sexta-feira, junho 20, 2008

Que pássaros cantam no Paraíso?

"Satan watching the caresses of Adam and Eve", William Blake, in Paraíso Perdido, 1808

Que pássaros cantam
no paraíso que perdi?

Que estrelas, nunca
definitivas, riscaram
num buraco do céu
a sua passagem?

Em que ramo
esqueci o fruto da vida?

Habito as alternâncias do tédio
e do ânimo, às vezes
uma casa de areia
onde mesmo assim existe
um trilho de flores silvestres.

Em que mina de ouro perdi
o olhar, que já foi um brilho
na noite?

Como é difícil ser bêbado
de silêncios.

20-6-2008

Gasolina, inéditos sobre Hopper (2)

Estaçãozinha no Pôr do Sol
a estaçãozinha evita
cair na noite
e espreita
para lá do silêncio
os caminhos de ferro
os sonhos que hão chegar
as malas, a vida
urbana sonâmbula.

segunda-feira, junho 16, 2008

Gasolina, inéditos sobre Hopper (1)

New York Movie
A arrumadora divide
pelas filas
os olhos,
faz sentar
fantasias,

depois
comparte seus
pensamentos
com os dedos,

espera
mais ninguém
nas escadas

Move-se a cena
enquanto
na atmosfera escura
do cinema

as estrelas tremem
por trás
de lágrimas.

16/6/2008

domingo, junho 15, 2008

Gasolina, inéditos sobre Hopper

Gasolina

Mobil Gas no alto
três colunas
num velódromo grego,

espera em
um fundo
a gasolina

e ao longe
a vegetação
é uma
linha sinuosa
do horizonte,

de ninguém.

14/6/2008








Blockquotea poetas e a pintores igualmente se concedeu, desde sempre, a faculdade de tudo ousar.

(Horácio)

sexta-feira, junho 13, 2008

13 de Junho de 1888


Há 120 anos nasceria o Fernando e as suas Pessoas


Brincava a criança
Com um carro de bois.
Sentiu-se brincando
E disse, eu sou dois!

Há um a brincar
E há outro a saber,
Um vê-me a brincar
E outro vê-me a ver.

Estou por trás de mim
Mas se volto a cabeça
Não era o que eu qu'ria
A volta só é essa...

O outro menino
Não tem pés nem mãos
Nem é pequenino
Não tem mãe ou irmãos.

(Fernando Pessoa)

quinta-feira, junho 12, 2008

Prémio da Confraria Camoniana de Ílhavo

J.T.Parreira: 1º prémio de poesia da Confraria Camoniana, 2008, aqui no «Ovelha Perdida», pela mão do meu querido amigo e Poeta, Brissos Lino.

Viagens (3)

Cabo Verde:
Morna

Flor no cabelo areia
Senta na praia onde se enrolam
Vagas à solta de tanta saudade
Calor e sede. Demais
Água nos dedos e tanta saudade
Flor no cabelo na areia e esquece
Senta na praia. Assustam-se as vagas

Vagas nos olhos de tanta saudade
Calor e sede. Mindelo deserto.

(Clélia Inácio Mendes)

quarta-feira, junho 11, 2008

À maneira de e.e.cummings


Thank you for the exquisite jam
Th
an
k you
too
) or also(
for the
71
Cumm
ings’
po? e! ms!!
An
d now –
get into this brazilian hammock and
let me sing for you:
“Lullaby
“Sleep on and on…”

Xaire, Elisabeth.

(Manuel Bandeira)


Obrigado pela rara compota
Obri
ga
do
demais
)ou também(
pelos
71
Poemas
de Cumm
ings !!
E
agora –
metido na minha rede brasileira
deixe-me cantar-lhe:
“Um acalanto
“Dorme, dorme, que a manhã já vem…”

Adeus, Elisabeth


(Trad. J.T.Parreira)

domingo, junho 08, 2008

Os Confinamentos do Poeta (5)


Arte Poética

Uma boa parte dos meus versos
é escrita perto da água
passa-se perto
da água, das águas de duvidosa
validade dos esteiros.

sábado, junho 07, 2008

Os confinamentos do Poeta (4)

Desconheço a famosa angústia do papel branco
as emoções são a cores (o sangue é vermelho!)
mesmo as mais escuras
implicam rugosidades, texturas.

(Brissos Lino)

sexta-feira, junho 06, 2008

quinta-feira, junho 05, 2008

e.e. cummings

Viagens (2)


Buenos Aires
Tango

O corpo de outro corpo atropela avança
Recua, recusa, acusa, rejeita
Lábios e olhos de outros olhos beijam
Os cabelos, a curva do braço. Pausa
Recomeçam no laço as pernas
Arquejo do peito de outro peito. Desmaio
Desenho de tronco partido ao meio de outro meio
Vitrola, piazola geme
Encontro noutro encontro sossega
E cai.

(Clélia Inácio Mendes)

Viagens (1)

Serena Praha, aqui um modo de viajar sobre um território lírico, como Praga. Pelo poeta Brissos Lino.

quarta-feira, junho 04, 2008

Os confinamentos do Poeta (2)

Fica na Rua Moraes e Valle, escondido num canto da Lapa. É um beco que nasceu à sombra das sagradas paredes do Convento do Carmo, da secular Ordem dos Carmelitas.

Poema do Beco

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco.

(Manuel Bandeira)

terça-feira, junho 03, 2008

segunda-feira, junho 02, 2008

Obituary


«I know not what tomorrow will bring».

Pessoa morreu no Bairro Alto
os óculos encostados
para sempre, passeava
já à tona
das ondas do lençol;
três dias antes ainda
o viram
a dobrar as esquinas
da Baixa lisboeta,
em gargalhadas soltas
como o riso, uma tosse
a dobrar o corpo para a frente.

quarta-feira, maio 28, 2008

a morte de Ghandi tem quase a minha vida


+30-1-1948

Três tiros
no peito da India
cantaram

e floriram
na brancura

da toga,
três botões
de sangue,

as rosas,

alastraram
num oblíquo
rumo, o calor
do lume.

Pelas ruas da Baixa lisboeta


Nesta altura em que parece inevitável que haja um leilão de manuscritos e outras pessoalidades do autor de «Tabacaria», é bom continuar a ter visões inéditas sobre Pessoa. Aqui um interessante poema de Brissos Lino.

segunda-feira, maio 26, 2008

Folies Bergère Mai 68







Os nossos seios estão em greve
nossas pernas
não voam mais até aos sonhos do homem
Mesmo a nossa alegria
da brancura dos dentes
está em greve

Não cobrem pelos nossos sorrisos
nossos lábios
não serão mais cosméticos

Até as plumas não voarão
na transparência dos corpos

E, quando as luzes fecharem a noite
nos espelhos, como no quadro de Manet,
o nosso corpo acenderá
a beleza da alma.

26-5-2008









domingo, maio 25, 2008

John Mbiti

Teólogo anglicano e eminente filósofo cristão e poeta africano, Kenya, 1931-



Arranha-Céus de Nova-Iorque

Os raios fracos e difusos do sol amarelo
Espiavam pelos confusos tecidos
Que os cobriam com cera transparente;
E quando os enrugados raios fechavam o dia,
As chaminés fumarentas de Nova Iorque tossiam
Olhando as suas torres inclinadas
E vomitavam lágrimas tristes de fumo negro.

(Trad. de Manuel de Seabra)

sexta-feira, maio 23, 2008

Encontro Poético Luso-Espanhol

Na sequência do intercâmbio cultural iniciado em 1993, o Grupo Poético de Aveiro vai realizar, nos próximos dias 30 e 31 de Maio, um Encontro Poético Luso-Espanhol.
Assim:
Dia 30 de Maio, pelas 21h30m, no Navio Stº André (junto ao Porto de Aveiro -Forte da Barra).
Dia 31de Maio, pelas 21h30m, na Feira do Livro de Aveiro.
Além de poetas da nossa Associação, estarão presentes representantes da Academia Castelhano-Leonesa da Poesia, Grupo Literário e Artístico Sarmiento de Valladolid, Revista poética hablada de Juan de Baños-Palência e, um editor e poeta de Pontevedra: Fernando Luis Poza.

Letras : Um naturalismo à maneira de Hemingway

A disposição dos dois assassinos no terreno é minimalista. Al e Max, ao entrarem no restaurante do Harry, nem sequer o fazem com a eficaz estratégia exigida às mentes preparadas para o mal. A encenação da sua entrada foi para dar nas vistas, na pacata e quente Summit, no Ilinóis.
Com «Os Assassinos», ou «Matadores» (1), no original «The Killers», Ernest Hemingway tem entre mãos os ingredientes para a violência dos subterrâneos urbanos, mas rejeita assim inscrever-se, avant la lettre, na escrita americana dos hard boiled ( Os Duros de Roer ), aos quais a sua sombra se estendeu por toda uma geração, atingindo até o romance dos chamados profissonais, a literatura negra dos incontornáveis Dashiell Hamett e Raymond Chandlers.
A simplicidade dos recursos estético-literários a que Hemingway recorreu, a vivacidade jornalística da sua linguagem (2), colocam essa short story, inicialmente publicada na revista Scribners, em 1927, no topo das obras-primas do conto moderno. Geralmente, o autor de «Por Quem os Sinos Dobram» prefere o discurso directo, com recurso a uma dialogia curta e simples, quase banalizada em função dos protagonistas, como é o caso paradigmático de «Os Assassinos».
Hemingway foi um escritor que viu as suas ficções; um dos seus vários prefaciadores, Philip Young, escreveria que «como sucede a muitos ficcionistas, a relação entre a obra de Hemingway e os acontecimentos da sua própria vida é imediata e complexa.»
O naturalismo à maneira de Hemingway, isto é, a narração do que ele conhecia, do que tinha observado, abre ao leitor a porta de uma «reportagem», iniciada num estilo jornalístico, de um clima de suspense, de mistério, que faz o transporte da ironia para a expectativa, do peso volátil da incerteza para a força do que se chamaria fate ou o destino.
A breve representação em um acto de índole satírica que existe nos discursos directos dos assassinos profissionais, contratados para matar um boxeur que acaba por quebrar a sua própria rotina não indo ao restaurante por volta das seis horas, sustenta-nos nesse clima de suspense, porquanto os actores principais são verdadeiros comediantes, com um estranho non-sense que raia o absurdo.
São inimitáveis as suas frases espirituosas que levaram alguns críticos literários académicos a classificar o conto como uma soberba peça de vaudeville.«-Que é que se faz aqui, à noite? - perguntou Al », quando se refere ironicamente à pacatez da cidade.«-Janta-se - mofou o amigo. - Reúne-se aqui tudo a mastigar a jantarada.»«-Porque é vocês vão matar Ole Andreson? Que é que ele lhes fez? – Pergunta George, o empregado do restaurante que logra manter um discurso temerário perante os assassinos.«-Nunca teve oportunidade de nos fazer nada. Nem nunca nos viu, sequer.», afirma com a ironia que se adivinha, o gangster Max.«-E só vai ver-nos uma única vez- disse Al », o outro gangster.
Estas e outras falas, sobretudo dos matadores, oferecem, na sua ingenuidade de diálogo de comédia, uma «amostra do mal sob a forma de uma conversa aparentemente banal» - segundo o escritor cubano Cabrera Infante -, em que a simples conversa conduz à violência que está escondida em toda a narrativa.
Mas o conto tem sobretudo uma estrutura psicológica. Induz ao medo. E exprime também uma filosofia, cujos contornos escondem a relação dramática do ser humano com o Bem e o Mal, com o destino religioso e existêncial do homem, o tal ser-para-morte de que Heidegger escreveu, e que está bem representado no protagonista que motiva a short story mas só aparece no final da mesma, quase sem rosto, resignado, sem poder alterar seu destino.
Esse par de criminosos inicia a sua jornada vespertina mais pela conversa, do que pela acção, a fim de liquidar o boxeur sueco. E a causa dessa sentença de morte? Só o próprio sabia qual era e o que motivara a sua sentença, segundo as regras do sub-mundo do crime organizado. -«A questão é que eu não procedi bem.- Falava num tom monocórdico.- Não há mesmo nada a fazer.»
Não se conhecendo assim a identificação da causa, estava preparado o campo para o castigo incontrolado pelo homem, que só poderia aguardar a morte. O candidato a ser assassinado exprime em bom rigor filosófico o drama da condição humana, no que concerne à espera da morte e como por ora logra burlá-la. A sua não reacção ao seu destino, sendo atípica, é no entanto o paradigma do protagonista resignado à fatalidade, que pode fugir, mas já se não interessa por fazê-lo.«-Não. Não há nada a fazer. Daqui a bocadinho, levanto-me e vou para o meio da rua.»
Tanto ele como os seus assassinos, já alguém o afirmou num ensaio crítico, podem ser uma representação da teoria de Einstein e o princípio de Walter Heisemberg, respectivamente a da relatividade e o das incertezas.
Neste conto, de facto, o que parece ser irreversível, repleto de certezas, porquanto o enredo assim exige a sua realização, e o leitor assim espera, afinal vem a verificar-se estar à mercê de um simples acaso do tempo e do espaço. E o desfecho é relativo. E o que se previa como comportamento futuro da intriga do conto, o seu desfecho, não acontece pelo princípio da indeterminação.«- Vamos, Al - disse Max - É melhor irmos embora. Ele já não vem.»«- O melhor é dar-lhe mais cinco minutos - disse Al da cozinha.» (3)


(1) Vd. «Matadores», in Bestiário-Revista de Contos, nº 10, Dezº 2004
(2) José Guilherme Merquior, in Formalismo & Tradição Moderena, Editora Forense-Universitária, S.Paulo, 1974
(3) Contos de Nick Adams, Edição Livros do Brasil, Lisboa, pág. 62

in Bestiário, Revista de Contos, Brasil.

quinta-feira, maio 22, 2008

A Lua de 1969


Do lado de cá estou eu. O outro lado não tem luz.
Clélia Mendes


Do outro lado há ventos
em silêncio, a noite
é uma espessura, corta-se
quase à faca. Do lado de lá qualquer
pequena luz seria um céu.
Do outro lado o relógio
não é uma luz. Do outro lado
as estrelas escondem a oxidação
das humidades e quebraram
já as suas pontas
há gerações
estelares. Ali o homem
seria demasiado. Do outro
lado os cometas sustentam
visões na sua cabeleira.
22-5-2008

segunda-feira, maio 19, 2008

A Bailarina de Flamenco

The Best Flamenco information on the web
Flamenco Dancing Guitar and Cajon Spanish Music » Blog Archive » A bailarina de flamenco

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Truman Capote

Um dia a maldade veio ao seu encontro
quando segurava um dry martini
a maldade existe no fundo
da beleza
e depois de em Taormina
extasiar-se entre gerânios
e de ver Roma a acender-se
em vestidos de noite
e neve
em Saint-Moritz, a nudez do azul
de Capri
e turvas almofadas em Tânger
para reclinar a dança do álcool
na cabeça, até um dia
o Times de Nova Iorque lhe trazer
o sangue fresco dos Clutter.

18-5-2008

sábado, maio 17, 2008

Ezra Pound - Canto XLV (With Usura)

Poema Marítimo

Nasce do mar tanta espuma.

O mar parte os seus cristais
e o ar não é navegável
ao olhar mais profundo,

nasce tanta espuma do mar,
aflora e vem precedida
do veludo das ondas,
do látego do vento,

como uma luz irregular
salpicando o perfil azul da aurora.

4-5-2008

terça-feira, maio 13, 2008

Os Sapatos de Auschwitz

Por estes sapatos que tiveram
dentro da noite os pés
arrastou-se a eternidade.

Aonde vão os pés a flutuar?

Subindo uns pelos outros
os sapatos têm cor de cinza
como a cinza dos corpos
que anoitece o ar.

Estes sapatos traspassam
nossa alma
como um rio de névoa
como um rio de lama.

Junto a um lago

Junto a um lago

Junto a um lago de vidro
a vida parada revela
um pássaro longínquo
que anseia por mim

sem pressas
paira no ar o silêncio
da espera
na frescura do momento

qualquer folha de árvore
a cair devagar
fará mover
a cortina da paisagem.

Palmela, Maio de 2008

(© Brissos Lino)

sábado, maio 10, 2008

Um poema de Juan Larrea

Os poetas Vicente Huidobro e Juan Larrea
T.S.F.
Nas antenas
Caem os bandos de mensagens
E ouço o pio pio dos pássaros tristes

Na noite infinita dos auriculares
Brilha a débil voz das estrelas passageiras

O apito de um comboio fugitivo
Longinquamente
Se despede

América
Assobia em inglês um banjo (*)
Uma voz me chama das estrelas

Eu só ouço a voz da minha estrela

Nos ares
As pombas prendem as asas
Nos cabos invisíveis.
(*)Na versão original, surge o termo Cake Walk, uma dança antiga dos escravos negros norte-americanos. Optamos por uma metonímia que também sugere o ragtime.
(Trad. J.T.Parreira)

quinta-feira, maio 08, 2008

O Livro da detenção da Poesia


A colecção de poemas dos detidos em Guantánamo, originalmente editada em Julho do ano passado pelo advogado de alguns dos presos, Marc Falkoff, sob o titulo de Poetry from Guantánamo: The Detainees Speak, foi traduzida e lançada em Barcelona em Abril.
«Poemas desde Guantánamo. Los detenidos hablam» é a poesia de 18 vozes desde um ponto negro do Ocidente.
Um dos poetas escreve: «As palavras do poeta são a fonte de nossa força;/ seu verso é a salvação de nosso coração afligido».
Cento e quinze páginas ( na edição em castelhano) dão à poesia política um novo significado humano. O que levou o romancista norte-americano Gore Vidal a afirmar que «Guantánamo, finalmente, encontrou a sua voz.»

Desde a poesia que questiona a natureza diante do olhar do poeta:

É verdade que a erva cresce outra vez após a chuva?
É verdade que as flores se levantarão outra vez na Primavera?
É verdade que os pássaros migrarão para casa outra vez?
É verdade que o salmão nadará contra as correntes?

Ao poema intimista e retrospectivo sobre o próprio corpo detido e sob o pathos da morte. Neste sentido vai até ao olhar prospectivo.
Tomem o meu sangue.
Tomem minha mortalha e
Os restos do meu corpo.
E as fotografias do meu cadáver na sepultura, solitário,
Enviem-nas ao mundo,
Para os juízes e
Para a consciência dos povos.
Toda a poesia deste volume antológico é um testemunho vivo, cheira-se e sente-se a existência.

quarta-feira, maio 07, 2008

Território

Do lado de cá vê-se a cidade e a ponte de ferro. Estende-se o rio
de vidro que a manhã vai deformando. Os pássaros voam mais baixo.
Do lado de cá. Deste lado o céu é mais alto e mais azul.
O vento mais frio. Sabe tão bem. Ninguém conhece o gosto do lado de
cá. Deste lado a música compõe-se, descompõe-se em nudez na
mesma pauta. A cor é mais cor, o riso mais brando.
Do lado de cá estou eu. O outro lado não tem luz.
Este é o lado onde as mãos se cruzam, tranquilas.
E os olhos deixam que a noite os trespasse num acto de amor.
Este é o meu lado. Aqui o meu lugar. E deste lado renova-se o
génesis a cada manhã. Haja vida. Ela se faz. Este lado tem o meu
nome. Autografo no chão. A linha traça-se.


(Clélia Inácio Mendes)

segunda-feira, maio 05, 2008

Pietà

de Paula Rego, Pieta, 2002, da série The Virgin Mary


Espera por uma razão
que lhe caiba nas pupilas

e
lhe regresse aos olhos
se não a alegria, a planície
vã sob o sol em chamas

Espera entender tudo
mesmo o céu fechado
aos pássaros

Por um momento as mãos
batem no lugar do silêncio
onde
morre o coração.

5-5-2008

terça-feira, abril 29, 2008

Solitude


Poema de um homem sozinho

Queria um anjo como esse que enviaste
com as pernas flexíveis
como os juncos no Jaboque
nossos riscos no ar e na água
seriam a dança sobre a música
da torrente
Estou só com o peso dos retalhos
da minha memória, sozinho
apenas acompanhado de dois olhos
e um coração apressado
É noite, mas o medo não
resolveria nada, sequer
acrescentaria um palmo
à minha sombra
Só na luta plena o nome
muda, o nome
novo se alcança
Enfim a manhã virá
rompendo
o novelo do sol
Estou sozinho, em pé
mas fincado na terra
como a lança.
7-5-2005

segunda-feira, abril 28, 2008

La mia traduzione

Poesia traduzida por Alessandra S.Banti
in alexandra3


LA DEMOLIZIONE

È crollata a terra
la vecchia casa
su sé stessa
ieri esisteva ancora
un ritratto di piastrelle
del suo passato, è caduta
giù in silenzio
la facciata che resisteva
al tempo.
Sono crollate le finestre
con le vecchie cortine
abbassate. L’ombra
mai spargerà
la casa sul selciato.


IL SORRISO DELLA GIOCONDA

Il sorriso della Gioconda
è il gioiello del museo, nessuno
lo incornicerà di nuovo, il sorriso
ingannatore della Gioconda
è la porta
sul nulla
anima? paesaggio? il silenzio
nell’ombelico dell’anima
sorride dentro di sé.

sábado, abril 26, 2008

O Salmo

O Senhor é o meu pastor: poucas coisas
me são necessárias

Ele tem a cartografia dos bons pastos
conhece até das águas tranquilas
o seu cantar nocturno
mesmo o cântico de inverno
impetuoso dos ribeiros

Conforta o centro da minha alma
onde não há carne
nem a palavra vem

O vale das sombras estremece
a cada passo dos meus ossos
e ali a morte é inútil
como uma nuvem.

sexta-feira, abril 25, 2008

A Indiferença




Primeiro levaram os comunistas,
Mas eu não me importei
Porque não era nada comigo.

Em seguida levaram alguns operários,
Mas a mim não me afectou
Porque eu não sou operário.

Depois prenderam os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.

Logo a seguir chegou a vez
De alguns padres, mas como
Nunca fui religioso, também não liguei.

Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde.

(Bertolt Brecht)
Poema enviado pelo meu amigo, o poeta Orlando Figueiredo

quinta-feira, abril 24, 2008

As suicidas ( I )


Uma das mais expressivas poetas da geração dos anos 70, Ana Cristina Cesar (1952-1983) exerceu intensa atividade jornalística e editorial, como tradutora de importantes autores estrangeiros, entre os quais a poeta inglesa Sylvia Plath.

Psicografia
Tambem eu saio à revelia
e procuro uma síntese nas demoras
cato obsessões com fria têmpera e digo
do coração: não soube e digo
da palavra: não digo (não posso ainda acreditar
na vida) e demito o verso como quem acena
e vivo como quem despede a raiva de ter visto

sábado, abril 19, 2008

Nocturno, do "Manual de Espumas"

Están todas

También las que se encienden en las noches de moda

Nace del cielo tanto humo
que ha oxidado mis ojos

Son sensibles al tacto las estrellas
No sé escribir a máquina sin ellas

Ellas lo saben todo
Graduar el mar febril
y refrescar mi sangre com su nieve infantil

La noche ha abierto el piano
y yo las digo adiós com la mano.

(Gerardo Diego, 1924)


Estão todas

Até as estilistas das noites de moda

Do céu nasce tanto fumo
que tem manchado os meus olhos

São ao tacto sensíveis as estrelas
Não sei digitar metáforas sem elas

Elas sabem-na toda
Graduar o mar febril
e refrescar meu sangue com sua frieza infantil

A noite abriu ao piano
e eu digo-lhes adeus com a mão.

(Trad.J.T.Parreira, 2008)

quinta-feira, abril 17, 2008

Nuvens

Olas tibias del cielo
Gerardo Diego

Eu pensava nas nuvens que se deixam
iluminar por dentro, pelo sol

Nas nuvens que não param
na mesma forma, as nuvens
que estão sempre
a ser intérpretes do vento

Eu pensava na mais simples
nuvem
que vai do novelo branco
ao cúmulo onde o raio nasce

Eu pensava
nas ondas que se encavalitam pelo céu.

Remigio Adares (1923/2001) - Poeta de Salamanca


Salamanca abria a sua Plaza Mayor ao sol ainda jovem dos meados da Primavera de 1993.
O dia 1 de Maio era um dia de trabalho para a Cultura, em Salamanca. Uma Feira do Livro, uma Homenagem ao poeta Miguel Hernandez, e, no seu habitual feudo, o poeta salmantino Remígio Adares, 70 anos, quase sempre vividos aqui e ali, mas especialmente ali, na entrada do Café El Corrillo.
Foi aí que nos conhecemos, naquela manhã do primeiro de Maio de 1993.
O Café El Corrillo tem tertúlias, jazz, outras músicas, poesia, mas tinha, como atalaia, esse velho poeta, que me disse, entre outras conversas: «Yo soy el poeta, y por eso paso ».
Falamos também de pássaros, porque eu editara recentemente, em Lisboa, «Pássaros Aprendendo Para Sempre e Outros Poemas », e Remigio Adares afirmou-me algo que jamais esquecerei: «Os pássaros parecem-me sempre fumos saindo das chaminés dos “pueblos”».
Este poeta de aspecto campesino, por causa do inseparável boné, constituia-se «tão-somente» como um dos grandes difusores da cultura salmantina no mundo, a sua obra estava e está, com certeza, repartida por muitos confins e latitudes onde é estudada. Soube, muito tempo depois, que havia falecido em 2001.
Agora jamais voltarei à Plaza del Corrillo, perto da Mayor, porque Remigio Adares já não pára a rua e as escadarias breves da entrada do Café com os seus livros expostos. Posso voltar, claro, mas o lugar como o rio de Heraclito já não é o mesmo.

segunda-feira, abril 14, 2008

O Grito


para Edvard Munch

Passos atrás das costas
Sentia como se fosse a noite
Atrás das costas
Como um punho
A empurrar o grito
Um pulmão inteiro
Numa ponte que corta
Ao meio o universo.
14/4/2008

domingo, abril 06, 2008

A morte ambígua de Ofélia

O corpo toca como as nuvens
a beira do abismo, cai
o corpo de Ofélia
para a transparência do vidro

O rio dorme com ela
e as estrelas
começam a sentir o frio celeste

Como um corpo na água morto
vão seu perfume e seu riso.

4/4/2008

quarta-feira, abril 02, 2008

Peregrino, Luis Cernuda


Voltar? Volte o que esteja,
Após longos anos e longa viagem,
Exausto do caminho e cobiçoso
De sua terra, sua casa, seus amigos,
Do amor fiel que no regresso o espere.

Mas, tu? Voltar? Regressar não penses,
Senão seguir em frente, livre,
Livre para sempre, moço ou velho,
Sem filho que te busque, como a Ulisses,
Sem Ítaca que espera e sem Penélope.

Segue, continua e não regresses,
Fiel até ao fim da estrada e tua vida,
Não sintas falta do destino fácil,
Teus pés sobre uma terra virgem,
Teus olhos perante o nunca visto.

In Antologia del Grupo Poético de 1927


(Trad. J.T.Parreira)

segunda-feira, março 31, 2008

Arrival/Chegada

Your face, the
gaze you
returned -

words in your
eyes, mirrors.

Where did we
stop

last time

I saw you.

(Virna Teixeira)



Teu rosto, o
olhar que você
retornou -

palavras nos teus
olhos, espelhos.

Onde nós
paramos

a última vez

que te vi.

(Trad. J.T.Parreira)

sexta-feira, março 28, 2008

A Saída

Tout s'éteignit
Le jour, la lumière interieure
René Char


Tudo se apaga
as janelas, os espelhos interiores
depois os silêncios
são varridos, gestos lentos
no tempo repetido
na sala o dia apaga-se

Fogos da alma interior
apagam-se, paixões
cadeiras, mesas regressam
à sua solidão, a sala
não respira senão a humidade
que fica nas janelas.

26-3-2008

quinta-feira, março 27, 2008

O Tempo que passou

Edição de 1965

BlockquoteA Arte, como disse Goethe, está na limitação: e um grande poeta é aquele que usa melhor a língua que lhe foi dada. O verdadeiro grande poeta faz da sua língua uma grande língua.

(T.S.Eliot)

quarta-feira, março 26, 2008

Duna ( Inédito)

A mão escorrega no cetim e alisa
A pele, a paz, o sono, o sopro
De espuma os dedos molha e enxuga
Na pele o cetim da mão no sono
Sopro na espuma ao de leve – e espalha
Espuma que desliza na minha paz.

(Clélia Mendes)

segunda-feira, março 24, 2008

Luis Gaspar, re+dizer:

053 - J.T. Parreira e Jorge Sousa Braga

Neste programa, voltamos, a pedido, às lendas de povos antigos e recordamos palavras de ouro de dois poetas: J.T. Parreira e Jorge Sousa Braga.A música que acompanha a lenda é, como sempre, de Luís Pedro Fonseca e a que ilustra a poesia do “magnatune.com”
Standard Podcast [21:51m]: Hide Player Download

sábado, março 22, 2008

Os Andaimes das Ruínas

Joyce, James. Ulysses. Paris: Shakespeare and Co., 1922. Quarto, original blue-green wrappers. Custom half-leather box. $60,000. First edition, one of 750 printed on handmade paper (out of a total edition of 1000).

O escritor irlandês, o James Joyce ortónimo, e o Stephen Dédalus protagonista e alter-ego, construiu entre andaimes o romance que faz regressar o moderno Ulisses. Esse romance é «uma ruína magnífica», como escreveu depois um historiador literário, Walter Allen (O Romance Inglês, Pelicano) . Mas que não dispensou andaimes, sendo esta a palavra que é usada por Ezra Pound para significar toda a estrutura do célebre romance joyceano.
Lendo (aqueles que conseguem fazê-lo!), paciente e longamente, o livro, entender-se-á necessariamente o sentido daquela substantivação de Pound . Mais do que uma obra sobre as ruínas de um dia na vida de Leopold Bloom, estruturada entre andaimes, o que temos são as ruínas do próprio Ulisses, a figura patronímica e tutelar do romance.
As figuras arquetípicas do ancestral Homero, passaram para o moderno Joyce. Da mítica Odisseia passaram para o Odisseu. O mesmo é dizer que passaram do universal para o particular. Do arquétipo mais longínquo para a experiência consolidada de um dia como o 16 de Junho de 1904.
Da arquiescrita anterior, que em Homero consolida a língua, para um jogo de linguagem que em James Joyce já apontava para descodificar um mito.
De um modelo cosmogónico para uns quantos personagens que não deixam de estar, como comuns pessoas urbanas, na crítica à vida do início do passado século XX. Em duas simples palavras, do padrão para a cópia recriadora com os elementos da vida moderna.
Em relação à obra do aedo cego, Homero, pai da Odisseia, o século passado teve no romance de Joyce, Ulisses, a sua explanação concentrada, uma década em um dia de 18 horas.

O princípio:
Ó Musa, fala-me do solerte varão, que, depois, de ter destruído a cidade sagrada de Tróia, andou errante por muitas terras(...), e por sobre o mar.

A viagem de Bloom, o Ulisses de Joyce, teve um início menos acidentado:
Leopold Bloom comia com gosto os órgãos internos de quadrúpedes e aves.(...) Mais do que tudo gostava de rins de carneiro grelhados... (...) -Vou dar um pulo na esquina. De volta num minuto. E depois de ouvir a própria voz acrescentou: -Quer alguma coisa para agora?

Mesmo que uma pessoa não seja leitora assídua do Ulisses, é sabido que Leopld Bloom saiu no dia 16 de Junho a fim de ir ao talho comprar um rim. O célebre esquema de Gilbert ( que interpreta paralelamente as situações da Odisseia e do Ulisses), refere que «Leopold Bloom has breakfast before saying goodbye to his wife Molloy, still in bed.»
Na comparação esquemática elaborada pelo designado «The Gilbert Schema», seguindo a ordem disposta no próprio romance, na II parte da Odisseia, temos a ninfa Calypso e Leopld Bloom. A relação de ambos é oposta. Enquanto na obra clássica de Homero, Calypso, filha de Atlas, guarda languidamente Odisseu em cativeiro durante város anos, Leopold Bloom, a personagem central de Joyce, mantém com sua mulher uma situação de submissão servil, quase invertebrada, levando-lhe à cama o pequeno-almoço, antes de sair.
E nesse dia, que mais tarde se chamou o Bloomsday, disse adeus à sua mulher Molly, que continuava deitada às 8 horas da manhã.
No final da jornada diária, no Ulysses, Leopold entra em casa regenerado, os acontecimentos fizeram-no renascer. Embora a sua «Ithaca», a residência no 7 Eccles Street aonde retorna, continue a ser a rotina e a sua «Penélope» tenha dificuldade em ser uma esposa fiel, não resistindo aos amantes.
Ao contrário, na Odisseia homérica, a esposa de Odisseu resiste aos seus pretendentes, que ao longo dos dez anos de ausência do marido a tentam requestar.

Esta ideia de um renascimento não nos pareceu de todo despicienda. Em um dos três livros raros de poesia de James Joyce, Pomes Penyeach, podemos achar mesmo que estamos a ser devolvidos ao conteúdo de Ulysses.
Designadamente no poema «O Santo Ofício», iconoclasta, anticlerical, irritado contra o catolicismo romano, o qual é, como toda a obra joyceana, uma purga e ao mesmo tempo uma farsa crítica da Irlanda, contra todas as instituições, e uma sátira a W.B.Yeats e a outros intelectuais da sua geração.
Esse poema traz-nos um texto metalinguístico e satírico, construído sobre referências literárias, usadas ad hominem mais do que em louvor, havendo até quem não resista a comparar o seu dizer com as frases de Quevedo, ou recordando outros escritores medievais pela sua irreverência, designadamente contra as indulgências que «tiravam» as almas do Purgatório.
Alguns versos, finalmente, como prova:
«Para entrar no céu, viajar no inferno,\ ser piedoso ou terrível,\ uma pessoa precisa positivamente do alívio\ das indulgências plenárias.»

sexta-feira, março 21, 2008

A pedra a tapar a evidência

Uma pedra a tapar
a evidência, apenas uma pedra
bloco uníssono
de silêncio
Feia, indomada
a pedra a fechar a morte
perante a qual
toda a dúvida se acaba

E no entanto nada há
mais simples
do que a pedra, símbolo
do que queda irresolúvel
Uma pedra branca, granito
não mármore, nem
impossível esmeralda
a pedra a tapar a evidência

Pedra desviada pela música
toque de rosa ou
da imensa Mão celeste
Então a pedra abre-se
ao interior da morte
de onde ao sol passou
o Princípe da Vida.

quinta-feira, março 20, 2008

O Tempo que passou

"O Século Ilustrado", 21 de Abril de 1973

Dia Mundial da Poesia, 21

BlockquoteIntegrado nas Comemorações do Dia Mundial da Poesia, o Grupo Poético de Aveiro irá realizar um recital de poesia na Biblioteca Municipal de Ílhavo no dia 21 de Março pelas 21h30m.
Tema: A poesia de José Régio
Organização: Confraria Camoniana de Ílhavo
GRUPO POÉTICO DE AVEIRO

domingo, março 16, 2008

The Red Wheelbarrow


so much depends
upon

a red wheel
barrow

glazed with rain
water

beside the white
chickens

(William Carlos Williams)




O CARRINHO DE MÃO VERMELHO

tanta coisa se liga
a um

carrinho de mão
vermelho

envernizado com água
de chuva

junto às galinhas
brancas

(Trad. J.T.Parreira)

sábado, março 15, 2008

Despejos

COHRE.ORG


Para onde vamos agora, sem um vaso...
Ralph Ellison


Atirados para a rua
como tralha miúda
no passeio
utensílios domésticos, móveis
que deixaram um espaço
um buraco negro no tempo

Um monte de haveres
e sem coragem para os escalar
uma gaveta que demorou anos a encher
espalha as raízes
de uma vida, uma moldura
oval com sorrisos.

Cadeiras sem outro orgulho
senão o de ficarem de pé
entre as chamas, um fogão
de esmalte, uma mesa
que descansa em quatro pernas
uma cama, um espelho atónito
todos perdidos, entre estranha gente.

7-3-2008

terça-feira, março 11, 2008

Um Epitáfio


“Aquí yace el poeta Vicente Huidobro
Abrid la tumba
Al fondo de esta tumba se ve el mar.”
(Vicente Huidobro)
Aqui repousa o poeta Huidobro
abrir a tumba
para o ver ao fundo a olhar o mar
(Trad. livre J.T.Parreira)

segunda-feira, março 10, 2008

Ulisses entrando em Ítaca


Odisseu o que caminhou em círculos no mar
E prendeu seu corpo e seus ouvidos
No mastro principal
Que não deu orelhas às sereias
E sustentava o leme
Sob as ondas
E com um saco de ventos
Nas velas enfunadas
Entrou em Ítaca
Onde Penélope esperava
Uma vida.
10-3-2008

sábado, março 08, 2008

Dia 8 de Março no Mundo

Luis García Montero:

"Nadie besa dos veces / a la misma mujer"

('Mi futuro y Heráclito') in Vista cansada, Madrid, Visor, 2008

Quando um poeta escreve:

A última carta, Blockquotemas se não voltar a escrever
é porque já me arrumei por dentro.

Ler aqui do meu amigo Brissos Lino

sexta-feira, março 07, 2008

O assalto

Deixaram um pássaro morto
insustentável no ar
morto, na casa devassada
o silêncio que no pássaro
se aninha

O que levaram foi o ouro
dinheiro algumas joías
de família alguns jarrões
da China que pareciam
com a sombra deslizar
à mesma hora sobre os móveis

Era a moradia mais a jeito
com persianas
atrás das quais havia tempo
e não havia nenhuns olhos.

1-2-2008

quarta-feira, março 05, 2008

Papel de Rascunho

papel de rascunho » 2007 » November
... latas do lixo não escondem o mau cheiro. Subo ao primeiro andar; Orelhas sujas dirige-me a navalha… Eu apalpo-lhe todos os relógios furtados. GREGORY CORSO. Tradução: J.T.Parreira

segunda-feira, março 03, 2008

João Cabral de Melo Neto - A Paisagem Zero na Escrita Poética

Letras :

João Cabral de Melo Neto (1920-1999), poeta do Brasil e diplomata, figura representativa e polémica - sempre indisposto contra coisas do seu tempo e da literatura - da Geração de 45, foi, sem dúvida, na quase totalidade da sua obra poética, um desconstrutor de paisagens.
Depois do conhecidíssimo poema “Morte e Vida Severina” e dos cemitérios nordestinos reduziu a paisagem brasileira, social e humana, ao grau zero da existência.
Ele próprio afirmou, pouco antes de morrer, num canal de televisão brasileiro, em entrevista concedida já às escuras - estava quase cego - que fazia poesia com linguagem irónica, sem pena ou lágrimas, que iriam favorecer os cruéis.
Com efeito, J C M N assumiu o compromisso poético social com os excluídos, os deserdados do tecido sócio-económico brasileiro, aqueles homens, mulheres e crianças do Nordeste que sofreram a seca e deram azo a que se escrevesse sobre a geopolítica da fome. Desequilibrou - embora a ideia fosse ao contrário da sua Geração de 45 - os excessos literários do Modernismo brasileiro, enriquecendo no entanto o processo criador juntamente com outro grande poeta social, o autor de Rosa do Povo, Carlos Drummond de Andrade.
Nesta linha de procurar fazer os leitores reflectirem sobre as paisagens da morte, com rostos humanos sofredores - só com um paralelo em algumas grandes telas de Portinari -, criou com certeza inimizades literárias, rarefez o ar social de Pernambuco ao descrever, recriando pela desconstrução do símbolo, da imagem e do referente, os cemitérios nordestinos, por exemplo, neste poema em que ironiza com a morte :
“ Nenhum dos mortos daqui / vem vestido de caixão. / Portanto, eles não se enterram, / são derramados no chão.”
E causou obviamente polémicas, por vezes derivadas da sua tendência para a teorização, mal aceita pelos seus companheiros da Geração de 45, segundo os quais Melo Neto “era um teórico de formação anémica”. Em certo momento, as reacções foram de tal forma deselegantes que, na Revista de Poesia e Crítica, nº 7, de 1981, um dos articulistas afirmou “melhor mesmo é deixar Cabral com o seu realejo de repetir Severinos, ovos de galinha, engenhos, engenhos, ovos de galinha, Severinos.”
Sem dúvida que a grande poesia de ´João Cabral de Melo Neto é formada da repetição até à descontrutividade de um certo Brasil humano que foi tão dramático nos anos 40-60, o dos retirantes em que só o suor não secou, como agora são dramáticas também as realidades das Favelas, dos meninos da rua, dos massacres da Candelária. As paisagens, geofísicas e sociais, reduzidas a zero, pela visão do poeta autor de O Engenheiro, estão, de facto, patentes nos seus versos maiores, como o já referido Morte e Vida…, mas não apenas. Também surgem com enorme força em poemas do livro generalista Educação pela Pedra, ou em poemas dos livros que obedecem ao mesmo compromisso social, como Dois Parlamentos ou O Cão sem Plumas. Exactamente porque a plasticidade dos poemas de Melo Neto é toda nordestina, é a descrição de uma “paisagem zero”, que é no dizer do poeta a terra varrida de defuntos.

domingo, março 02, 2008

Aniversário em Manhattan

Abril 1999


A poucas horas
para os 52,
a sair para a rua que treme
no chão, com sinais de fumo
para o futuro,
com uma esquina que dobra
os pés para a Lexington Avenue,

52 anos cheios
e atrás de mim uma história.

Adiante o futuro e os meus olhos
que vão atrás dos óculos e nuvens
indo e vindo entre o oceano
e Albany.