terça-feira, janeiro 31, 2006

Judeus de Vilna e o Talmude

O Talmude

Os leitores do Talmude
desenrolam os longos braços
seus olhos usados repetem portas
palavras fechadas
cada silêncio alude
a um mistério
Os leitores do Talmude
param o sábado
nas suas tarefas, param
o livro
a sua língua pousa cansada

segunda-feira, janeiro 30, 2006

O Tempo que passou

Poema à máquina de escrever

Agora que o computador
me desliga, e corrige,
afiando as palavras,
regresso ao perfurador
dos silêncios,
ao deslizar dos dedos
no mínimo pó,
teclas interceptam
o caudal dos pássaros, os
rios que voam até à nuvens,
a Royal rectifica
a realidade.

(J.T.Parreira)


A Feira

Gosto de comprar ovos, grelos e chouriças
na feira.
Balanço a cesta com as letras
frescas, verdes e cheirosas
que saem das goelas do meu povo!

(Ana Maria Costa)

sábado, janeiro 28, 2006

Poema

Escola Primária Vale Escuro,Lisboa, 1958

João

Continua, João.
João para onde?
O coração diz
uma coisa, a boca
emudece.

João, para onde?
Teus olhos de frente
para a forma das nuvens
não sabem.

A geometria do sol
dilata, João
para onde?
A lua já não faz
o lugar do amor.

Continua, João.
até as estrelas
são pedras
volúveis.
Então, para onde?

O céu bate
no teu lado esquerdo
mas a terra é uma
parte excessiva
em todo o teu corpo.

João, continua
por baixo dos olhos
há um rio de lágrimas
mas também lugares
pessoas que amas.

Continua, João
para onde?
A boca pergunta
o coração esconde.

(In semanário Litoral, Aveiro, 1998)

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Mozart no Céu

No dia 5 de Dezembro de 1791 Wolfgang Amadeus Mozart
entrou no céu, como um artista de circo, fazendo
piruetas extraordinárias sôbre um mirabolante cavalo branco.

Os anjinhos atónitos diziam: Que foi? Que não foi?
Melodias jamais ouvidas voavam nas linhas suplementares
superiores da pauta.
Um momento se suspendeu a contemplação inefável.
A Virgem beijou-o na testa
E desde então Wolfgang Amadeus Mozart foi o mais moço dos anjos.

(Manuel Bandeira)

Correspondência vinda por email

Poema sobre a vida de Nâzim Hikmet, recebido hoje da poeta Virna Teixeira

Setembro

do lado de fora, escreve
sobre as prisões que trazia
por dentro

os muros
desmoronam

no calendário
das horas

exilado

na outra dimensão
do tempo.

(Virna Teixeira)

Bom fim de semana!

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Nâzim Hikmet



















Nazim Hikmet, à direita


Some Advice to Those Who Will Serve Time in Prison

To think of roses and gardens inside is bad,
to think of seas and mountains is good.
Read and write without rest,
and I also advise weaving
and making mirrors.

(Excerto)

Alguns conselhos aos que cumprirem pena de prisão

Na prisão pensar em rosas e jardins é mau,
é bom pensar nas montanhas e nos mares.
Ler e escrever sem descanso,
e aconselho também tecer
e fazer espelhos.

(Tradução de J.T.Parreira)

quarta-feira, janeiro 25, 2006

O que Kavafis trouxe à Arte

A propósito da edição recente, no nosso país, de «Os Poemas» de Konstantinos(Costantinos,Konstandinos,etc) Kavafis, pela Relógio de Água, um poema da edição no Brasil, em 1983.

O que eu trouxe à Arte

Eu me ponho a cismar. Sensações e desejos
foi o que eu trouxe à Arte; apenas entrevistos,
alguns rostos e linhas; de amores incompletos,
só a incerta lembrança. A Ela entrego-me,
que sabe afeiçoar a Forma da Beleza,
e quase imperceptivelmente, completar a vida
unindo as impressões, unindo os dias.

(Tradução de José Paulo Paes)

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Correspondência vinda por email

O Poeta é Assim

Para J.T.Parreira

Não, não és tu aquele barco
adernado, às escuras, no lago.

Tu és clara voz que enternece
desde o Poço de Jacob
ao vestido que traz o cântaro.

Prendes-nos a respiração
se lamentas com David
em Kaddish a Absalão.

Ameaças ausentar-te e já
és Dilúvio em nossos olhos.

Tu és a Brisa que cicia
o poema a Nova Iorque
que enlaça o seu pescoço
de altiva mulher de Modigliani.

(Rosa Jurandir Braz)
Poeta evangélica, do Brasil, autora de "Frutos para o meu Amado"

Traduções

Revista Inimigo Rumor, nº 16

Poet

At night, when I cannot sleep,
I count the islands
And I sigh when I come to Rousay
-My dear black sheep.

(Ian Hamilton Finlay, 1925-, poeta escocês)

O Poeta

À noite, quando não consigo dormir,
Eu conto as ilhas
E suspiro quando chego em Rousay
-Minha querida ovelha negra.

(Tradução de Virna Teixeira, na Inimigo Rumor)

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Pontualidade

( Günther Grass)

No rés-do-chão,
uma mulher jovem
cada meia-hora dá
ao seu filho a bofetada.
Por isso
vendi meu relógio,
confio plenamente
na severa mão debaixo;
e tenho agora os cigarros
e o meu tempo controlados.

(Traduzido do castelhano com o alemão-português ao lado)

Eleições

A Eleição

A multidão cruza os braços
no ar, os braços
duplicam-na,

a multidão volta
os olhos - a figura
vencedora paira

sobre a sua vitória;
da multidão
a noite engolirá o resto

e a manhã igual
deitará à rua a multidão,
no anonimato.

22/1/2006

(Publicado no Portal Evangélico, da Aliança Evangélica Portuguesa)

domingo, janeiro 22, 2006

Poema

Alguém lá de cima gosta de mim
os seus olhos
ultrapassam-me e ficam

à minha espera
numa esquina qualquer
do calafrio

os seus ouvidos
velam meus lábios
todas as manhãs

deixa-me voltar
a pensar no dia
a repetir as coisas, sempre

e a tornar a cair
no volumoso veludo
de outra noite

Aqui, sozinho
Alguém lá de cima gosta de mim
Alguém

lá de cima gasta em mim
o seu amor

20/1/2006

sábado, janeiro 21, 2006

The Conspiracy/ A Conspiração

You send me your poems,
I'll send you mine.

Things tend to awaken
even through randon communication

Let us suddendly
proclaim spring. And jeer

at the others,
all the others.

I will send a picture too
if you will send me one of you.

(Robert Creeley, 1926-2005)

Envie-me seus poemas,
enviarei os meus.

As coisas tendem a despertar
até entre uma mensagem, a esmo

Deixe-nos subitamente
proclamar a primavera. E rir

dos outros.
Todos os outros.

Também mandarei um retrato meu
Se você me enviar o seu.

(Tradução de Virna Teixeira)

Bom fim de semana!

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Novidades

*Algumas traduções do poeta norte-americano Robert Creeley, a começar amanhã, pela Virna Teixeira

*Haicais e tradução no Papel de Rascunho, amavelmente editados pela poeta e neurologista brasileira Virna Teixeira

*Poesias publicadas, traduzidas para a língua italiana, na categoria de poeta europeu contemporâneo, no novo L'Angolo della Poesia

*Encontro «A Poesia nos Blogs», Santarém, 4 de Março de 2006, para quem se interessar, no Sete-Mares

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Faria hoje 83, Eugénio de Andrade


Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.

(Eugénio de Andrade)

########

Pôrto

Lençóis de água sob um ventre pando.
Rasgam-se em ondas contra dentes brancos.
Amor.Lascívia. Como o uivo que escorre
das chaminés por gargalos de cobre.
No berço-embocadura barcos presos
aos mamilos de madres de ferro.
À orelha surda dos navios agora
rebrilham brincos de âncora.

(Vladimir Maiakóvski)

(Tradução de Haroldo de Campos)

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Poema


O Mar na minha boca

A tua boca
É para mim um mar calmo
Um mar onde os meus lábios tocam
Com a suavidade de uma pena
Que flutua.
Muitas vezes dou por mim
A contemplar-te
Embevecido.
E tocando-te levemente com os dedos,
Crio em teu corpo ondulações
De prazer.
No teu calor
Eu me desfaço completamente,
Para depois resignado,
Me entregar ao cansaço.

(Nelson Lourenço)

terça-feira, janeiro 17, 2006

O Picasso do Quixote


Picasso

«Picasso/you give us Things»
e.e.cummings

Picasso dá-nos Coisas
que nos desarrumam
os olhos, as linhas correm
paralelas e depois
desviam-se, os rostos
sobretudo os rostos
de repente ficam de lado
as Meninas velhas
uma forma hoje
não é amanhã
Picasso
deixa a cabeça
a nossa, irrequieta.

17/1/2005

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Poema

As Redes Tristes

Para Pablo Neruda

Chamaram dos ramos do mar
os pássaros marítimos
chamaram do fundo
do volumoso silêncio
os peixes, como se fossem
os olhos da noite
Chamou uma sereia de vento e sal
E dos dedos dos pescadores
as redes tristes
saltaram com setas

Decisões simples


This Year
I resolve
to build no weapons of mass destruction
nor to lie about other countries doing so
in order to justify invading them

I resolve
to listen to Bach's violino concertos
early on green sunny summer mornings
and to play John Coltrane late at nigth

(singingmoon.blogspot.com)

domingo, janeiro 15, 2006

Domingo à noite

Nesta noite nada há!

Dou-me ao sono
que caminha no escurecer.
Deus e anjos embalam a alvura.

Sonho
o silêncio de um uivo.

Nesta noite nada há!

(Ana Maria Costa)

sábado, janeiro 14, 2006

O Tempo que passou


sometimes
the typewriter
thinks
for me

and sometimes
i v_i_o_l_e_n_t_l_y
i disagree
violent
ly

(Emmett Williams, Carolina do Sul, 1925_)

às vezes
a máquina de escrever
pensa
por mim

e às vezes
eu, v_i_o_l_e_n_t_a_m_e_n_t_e
eu, discordo
violentando-
-a

(Trad. de jtp)

Bom final de semana!

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Poeta e Tradutora

Eros

tarde de verão, parada
como uma villa na Toscana

na campagna, o movimento das flores

mergulhar na piscina
um frasco transparente com rosas brancas
na casa damiano

os cabelos presos no alto
alguém abotoa seu colar

um vestido de algodão, de alças
sandálias verdes

matizes suaves do amor
uma taça de bellini

o silêncio preciso,
íntimo

(Virna Teixeira)

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Grupo Poético de Aveiro


Edição de 2003

















Escadas Rolantes

(fragmento)

De andar para andar
Há pessoas que crescem no chão
Enquanto outras se apagam
Uma mulher, por exemplo, começa a nascer pela cabeça
E lentamente vai ficando inteira
Até à pontinha da sandália Pablo Fuster
Que estranha arquitectura esta
A dos pés rotos nos calcanhares
Um homem, esse, perde metade das pernas
Depois perde os músculos da caixa torácica
Que sobressaem bem atléticos na t-shirt Hugo Boss
E por último são os óculos de mergulhador que se afundam
Há janelas suspensas entre dois olhares
E um frenético movimento de avestruzes
Um sorriso multi-uso elabora o seu desconto
Ganhando um brinde com sabor a Mon Chéri

(Regina)


Indícios

Um concerto de árvore em árvore
toca o vento
contra outra cigarra
uma cigarra serra o ar
virão do espaço
uma folha com outra folha
riscadas com sabedoria
do ramo mais alto.

terça-feira, janeiro 10, 2006

Uma desconstrução de um mito

Buffalo Bill's
defunct
who used to
ride a watersmooth-silver
stallion
and break onetwothreefourfive pigeonsjustlikethat
Jesus
he was handsome man
and what i want to know is
how do you like you blueeyed boy
Mister Death

(e.e.cummings)

Buffalo Bill
o defunto
que costumava
montar um garanhão
de prata como água macia
e rebentar umdoistrêsquatrocinco pombosdeumavez
oh céus
era um homem bonito
e o que eu desejo saber é
o que lhe parece esse rapaz de olho azul
Senhor Morte

(Traduzido por JTP)

segunda-feira, janeiro 09, 2006

The Parade Ends

Paseos por las calles que revientan,
pues las cañerias ya no dan más
por entre edificios que hay que esquivar,
pues se nos vienen encima,
por entre hoscos rostros que nos escrutan y sentencian,
por entre establecimientos cerrados,
mercados cerrados,
cines cerrados,
parques cerrados,
cafeterías cerradas.
Exhibiendo a veces carteles (justificaciones) ya polvorientos,
CERRADO POR REFORMAS,
CERRADO POR REPARACIÓN.

(Reinaldo Arenas)


domingo, janeiro 08, 2006

O Mártir

Pedras caem em Estevão
os olhos caem em Estevão, sujam
seu último dia

Pedra nenhuma conhece o silêncio
em que transita
mas desfaz o sangue
de Estevão, o seu riso

e o seu corpo, que entrou no chão,
vêem-no morrer
com o coração tranquilo.

e.e.cummings

l(a
le
af
fa
ll

s)
one
l

iness

(1923)

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Igualdade no Espaço

(Fontes: nasa e abrupto)

A Bailarina de Flamenco

(Escultura de Cerezo)


Ela derrama água nos seus pés,
quando dança com o vestido
em chamas,
ela põe fora da boca
o coração cansado.
Seus dedos como os pardais
procuram fugir,
como os sapatos de flamenco
na madeira do soalho.


Bom fim de semana!

As iluminações de Mário Cesariny

O saisons, ô châteux!
Quelle âme est sans défauts?
J'ai fait la magique étude
Du bonheur, qu'aucun n'élude.
Salut à lui, chaque fois
Que chante le coq gaulois.
Ah! je n'aurai plus d'envie:
Il s'est chargé de ma vie.
Ce charme a pris âme et corps
Et dispersé les efforts.
O saisons, ô châteaux!
L'heure de sa fuite, hélas!
Sera l'heure du trépas.
O saisons, ô châteaux!

(Jean-Arthur Rimbaud)

Esta cerveja! essa rua!
A miséria que isto sua!
Mas trago o curso perfeito
Da ventura, dentro do peito.
Saudemo-lo cada vez
Que cantar o galo gaulês.
Ah, é tarefa cumprida:
Está dono da minha vida.
Levou-me alma, corpo, escorços
E dispensa-me de esforços.
Esta cerveja! essa rua!
A hora da fuga, ó sorte,
Será a hora da morte.
Esta cerveja! essa rua!

(Cesariny-Rimbaud)

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Lição do Evangelho

amar os amigos mesmo todos
aqueles que têm cinco
pedras na mão e com elas iniciam
o seu dia
amar os amigos incendiários
que trazem lume ao nosso coração
amar os amigos que envelhecem
sem darmos conta as suas primaveras
amigos que são dádivas
e que nos tomam entre os dedos
os amigos que têm dois pontos tristes
no rosto, em ambas as pupilas
e que soltaram o último alento
sem saberem que vai com eles
o resto da nossa vida.

(J.Francisco Neto)

O Tempo que passou

Lavoisier

Na poesia,
natureza variável
das palavras,
nada se perde
ou cria,
tudo se transforma:
cada poema,
no seu perfil
incerto
e caligráfico,
já sonha
outra forma.

(Carlos de Oliveira)

Bom dia!

terça-feira, janeiro 03, 2006

Poema em ladino, ou Judeo-Espaniol

En el estudio

De la solombra muerta del dia
venimos
a liberar la respiracion.

Entre las paredes pintadas,
entre los tapetes finos,
nuestras manos se unden
en la locura de los muvimintos,
en los caresos de la creacion.

Se forma un circolo de vida
plantando esperansa
en la tierra que espera
a las simintes
a la luvia
a la pasion.

(Margalit Matitiahu)

segunda-feira, janeiro 02, 2006

A mão direita do poeta

«The riches of the poet are equal to is poetry»
Delmore Schwartz


A mão direita do poeta é pesada
mas flutua sobre as nossas cabeças
como a água que derrama
claridade sobre a mesa, a mão
direita do poeta é a sua riqueza
a mão direita do poeta puxa
o mundo para cima, o poeta sonha
com a sua mão direita
quando o vento agita cortinas na janela
e põe gelo nos vidros, a mão direita
do poeta conta a mais pequena sílaba,
o gelo do vento nos vidros
é um gume de silêncio.

De «Vinte e Cinco Poemas à Hora do Almoço»

Poem

Instant coffee with slightly sour cream
in it, and a phone call to the beyond
which doesn't seem to be coming any nearer.
«Ah daddy, I wanna stay drunk many days»
on the poetry of a new friend
my life held precariously in the seeing
hands of others, their and my impossibilities.
Is this love, now that the first love
has finally died, where there were no impossibilities?

1956
(Frank O'Hara)

domingo, janeiro 01, 2006

Tradução

No site I nostri autori, apareceu uma tradução do poema Nada, nem mesmo a chuva.

Nessuno, nemmeno la piogia

Nessuno, nemmeno la piogia
ha gocce così piccole
come le lacrime che si muovono
nel cuore.
E le piccole mani
che vanno sulla faccia
delle madri? Nessuno
come loro ha la chiave
per nubi così piccole.
Nessuno, neppure il silenzio
ha mani così piccole
per aprire questo chiuso dominio.

(Obrigado, à tradutora ou tradutor!)

A Poesia da Geração de 27

Nocturno

Están todas

También las que se encienden en las noches de moda

Nace del cielo tanto humo
que ha oxidado mis ojos

Son sensibles al tacto las estrellas
No sé escribir a máquina sin ellas

Ellas lo saben todo
Graduar el mar febril
y refrescar mi sangre con su nieve infantil

La noche ha abierto el piano
y yo las digo adiós con la mano.

(Gerardo Diego)

El Pájaro

El pájaro? Los pájaros?
Hay sólo un solo pájaro en el mundo
que vuela con mil alas, y que canta
con incontables trinos, siempre solo?
Son tierra y cielo espejos? Es el aire
espejo del aire, y el gran pájaro
único multiplica
su soledad en apariencias miles?
(Y por eso
le llamamos, los pájaros?)
O quizá no hay un pájaro?
Y son ellos,
fatal plural inmenso, como el mar,
bandada innúmera, oleaje de alas,
donde la vista busca y quiere el alma
distinguir la verdad del solo pájaro,
de su esencia sin fin, del uno hermoso?

(Pedro Salinas)