terça-feira, junho 29, 2010

Odisseias - Alguns Aspect(r)os


ODISSEIAS - ALGUNS ASPECT(r)OS


Plaqueta de J.T.Parreira

Penélope

Guia o fio da teia
Penélope
com ele tece ao sol o ausente
corpo de Odisseu
sob a prata do luar
torna ao início
desmancha e guia
o fio do sol até ser Ítaca
no horizonte
apenas uma linha
e os vestígios do amor
Penélope elimina
afaga a noite
o que a saudade fia.

Calipso

O paciente Ulisses afunda nos cabelos
da ninfa a sua mão, enquanto Atena
calça os pés
com rajadas de vento e sobre o mar
brilhante vai a Ítaca.

As viagens contadas

Nada disse Ulisses à mesa de Alcínoo
só através do velo
da imaginação.

Os Tormentos que Ulisses viu


Sisífo

A pedra sombria e sem vergonha
uma nuvem densa, cheia
mineral, empurrada a ambas mãos
de Sísifo
até ao cume onde primeiro
os olhos chegam
que o exausto coração.

Tântalo

Como se fosse repentina
névoa, a fugir do chão
a água do lago sublevada
mais a sede vinha e a fronte
de Tântalo se abaixava
- dizia Ulisses a Alcínoo
que um deus tudo secava.

sábado, junho 26, 2010

Quando David compôs um Aleluia


Quando David compôs um Aleluia
Bate-Seba iluminou, fora do leito
o seu joelho, reacendeu a água
pequenas pérolas na torrente
tranquila, quando o intento
de David compôs na lira
um Aleluia, a alegria
ondulou nos pastos verdejantes
com passos de silêncio.
21/6/2010

quarta-feira, junho 23, 2010

Amores Decantados

Amores Decantados
e outras actividades no Grupo Poético de Aveiro. Principalmente a evocação, no dia do nascimento de Pessoa, 13 de Junho.

segunda-feira, junho 21, 2010

Evolução das Espécies


“E disse Deus: Produza a terra seres viventes segundo as suas espécies”
Génesis 1:24

Não há evolução das espécies

Não o digas ao poeta
de olhar pendurado da dor da aurora
e da expectação de um voo de pássaro

ele dir-te-á
que o poema é filho
da sua uranografia
enteado do temor de que
o seu coração ganhe asas
e se volatilize, porque é no peito
que ele é dado à luz

como se fosse
o último e o único
na sua espécie e género
como única e última
é a dor
cada dor que lhe espinha a carne

Não há evolução das espécies
cada uma é gerada da boca do poeta

digna de ser aclamada
por uma nova e última e única
salva de palmas

18/06/10

(Inédito do poeta residente Rui Miguel Duarte)

sexta-feira, junho 18, 2010

Ulisses por causa do canto das sereias

Ulisses sou
e vou cortando o vento
como um mastro
amarras como braços o corpo
me protegem do que sou
do hidromel nos ouvidos
enquanto as ondas sobem
do fundo
da boca de Posídon
Ulisses sou
um com a nau
e meus olhos são as gáveas
de onde furto ao horizonte
o mistério e o futuro.


Poesia publicado ineditamente em A Ovelha Perdida, hoje

segunda-feira, junho 14, 2010

Ballet: Sapatilhas que flutuam



Há sapatilhas que flutuam a memória

Há sapatilhas que flutuam a memória
dentro da máquina do tempo
não obedecem às respeitáveis leis
de homens doutos
sapatilhas que dançam ballet
sobre a espuma dos dias
a ilustrar réstias de lembranças
frágeis
ternas
que desenham um retrato a sépia
entre um par de tranças infantis
e uma gargalhada inteiramente
franca

guardadas na gaveta das coisas boas
elas sabem a gomas e chocolate
dispõem-se na forma de um sorriso
feliz.

4/6/10

(Brissos Lino)

quinta-feira, junho 10, 2010

Confidências


As confidências demoram-se no céu da boca
como as nuvens lentas do Outono.
Nuno Júdice


As confidências começam nos olhos
depois como nuvens altas
se deslocam, vão lentas para as mãos
o estuário dos dedos e falam
através da seda das carícias
As confidências demoram-se no palato
entregam-nos o prazer do mel
a língua cheia de frases, guarda
algumas palavras como amor
juventude, beleza, flor, e medo até
de perder o sentido do amor
As confidências começam no sangue
que bate nas paredes do coração
e vêm respirar aos lábios
que colam a outros lábios
tudo o que dissemos em silêncio.

sábado, junho 05, 2010

Procura-se: Perdido na Cidade

Perdido na cidade
entre homens e bichos
o caminheiro processa a sua
habitual peregrinação laica
todos os dias
às horas banais
as pernas o levam exactamente
aos mesmos poisos
inserido em tétrico bando
de aves cinzentas
e mudas
nem sorrisos envergonhados nem o olhar
musical de uma criança
lhe deixam vislumbrar sequer
um pequeno raio de sol
que saiba aquecer
a alma cansada.

3/6/10

(Brissos Lino)

quinta-feira, junho 03, 2010

Do livro inédito: "Fluxos da Memória":

Ai, se o vento me levasse
Na orla infinda das marés
Que ainda me salpicam!

Ai, se o vento me levasse
No espasmo matinal
Do cheiro eterno das flores!

Aí permaneceria, cândida, pura...
No seio de uma alegria sem fim
Que me acalentaria a alma.

Já não choraria mais
A criança que não fui
Ou a infância que não tive.

Voltaria a brincar com os infantes.
E, finalmente, sorria
Na transparência de um desejo inocente.

(Isabel Rosete)

poema cedido pela autora para o Poeta Salutor