sábado, março 22, 2008

Os Andaimes das Ruínas

Joyce, James. Ulysses. Paris: Shakespeare and Co., 1922. Quarto, original blue-green wrappers. Custom half-leather box. $60,000. First edition, one of 750 printed on handmade paper (out of a total edition of 1000).

O escritor irlandês, o James Joyce ortónimo, e o Stephen Dédalus protagonista e alter-ego, construiu entre andaimes o romance que faz regressar o moderno Ulisses. Esse romance é «uma ruína magnífica», como escreveu depois um historiador literário, Walter Allen (O Romance Inglês, Pelicano) . Mas que não dispensou andaimes, sendo esta a palavra que é usada por Ezra Pound para significar toda a estrutura do célebre romance joyceano.
Lendo (aqueles que conseguem fazê-lo!), paciente e longamente, o livro, entender-se-á necessariamente o sentido daquela substantivação de Pound . Mais do que uma obra sobre as ruínas de um dia na vida de Leopold Bloom, estruturada entre andaimes, o que temos são as ruínas do próprio Ulisses, a figura patronímica e tutelar do romance.
As figuras arquetípicas do ancestral Homero, passaram para o moderno Joyce. Da mítica Odisseia passaram para o Odisseu. O mesmo é dizer que passaram do universal para o particular. Do arquétipo mais longínquo para a experiência consolidada de um dia como o 16 de Junho de 1904.
Da arquiescrita anterior, que em Homero consolida a língua, para um jogo de linguagem que em James Joyce já apontava para descodificar um mito.
De um modelo cosmogónico para uns quantos personagens que não deixam de estar, como comuns pessoas urbanas, na crítica à vida do início do passado século XX. Em duas simples palavras, do padrão para a cópia recriadora com os elementos da vida moderna.
Em relação à obra do aedo cego, Homero, pai da Odisseia, o século passado teve no romance de Joyce, Ulisses, a sua explanação concentrada, uma década em um dia de 18 horas.

O princípio:
Ó Musa, fala-me do solerte varão, que, depois, de ter destruído a cidade sagrada de Tróia, andou errante por muitas terras(...), e por sobre o mar.

A viagem de Bloom, o Ulisses de Joyce, teve um início menos acidentado:
Leopold Bloom comia com gosto os órgãos internos de quadrúpedes e aves.(...) Mais do que tudo gostava de rins de carneiro grelhados... (...) -Vou dar um pulo na esquina. De volta num minuto. E depois de ouvir a própria voz acrescentou: -Quer alguma coisa para agora?

Mesmo que uma pessoa não seja leitora assídua do Ulisses, é sabido que Leopld Bloom saiu no dia 16 de Junho a fim de ir ao talho comprar um rim. O célebre esquema de Gilbert ( que interpreta paralelamente as situações da Odisseia e do Ulisses), refere que «Leopold Bloom has breakfast before saying goodbye to his wife Molloy, still in bed.»
Na comparação esquemática elaborada pelo designado «The Gilbert Schema», seguindo a ordem disposta no próprio romance, na II parte da Odisseia, temos a ninfa Calypso e Leopld Bloom. A relação de ambos é oposta. Enquanto na obra clássica de Homero, Calypso, filha de Atlas, guarda languidamente Odisseu em cativeiro durante város anos, Leopold Bloom, a personagem central de Joyce, mantém com sua mulher uma situação de submissão servil, quase invertebrada, levando-lhe à cama o pequeno-almoço, antes de sair.
E nesse dia, que mais tarde se chamou o Bloomsday, disse adeus à sua mulher Molly, que continuava deitada às 8 horas da manhã.
No final da jornada diária, no Ulysses, Leopold entra em casa regenerado, os acontecimentos fizeram-no renascer. Embora a sua «Ithaca», a residência no 7 Eccles Street aonde retorna, continue a ser a rotina e a sua «Penélope» tenha dificuldade em ser uma esposa fiel, não resistindo aos amantes.
Ao contrário, na Odisseia homérica, a esposa de Odisseu resiste aos seus pretendentes, que ao longo dos dez anos de ausência do marido a tentam requestar.

Esta ideia de um renascimento não nos pareceu de todo despicienda. Em um dos três livros raros de poesia de James Joyce, Pomes Penyeach, podemos achar mesmo que estamos a ser devolvidos ao conteúdo de Ulysses.
Designadamente no poema «O Santo Ofício», iconoclasta, anticlerical, irritado contra o catolicismo romano, o qual é, como toda a obra joyceana, uma purga e ao mesmo tempo uma farsa crítica da Irlanda, contra todas as instituições, e uma sátira a W.B.Yeats e a outros intelectuais da sua geração.
Esse poema traz-nos um texto metalinguístico e satírico, construído sobre referências literárias, usadas ad hominem mais do que em louvor, havendo até quem não resista a comparar o seu dizer com as frases de Quevedo, ou recordando outros escritores medievais pela sua irreverência, designadamente contra as indulgências que «tiravam» as almas do Purgatório.
Alguns versos, finalmente, como prova:
«Para entrar no céu, viajar no inferno,\ ser piedoso ou terrível,\ uma pessoa precisa positivamente do alívio\ das indulgências plenárias.»

1 comentário:

Alex Mazilu disse...

i admit...this is one of the best books ever.
Regards from RO.
Alex.