêncio do veludo.
 
30-12-2013
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Publicado inédito aqui: http://ovelhaperdida.wordpress.com/2013/12/31/andar-sobre-as-aguas-inedito-de-j-t-parreira-a-fechar-2013/

terça-feira, dezembro 24, 2013

BORRASCA



O vento uiva onde quer, e fechamos os olhos
E sentímo-lo a partir-se contra o barro
Das flores na varanda, a rasgar-se
Nos vidros
A ondular como água ancestral nas janelas
Ocupa-nos as frestas do medo, depois
Descansa
E volta a tremer em tudo, como um trem
Que passa inesperado noutra linha
Ao nosso lado
E faz chocalhar tudo dentro do silêncio.

24-12-2013
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quarta-feira, dezembro 18, 2013

CHEGOU O MENINO


 

 
Veio de longe, chegou o Menino que veio de longe
do ventre da mulher. Chegou um homem
que pelo frio do estábulo gemeu
as sílabas profundas de um vagido.

Chegou um menino
que deslocou o centro do céu para o mundo

Chegou de longe Deus, a carne nua
com um coração humano, igual ao meu
igual nas artérias e nas veias a qualquer judeu
e com deltas
onde o sangue desagua.

 18/12/2013
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(Imagem do Facebook - Desert-rose)

domingo, dezembro 01, 2013

O Guardador dos Rebanhos



Sentado numa pedra à beira do Hélicon
conta as cabeças e vê as suas musas
a comerem erva, depois
conduz o lume dos olhos do rebanho
à frescura das águas tranquilas

O seu rebanho faz um arco
de brancura sobre a erva

O guardador de rebanhos rasga
os olhos pelos quatro pontos cardeais
até pelos espinhos, quando uma ovelha
perde o rumo à sua voz.

30/11/2013
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(The Little Shepherd Boy, Friedrich Otto Gebler)

terça-feira, novembro 26, 2013

COMO UMA PENÉLOPE

 
 

 
Passou os dias a fazer um grande tapete de trapos
tecido de lãs velhas, uma encruzilhada
de cores
para prosseguir esperava
que a manhã  as desfizesse
as estrelas, do tecido da noite.

26-11-2013
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quinta-feira, novembro 21, 2013

Os Pastores da Arcadia



Nicola Poussin, "Os Pastores da Arcadia", óleo em tela
 
De todas as maneiras, quando acordam
vão ver as ovelhas, se já sabem voar
e se o sol nasceu noutro ponto qualquer
da Rosa dos Ventos, sobre os rios
deveriam correr os restos de um luar
sim, todas as manhãs
vão ouvir a música de Orfeu, se ele toca
as estrelas que compôs no céu.

19/11/2013
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quinta-feira, novembro 14, 2013

SAMUCA SANTOS, RECIFE ( 1960-2013)




ALGUNS POEMAS:


NENA

ela sabe dos boleros
e do rock’n roll
sabe do sonho e do pé no chão
do presente no futuro
do ácido que o ócio
derrama na espera
dos pensamentos que rolam
e do medo de perde-la
que as paixões me iluminam
ela sabe
todos os fogos
dos artifícios que nos unem
e tem os credos, cartilhas
onde aprendo a vida

 sem título
nunca minta para mim
deixe que eu invente
as minhas verdades

 FOTOGRAFIA
te encontro no baú dos fósseis
cedo envelheci
mas teu sorriso ainda me cega
teu olhar ainda me reduz ao pó

 REPENTE
tão simples, claro
quanto um beija-flor
parado no ar, chegaste
não tive tempo
de arrumar o mundo
nem de fugir

 RISCOS
quantos copos faltam
pra que a gente se afaste
e role pelos braços, alheios
à procura de nós?

 DONA MÚSICA
tem uma festa rolando
meu amor se veste, bela
e vai acender a noite
dizer que é bela
é pouco:
nem tão belle époque
nem tão afro-chique
meu amor e mil motivos
pra festa rolar
e eu aqui,
de touca na rede


segunda-feira, outubro 28, 2013

De Édipo todos temos um pouco



 

“As mães são as mais altas coisas / que os filhos criam”
Herberto Helder


Houve um tempo na infância
em que desejei descer pelos teus cabelos negros
nenhum homem, nem o pai poderia
aproximar-se dos ramos dos teus dedos
Houve esse tempo na infância
em que te disputava com um amor
que poderia até matar
qualquer olhar de homem que impedisse
o teu caminho

Era o tempo em que o teu peito
me acudia e chamava pelo meu nome

Hoje, quando a morte é para ambos
a próxima infância
para viver no olhar de Deus
vejo os teus cabelos de prata
em que não ouso tocar, com medo de partí-los
porque são uma frágil luz cansada.

26/10/2013
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terça-feira, outubro 22, 2013

A GARE DO ORIENTE



No fundo da Gare do Oriente
existe um silêncio de olhos no chão.

Os corações estendidos

no abrigo do peito, acolhem-se
nos bancos de pedra, os sem
-abrigo abraçados aos sapatos,

procuram aconchegar a noite
no estômago,
e no fumo de um cigarro
erram os sonhos e o fantasma do lume.

21/10/2013
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quarta-feira, outubro 16, 2013

Ingenuidade



Quando chegamos à nossa nova casa
sem paredes de tijolo e estuque
rodeada de arame onde suspendemos as estrelas
apertando ao peito o frio
ainda acreditamos
que nos dessem o maná
como Jeová no deserto aos nossos pais.

14/10/2013
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quarta-feira, outubro 09, 2013

O Poeta e o Pássaro




(Pormenor da capa do último JL)




 para António Ramos Rosa

De súbito toma o pássaro o silêncio
do poeta como um vegetal
sentado no jardim,
os braços quietos, as mãos abertas de onde partem
ramos de dedos pousados nos joelhos
do poeta, de súbito a ave fica imóvel
trocou o arbusto por outro
o ombro do poeta.

9/10/2013
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sexta-feira, outubro 04, 2013

JUDAS ISCARIOTES COMO COSTUMAVA SER



Judas Iscariotes continua deste lado
dos nossos olhos
procura o melhor ângulo da traição
a esquina da cilada
no nosso nariz o seu olfacto
avalia o perfume dos unguentos
Judas Iscariotes continua
a sentar-se deste lado e estende as mãos
para apalpar o amor da raiz
de todos os males, e Judas continua
a usar a sua voz nocturna
para esconder o beijo mortal.

26/8/2013
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segunda-feira, setembro 23, 2013

Baile Gitano


(Baile Gitano, 1914, Anglada-Camarasa
Museo Carmen Thyssen, Málaga)



Era uma água corrente, uma cascata
os seus vestidos
o baile era um céu ao pôr do sol
eu queria a gruta profunda dos seus olhos
que mundo de princípios escondia
porque era uma cigana
e suas mãos apaixonavam-se
no ar quando dançavam.

23/9/2013
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segunda-feira, setembro 09, 2013

O MESMO POEMA, SEGUNDO SHELLEY





Tantas luchas que há costado, / tantos afanes en vela”
Pedro Salinas                                                                


Há anos que escrevo o mesmo poema
os meus dedos
conhecem o caminho e guardam silêncio
conservam o que tenho
para que ninguém tome a minha coroa
há anos que gasto as minhas mãos
nas mesmas pedras

O mesmo poema lavra-se
lava-se cada dia na corrente sanguínea
para as visitações da divindade

Não há novas palavras é engano
dos dicionaristas, polir palavras
para serem novas como os que restauram
telas ou as colunas do Parténon

Por isso há anos que escrevo o mesmo poema
sem aparências, não há outros
os poemas são como os pássaros de Salinas
o mesmo pássaro imenso.

8/9/2013
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terça-feira, agosto 20, 2013

ELEGIA DE DAVID QUANDO PERDEU UM FILHO




Se eu encostar a minha lira ao silêncio
apaziguarei a minha dor? 

Decretaste, Senhor, aí em cima,
poupar a vida da criança?
Não estão nuas ainda as minhas preces?
Os meus lábios movem-se em sobressaltos

De saco e cinza me visto e na terra me deito
emerge dos meus poros a água
da tristeza e o sangue desta minha dor
que reverte ao coração

Ó meu coração isolado do mundo

Porque morreu o menino, com a mesma pureza
com que vive um pássaro
até cair da sua linha invisível do céu

A sua vida vai deixar a minha
poderei eu fazê-la voltar?

Ó pequena criatura, que foste a figuração
do meu amor inacabado
Eu um dia irei para ti, porém tu
não voltarás para mim

10/5/2013
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quinta-feira, agosto 15, 2013

A Transfiguração




Mas ninguém se atrevia a olhá-lo na cara,porque era semelhante à dos anjos”
Oscar Wilde

Subiu ao monte
com um rosto no qual depois o sol nasceu,

a luz velando o rosto e sobre a luz
e o branco dos vestidos
os discípulos se alegraram,

o vento cantava no cume da montanha,
 
desceu a glória de uma nuvem
e as vozes, que traziam a certeza
da morte redentora, falou-se de cicatrizes
e ouviu-se a voz de Deus, que talvez trouxesse
a neve dos cabelos envolvida em lume.

9/8/2013
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domingo, agosto 04, 2013

Depois do Dilúvio



Voltaram para casa
Noé e os filhos, para o princípio do solo,
o primeiro dia da terra com a luz
a secar as águas.
Começou Noé a plantar uma vinha
para colorir o silêncio das colinas,
e os seus pés
moveram-se no ar e riu e cambaleou
dentro de si, na alegre nudez
do seu regresso.

4/8/2013
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quinta-feira, agosto 01, 2013

O Bote



Apenas lhe ocorreu que se se afogasse seria uma pena
Stephen Crane (“O Salva Vidas”)


Já nenhum deles sabia a cor do céu
o vento levava
a negridão das nuvens aos andares celestes
as águas
eram um muro que desmoronava
como avalanche branca

Já nenhum deles ouvia o grito
do peito das gaivotas, nenhum
deles sentia já as feridas
nas mãos que à vida se agarravam
só com os remos
e um pressentimento.

Já nenhum
tem nos olhos a alegria da viagem
do início à plenitude.

1/8/2013
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segunda-feira, julho 22, 2013

O VERÃO




Um espelho verde reflete a trémula dança das folhas
das arvores pegajosas de luz e verao
Ha um restolhar dormente entre troncos e ramos
a renda da toalha de sombras no chao
convida a um abraço.
O ar cheira a peras. A casa dos avós . O bafo preguiçoso
do burro encostado ao poço. O cesto de ameixas luzidias
como bolas de vidro amarelas e vermelhas.
O espelho verde do ribeiro reflete a tremula dança
de nuvens brincando com o pegajoso sol de verão.
Sento-me a tricotar com agulhas da lembrança
um casaco de infancia com muitas cores.

 
Clélia Mendes
 
Julho, 2013

segunda-feira, julho 15, 2013

As manhãs de Penélope


É primordial toda a manhã
de Penélope, o tear começa
a emaranhar os fios nos dedos

de Penélope,

como um ribeiro
desliza no silêncio
o fio da lã
que vai vestir a morte de Laertes,

enquanto os olhos de Penélope na manhã
primordial, apetrechados de asas
vigiam o amplo mar divino.


15/7/2013
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terça-feira, julho 09, 2013

ALFARROBEIRA EM FLOR, William Carlos Williams




Do meio
dos
verdes

 
rijos
velhos
húmidos

 
tortos
ramos
chega  

 
branco
amável
novo

 
Maio.

© Versão de J.T.Parreira

sexta-feira, julho 05, 2013

Salmo brasileiro de Portinari





Toda a música vestida de flauta
e clarinete e afagada nas cordas
toda a música de branco
louva onde quer

que nossos ouvidos se humilhem.

5/7/2013

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segunda-feira, junho 24, 2013

ALMOÇO NA RELVA




Trazem as pálpebras semiabertas, o olhar
envergonhado, se pudessem os vestidos
e as calças, as camisas sem o corpo
mas não são invisíveis, um a um, depois
são muitos
trazem o silêncio das mãos, fechado
na prisão dos dedos, carregam
crianças nas veias do sangue
do seu coração, vêm fazer tréguas
com a fome, voltam para casa e fecham
o rosto nas janelas e o nome.

24/6/2013
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quarta-feira, junho 19, 2013

Delicadeza de Deus


Dos ramos do vento, caiu uma folha
bateu-me
nos cílios. De modo diferente
achei grande a delicadeza
de Deus.
2/5/2013
 
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terça-feira, junho 11, 2013

A rosa só num banco de jardim

A rosa sustenta sozinha
os olhos do mundo, dentro
das pétalas um silêncio fundo
a rosa
dispersa-se na vista de quem passa
a rosa esquecida
sem sonhar, agora triste
por não ter as asas
Por ela hão-de passar as nuvens
que apertam as estrelas, depois a chuva
deixará na rosa o rasto
da água pura.

10/6/2013
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segunda-feira, junho 03, 2013

RACH nº 3


Pequenos jorros de água pura, o que vem primeiro
depois o acariciar as crinas dos cavalos
que esperam, escondidos sob as teclas
começam um tropel, os teclados
surpreendem-se com os dedos do silêncio
então despertam, do fundo
das cordas mais humildes, invisíveis os ouvidos
aguardam do pianista o misterioso vendaval.

3/6/2013
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terça-feira, maio 28, 2013

Como é triste Veneza

(Piazza di San Marco, Canaletto)



Como é triste Veneza se não há amor
como serão tristes
as pombas da Piazza se não rodeiam
um homem e uma mulher escondidos
no fundo de um abraço
como é triste sem ninguém
a Ponte dos Suspiros
como são tristes as gôndolas
que envelhecem no asfalto.

28/5/2013

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sábado, maio 25, 2013

segunda-feira, maio 20, 2013

1947




         
Deu-lhe e tirou-lhe uma por uma
cada uma das quatro estações”
Ruy Belo


Veio a primavera e o sono
das cores despertou, as flores
tornaram os ramos aprazíveis
e as abelhas expandem-se suaves
Mas o verão levou a primavera
e as suas manhãs celestiais
vão abrindo clareiras e as ruas
com raparigas, são paisagens
como os campos de morangos
e um quadro de Gauguin
Quase tudo se resume às folhas no chão
com o outono, os nossos olhos
só percebem os contornos do Infinito
e chegam as chuvas para molharem
a melancolia do inverno
E tudo volta ao seu trilião de princípios.

13/5/2013
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sábado, maio 18, 2013

ATÉ AO MEU REGRESSO

(em memória...)

No chão manchado de vermelho e cinza
o amarelo brinca entre as folhas e os papeis amarrotados
de cadernos e bicos de lápis partidos.
No bolso branco da bata a mancha azul do aparo lambuzado
da caneta de pau. Tinteiro. Prova dos nove, fora a infância
gritada no recreio. Bola de trapos . Sol na bochecha. Campainha aos gritos
a chamar ao recolher. Orelhas quentes da correria e dedos da professora.
"Ai o menino!"
Todos os rios a desaguarem no Atlântico ou talvez não
e as linhas dos comboios de áfrica onde um dia...
até ao meu regresso. Nariz colado no vidro enjoativo.
Noves fora, e vai um ao quadro. Giz que se parte em dois. Mais dois quatro.
E a linha reta que se torna orgulhosamente curva . Lamarosa, Alfarelos...e outros apeadeiros clandestinos. Uma sardanisca subversiva trepa a janela.
Galhofa da cambada. O ar adocicado do cardeal paira pegajoso sobre
a dormência dos grilos nas franjas.
A prova lambuzada de azul da tinta e o morse do ponteiro
na tabuada dos 8...
O chão manchado de cinza la fora onde o amarelo brinca com folhas
e bicos de cor dos lápis partidos, enrola na brisa papeis
amarrotados de contas. Fúria escarlate num "mau"...ai agora!
As orelhas quentes da brincadeira e dos dedos do pai,"ai o menino!"
Os ramos a crescer e as raízes quadradas dos anos a segurar por um fio
rios e comboios de áfrica. Províncias de nomes estranhos onde um dia,
até ao meu regresso - se plantaria noutro chão. Outro tom de amarelo
a brincar com papeis amarrotados de contas "já falta pouco...e vai um"
Tinta permanente no bolso da farda . Prova dos nove
contada pelos dedos na gritaria do recreio da escola. Tão longe.

Maio, 2013


Clélia Mendes

domingo, maio 12, 2013

AQUILA





Alheia às ruínas da terra
para ela não há abismos, das alturas
há maravilhas, escuta as canções dos abetos
e dos pinheiros, dos píncaros das florestas
que o sopro do silêncio espalha
baila como se estivesse nua
e alimenta o vento com as densas penas
mesmo no céu os dias sombrios queimam
alguns, poucos, olham-na como um ponto
de referência que se move e sabem
que aos olhos não é legítimo retê-la
o seu bico é uma bússola para todos os sentidos
da rosa dos ventos.

12/5/2013
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sexta-feira, maio 10, 2013

CAPRICHO ÁRABE





Toca no meu coração delicadamente as cordas
Com dedos ternos – seixos de um riacho
Suave e quedo como asas de pomba

Passando pelo castanho dos meus olhos
Toca meu rosto
Com esse sol andaluz da tua voz
O gosto a tangerina dos teus lábios
Toca a guitarra dos meus ombros
Com o som quente do horizonte de onde vieste
Numa misteriosa tarde de verão.

 Fev 2013

 
Clélia Mendes

terça-feira, maio 07, 2013

TELEFONE PARA O SILÊNCIO




Para Sylvia Plath

Telefona-me para o silêncio
do meu coração, o som
baterá no que resta ainda dos cristais
nos recantos vazios da noite

Esta noite
preciso da luz apagada
da minha estrela

Chamo-te quando vem o silêncio
desse lado do fio, do frio
deste telefone público sem respostas
na profundidade dos teus ouvidos
caem as minhas chamadas
há um grito
no limite das sombras
a perder-se no abismo. 

19/6/2012

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sexta-feira, maio 03, 2013

Formulação para os Guarda-Chuvas de Renoir



Eles são pássaros abertos e derramam
Asas azuis, metalicamente
Octogonais, eles sobrevoam ombros
No fluxo do rio da multidão
Mas
Se o azul acender o sol, os guarda-chuvas
Pássaros fechados
Se dissipam.

3/5/2013

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segunda-feira, abril 29, 2013

SÍSIFO HOJE






“arrastam uma pedra terrível”
Mário Quintana


Um homem
arrasta uma pedra terrível, está sozinho
na montanha, entre o cume e o abismo
tem um declive mortal
a pedra é velha, lançou raízes
o vento e as flores
despontam na pedra, o vento
ao passar lembra gazelas
que cobrem o sol nas planícies
e o homem chegado ao cimo
assiste à sua pedra triste
a rolar para o princípio.

27/4/2013
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sábado, abril 27, 2013

Na Baía, num estanhado e escuro inverno




Na Baía, num estanhado e escuro inverno,
quando o sol tinha pouca coisa
de Ipanema,
numa estranha rua a ficar deserta,

caminhei só com o som dos próprios passos
para a poesia das estórias
de Amado.

26/4/2013
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segunda-feira, abril 22, 2013

O SILÊNCIO É O QUE É


Escrevia silêncios”
Arthur Rimbaud
 
O silêncio é a garrafa vazia que chega à praia,
o silêncio
é no fundo do mar
um peixe ébrio por excesso de cores,
é a onda que vem bordar a beira mar
e esquece-se do regresso, mas como
não o esquecimento?
Se uns pés passam como verdade
descalça na praia. A solidão
do silêncio
é uma vez passado o pássaro
o ar torna ao sossego.  É o silêncio
uma harpa à espera ou um velho
gato a jogar xadrez ao sol.
Como os dedos da mão, não há
um silêncio igual a outro.
 
 
20/4/2013
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Poema publicado inédito Aqui