(Gauguin, 1888, A luta de Jacob e o Anjo)
A interminável luta, mãos
entre mãos, a voz
nos olhos de ambos, quando os lábios
estão calados
Jacob e Anjo, a luta
recomeçam golpe a golpe
anjos sem armas
no bálsamo da noite, na íntima
tessitura
da música da água.
11/7/2011
A Poesia é o assunto do Poema - Wallace Stevens . Este Blog não respeita o Acordo Ortográfico.
terça-feira, julho 12, 2011
quarta-feira, julho 06, 2011
Os Meninos Judeus
por su extrema delgadez y la expresión de sus rostros parecieran ancianos.
Yad be Yad
Os meninos judeus levantam as mãos
desde o fundo do poço
magros de carinho
secos por dentro
acondicionados no incompreensível
persistem ainda em agarrar
uma estrela qualquer
mas só lhes resta uma
baça
de pano amarelo
cozida na roupa.
6/7/11
Inédito de Brissos Lino
Yad be Yad
Os meninos judeus levantam as mãos
desde o fundo do poço
magros de carinho
secos por dentro
acondicionados no incompreensível
persistem ainda em agarrar
uma estrela qualquer
mas só lhes resta uma
baça
de pano amarelo
cozida na roupa.
6/7/11
Inédito de Brissos Lino
domingo, julho 03, 2011
O último sorriso de Sylvia Plath
O que vejo é um sorriso aberto
como uma ave que plana
sobre as ondas
que o vento levanta no deserto
como um animal que recebe a brisa
de olhos fechados
como um dia rasgado, quando se abre
a claridade nas cortinas
O que vejo
é um rosto claro
como um campo de Cnossos
onde o Minotauro fecha o labirinto.
2/7/2011
como uma ave que plana
sobre as ondas
que o vento levanta no deserto
como um animal que recebe a brisa
de olhos fechados
como um dia rasgado, quando se abre
a claridade nas cortinas
O que vejo
é um rosto claro
como um campo de Cnossos
onde o Minotauro fecha o labirinto.
2/7/2011
sexta-feira, julho 01, 2011
Gosto de Música
gosto de música
gosto muito de música
mas não sei se
gosto de gostar de música
porque não gosto de matemática
nem de ciências exactas
gosto de sentir a música
a mexer-se-me nas tripas
a acelerar-me a pulsação
a aquecer-me a pele
gosto de fechar os olhos
e ser soprado para outros mundos
na vertigem da música
sentar-me numa nuvem
na largueza dos espaços
gosto de subir à maior montanha
sem esforço
ao colo da música
e relativizar daí as minudências
da vida rasteira
gosto de ver a dança dos pássaros
e o bailar das ondas
na música
a criança que chora
o velho que tem medo
o jovem que pula
a mulher que ri
e as folhas que se soltam da mãe árvore
no Outono
gosto de ver a Lua branca
as águas calmas do lago
a noiva no altar
e o bezerro no prado
gosto de ti, musa
mulher
a minha música.
29/6/11
Poema inédito de Brissos Lino
gosto muito de música
mas não sei se
gosto de gostar de música
porque não gosto de matemática
nem de ciências exactas
gosto de sentir a música
a mexer-se-me nas tripas
a acelerar-me a pulsação
a aquecer-me a pele
gosto de fechar os olhos
e ser soprado para outros mundos
na vertigem da música
sentar-me numa nuvem
na largueza dos espaços
gosto de subir à maior montanha
sem esforço
ao colo da música
e relativizar daí as minudências
da vida rasteira
gosto de ver a dança dos pássaros
e o bailar das ondas
na música
a criança que chora
o velho que tem medo
o jovem que pula
a mulher que ri
e as folhas que se soltam da mãe árvore
no Outono
gosto de ver a Lua branca
as águas calmas do lago
a noiva no altar
e o bezerro no prado
gosto de ti, musa
mulher
a minha música.
29/6/11
Poema inédito de Brissos Lino
sexta-feira, junho 24, 2011
Escrito na véspera do meu 32º aniversário
Poema de Gregory Corso
Eu amo poesia, porque me faz amar
e apresenta-me a vida
E de todos os incêndios que morrem em mim,
há um que lavra como o sol;
pode não ser toda a minha vida
minha relação com as pessoas
ou meu comportamento perante a sociedade,
mas ela diz à minha alma que tem uma sombra
Tradução de J.T.Parreira
“Write on the Eve of My 32nd Birthday”:
I love poetry because it makes me love
and presents me life
And of all the fires that die in me,
there’s one burns like the sun;
it might not make day my personal life
my association with people
or my behavior toward society,
but it does tell me my soul has a shadow
quinta-feira, junho 23, 2011
Fazer Poesia Social com lirismo
Manuel Bandeira acabou por ensinar a fazê-la, mas não correu riscos de fazer a poesia social cair no execrável panfletarismo a que muitos poetas cedem. O exemplo é o poema “O Bicho”.
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
(1947, Belo Belo)
Aqui, ainda que pareça, não é metáfora, nestes versos de matiz social, a personagem que desde o primeiro verso percorre o poema, como uma entidade que paira supra poema ( o poeta viu “ontem”, a memória a doer), é factual.
Existe até final do breve poema a desconstrução da ideia que poderia ter-se, talvez na obscuridade, talvez na névoa da manhã cedo, de que quem procura no lixo é um animal vadio, e também a desrealização da narrativa poética para uma narrativa social sobre o último limiar da pobreza.
A frase do desvendamento é uma exclamação do espanto do poeta. Manuel Bandeira, que através do seu forte lirismo de acento modernista, já havia feito incursões belíssimas no verso social, com expressões de solidariedade pelo elemento dos desvalidos, dos pobres, dos suburbanos, das pobres mulheres da rua, em versos como: “Beco...fôste rua de mulheres? / Todas são filhas de Deus!”, “Não sou mais digno de respirar o ar puro dos currais da roça”, “Pálidas meninas/Sem olhar de pai”, “Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas”.
Agora é absolutamente declarativo: “O bicho, meu Deus, era um homem”, sem sinal de exclamação, uma vez que esta é interior, faz parte da diegese, digamos assim, poética; é o próprio verso toda uma exclamação.
Houve exegetas da poesia bandeireana, designadamente deste poema, que concordaram em que o sofrimento aqui não é do homem que procura comida nos restos, da civilização e do consumismo, do desperdício e da riqueza, que não cheira, não examina o que encontra, ao contrário, engole “com voracidade”, dizem esses intérpretes que o sofrimento é do próprio poeta.
22/6/2011
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
(1947, Belo Belo)
Aqui, ainda que pareça, não é metáfora, nestes versos de matiz social, a personagem que desde o primeiro verso percorre o poema, como uma entidade que paira supra poema ( o poeta viu “ontem”, a memória a doer), é factual.
Existe até final do breve poema a desconstrução da ideia que poderia ter-se, talvez na obscuridade, talvez na névoa da manhã cedo, de que quem procura no lixo é um animal vadio, e também a desrealização da narrativa poética para uma narrativa social sobre o último limiar da pobreza.
A frase do desvendamento é uma exclamação do espanto do poeta. Manuel Bandeira, que através do seu forte lirismo de acento modernista, já havia feito incursões belíssimas no verso social, com expressões de solidariedade pelo elemento dos desvalidos, dos pobres, dos suburbanos, das pobres mulheres da rua, em versos como: “Beco...fôste rua de mulheres? / Todas são filhas de Deus!”, “Não sou mais digno de respirar o ar puro dos currais da roça”, “Pálidas meninas/Sem olhar de pai”, “Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas”.
Agora é absolutamente declarativo: “O bicho, meu Deus, era um homem”, sem sinal de exclamação, uma vez que esta é interior, faz parte da diegese, digamos assim, poética; é o próprio verso toda uma exclamação.
Houve exegetas da poesia bandeireana, designadamente deste poema, que concordaram em que o sofrimento aqui não é do homem que procura comida nos restos, da civilização e do consumismo, do desperdício e da riqueza, que não cheira, não examina o que encontra, ao contrário, engole “com voracidade”, dizem esses intérpretes que o sofrimento é do próprio poeta.
22/6/2011
quarta-feira, junho 15, 2011
O Banho (no Miño)
Poema de Francisco X.Fernández Naval
Tomávamos banho nele
mas sempre lhe tivemos medo
que havia lodo no fundo
e os pés resvalavam nos seixos
e no escuro
e tinha charcos e água a borbulhar
e entre as pontes
remoinhos do mistério.
Dizíamos cantigas populares
porém tremíamos
e regressávamos de autobus vermelho
cheirando a lama fresca, a urzes e saibro
Tínhamos medo
de nos vermos meninos
nos olhos velhos do rio,
no silencioso sangue
das poças,
evitávamos o seu abraço de estío e de sargaço,
de poço,
de remoinho escuro.
(Tradução de J.T.Parreira)
sexta-feira, junho 10, 2011
Os Olhos do Medo
“O medo teria olhos” (J.T.Parreira)
Os olhos do medo brilham na noite escura
desconstroem silêncios
afiam arestas vivas
param o sangue nas veias
raspam as paredes da alma
com garras afiadas
os olhos do medo provocam um som cavo
e raro
anunciam um futuro às arrecuas
são olhos ofídios que nos sugam
o ar
mas eu sei de pálpebras que tapam
os olhos do medo.
10/6/11
Inédito de Brissos Lino
Lasar Segall, introdutor do Expressionismo no Brasil
Os olhos do medo brilham na noite escura
desconstroem silêncios
afiam arestas vivas
param o sangue nas veias
raspam as paredes da alma
com garras afiadas
os olhos do medo provocam um som cavo
e raro
anunciam um futuro às arrecuas
são olhos ofídios que nos sugam
o ar
mas eu sei de pálpebras que tapam
os olhos do medo.
10/6/11
Inédito de Brissos Lino
Lasar Segall, introdutor do Expressionismo no Brasil
quinta-feira, junho 02, 2011
Banho de Mar
Começam por entrar as pernas
nuas hesitantes
e fincam-se como Rodes sobre o Egeu
a cintura depois
de inundados os calções
por fim o próprio umbigo
cordão que sempre nos ligou à vida
os braços nus abraçam
o que do sal começa a fervilhar na onda
como um feixe de dedos nossas mãos
vão abrindo sulcos na imaginação
até ao horizonte.
2/6/2011
sábado, maio 28, 2011
Palavras ferozes
.
“Há palavras impossíveis de escrever”
Cesariny
Há palavras impossíveis de escrever
fazem ranger
nos ossos a realidade
sujam os olhos
como um mau cheiro
corrompem os ouvidos
Morte é uma dessas
impossível
se disser, a morte da criança
abala como um tremor de terra
o coração
terrível a palavra Abismo
que às vezes sentimos nos joelhos
ou a Queda que fez a solidão
no Paraíso.
Poema publicado ineditamente in A Ovelha Perdida
“Há palavras impossíveis de escrever”
Cesariny
Há palavras impossíveis de escrever
fazem ranger
nos ossos a realidade
sujam os olhos
como um mau cheiro
corrompem os ouvidos
Morte é uma dessas
impossível
se disser, a morte da criança
abala como um tremor de terra
o coração
terrível a palavra Abismo
que às vezes sentimos nos joelhos
ou a Queda que fez a solidão
no Paraíso.
Poema publicado ineditamente in A Ovelha Perdida
quarta-feira, maio 25, 2011
Exposição de Pintura
Um pássaro fractal
sai da parede
um campo de algodão enche
os nossos ouvidos de silêncio
ao lado o rio parte
o estado dos olhos e da alma
do Narciso
a olharem de través
dois olhos num umbigo
e num espelho uma mulher que ocupa
os quatro cantos
Magritte se esfuma num cachimbo
e um trapézio
num corpo de ave.
que esvoaça de fugida.
24/5/2011
Publicado ineditamente em A Ovelha Perdida
sai da parede
um campo de algodão enche
os nossos ouvidos de silêncio
ao lado o rio parte
o estado dos olhos e da alma
do Narciso
a olharem de través
dois olhos num umbigo
e num espelho uma mulher que ocupa
os quatro cantos
Magritte se esfuma num cachimbo
e um trapézio
num corpo de ave.
que esvoaça de fugida.
24/5/2011
Publicado ineditamente em A Ovelha Perdida
sábado, maio 21, 2011
O que o Quixote vê
Quem carrega contra os moinhos
e tece armaduras gigantes
e não vê asas nas velas
à volta
dos olhos de Quixote
Quem investe com que lança
com seu coração nos olhos
quem tange o sonho dentro
de um túnel de vento
no vento que circula nos moinhos
Seria assombroso
assustá-los com uma pena
um cavalo rocinante , com flancos
de bronze.
5/5/2011
e tece armaduras gigantes
e não vê asas nas velas
à volta
dos olhos de Quixote
Quem investe com que lança
com seu coração nos olhos
quem tange o sonho dentro
de um túnel de vento
no vento que circula nos moinhos
Seria assombroso
assustá-los com uma pena
um cavalo rocinante , com flancos
de bronze.
5/5/2011
quarta-feira, maio 11, 2011
Livros são como vinhos
Aquilino Ribeiro, sobre os livros que escreveu: “ foram como vinhas que plantasse.”
Bons livros são como vinhos
vintage
que escorrem pela imaginação abaixo
em breves momentos
de prazer e glória
laboriosamente formados
com o dedos da alma
durante meses de afecto
são bibliotecas de Baco
que elevam os olhos
à loucura breve.
7/5/11
Poema inédito de Brissos Lino
Bons livros são como vinhos
vintage
que escorrem pela imaginação abaixo
em breves momentos
de prazer e glória
laboriosamente formados
com o dedos da alma
durante meses de afecto
são bibliotecas de Baco
que elevam os olhos
à loucura breve.
7/5/11
Poema inédito de Brissos Lino
sábado, maio 07, 2011
O Salmo
Quem vem por cima do vento
tangendo uma harpa
quem vem tangendo nuvens
na harpa, como na sua casa
quem vem
tangendo a harpa como se derramasse
sobre a terra um vaso de água de cristal
quem vem a tanger a sua harpa
espalhando asas pelo ar
e a excitar o gineceu das rosas.
3/5/2011
quinta-feira, abril 28, 2011
A Porta de Samaria
Cristo e a mulher de Samaria de Juan de Flandes, Sec. XV
À porta de Samaria recolhia ele
despojos antigos
alguns traumas assírios
ódios de estimação
e anunciava o reino aberto
à beira do poço
contava ele
formigas no carreiro
ao cantar das águas
como quem escreve
no chão do templo
aos pés da Samaritana
colava ele
inúmeros cacos de vida breve
quebrados na esquina
das incompreensões
e colava as sandálias da paz
nuns pés doridos
de mulher.
26/4/11
Inédito de Brissos Lino
À porta de Samaria recolhia ele
despojos antigos
alguns traumas assírios
ódios de estimação
e anunciava o reino aberto
à beira do poço
contava ele
formigas no carreiro
ao cantar das águas
como quem escreve
no chão do templo
aos pés da Samaritana
colava ele
inúmeros cacos de vida breve
quebrados na esquina
das incompreensões
e colava as sandálias da paz
nuns pés doridos
de mulher.
26/4/11
Inédito de Brissos Lino
segunda-feira, abril 25, 2011
A Pedra
Muito pouco tem sido dito
sobre a pedra, uma
fronteira do sepulcro
uma forma densa do não
muito pouco
perante as circunstâncias
se tem dito sobre a pedra
surda e um olho cego no dia
da ressurreição
não se entrava nem saía
dessa pedra, e no entanto
foi uma gota de água
como uma folha branda
um cristal tocado pela imensa
Mão, uma claridade
no primeiro dia da semana.
24/4/2011
domingo, abril 17, 2011
Almofada
Almofada
De dia subimos os nossos montes
cada distância mais longe
depois de deitada a nossa cabeça
num novelo de nuvens
por dentro e por fora
um sonho bordado.
16/4/2011
De dia subimos os nossos montes
cada distância mais longe
depois de deitada a nossa cabeça
num novelo de nuvens
por dentro e por fora
um sonho bordado.
16/4/2011
segunda-feira, abril 04, 2011
segunda-feira, março 28, 2011
Ondas Alterosas
sábado, março 19, 2011
Mulher sentada entre flores

O teu rosto entrega-me a paz
redonda doçura entre cabelos
quando cerras os olhos
fico fechado dentro deles
nas tuas mãos
cruzadas mãos trabalhadoras
tropeça a minha ternura
sozinha
tens o sol do teu lado
como um muro de ouro
por onde o sonho se atravessa
e fico em silêncio contigo.
18/3/2011
terça-feira, março 15, 2011
O Pincel de Picasso

a luz branca que penteia
os cabelos das Meninas
como vejo no pincel de Picasso
como vivem
Les Demoiselles d' Avignon
Não como no pincel de Van Gogh
onde nem sempre os amarelos
são alegrias puras
No pincel de Arles vejo
a dança do vento
na anatomia dos trigos
e o sol que se estende
nas pétalas dos girassóis
e a morte que parte o céu
vejo no pincel de Van Gogh
os corvos e auto-retratos
despenteando o silêncio.
15/3/2011
domingo, março 13, 2011
Aquário

através do vidro, vai apertando as vozes
até ao murmúrio
no silêncio bóiam dentro da luz
nocturnos rostos
com mais uma noite às costas
eu acho que sei o que é o silêncio
nos olhares à espera do sono
nas mãos que, por vezes, compõem
o sorriso que pende da flor dos lábios.
8/3/2011
Sobre "Nighthawks", de Edward Hopper
terça-feira, março 08, 2011
Noite
é redonda a face larga da noite
e as suas asas
porque tem asas,
ou ela não escaparia
à apreensão à estreiteza dos abraços
resistente aos meus olhos
como o mar aos penhascos
e sobre a areia desenhando sulcos
a noite está só e tem só
o que o silêncio lhe empresta
como fome voraz que tudo devorou
tudo menos
o espanto hirsuto do poeta
5/03/11
Inédito de Rui Miguel Duarte
e as suas asas
porque tem asas,
ou ela não escaparia
à apreensão à estreiteza dos abraços
resistente aos meus olhos
como o mar aos penhascos
e sobre a areia desenhando sulcos
a noite está só e tem só
o que o silêncio lhe empresta
como fome voraz que tudo devorou
tudo menos
o espanto hirsuto do poeta
5/03/11
Inédito de Rui Miguel Duarte
sábado, março 05, 2011
Silêncio, poema de Billy Collins

Há o súbito silêncio da multidão
sobre o jogador imóvel no estádio,
e o silêncio da orquídea.
O silêncio do jarrão caindo
antes de se dividir no solo,
o silêncio do cinto enquanto não bate no menino.
O sossego do copo e da água dentro dele,
o silêncio da lua
e a quietude do dia longe do estrondo do sol.
O silêncio quando estou contigo no meu peito,
o silêncio da janela que pode espreitar-nos,
e o silêncio quando te levantas e te afastas.
E eis o silêncio desta manhã
que parti com a minha esferográfica,
um silêncio acumulado toda a noite
como a neve que cai na sombra da casa -
o silêncio antes de ter escrito uma palavra
e agora o mais pobre dos silêncios.
Trad. J.T.Parreira
quarta-feira, março 02, 2011
O Palhaço

(Henry Miller, O sorriso aos pés da escada)
Ar de menino desajeitado
pernas frouxas
pés que caminham para sítios diferentes
a perguntar emoções
assim vai o poeta da flor amarela
no chapéu minúsculo
pendura um sorriso rasgado
no rosto triste
quer fazer feliz a criança que nos habita
desde sempre
mesmo quando no fim do espectáculo
ressoam palmas
e murmúrios de troça.
1/3/11
Brissos Lino
quarta-feira, fevereiro 23, 2011
Granada

De barco vou a Granada
no rio de músculos de um cavalo
figueiras e girassóis
curvam o vento em viagem
Vou de barco para Granada
vou pela água
dos meus olhos, ver um poeta e a sombra
do seu corpo na mortalha
de um muro de cobre e de cristal
e a sua cara
na fresca manhã da morte.
(do livro inédito, a ser escrito, "À porta das Cidades" )
sexta-feira, fevereiro 18, 2011
Folhas Letras & Outros Ofícios, nº 13

quarta-feira, fevereiro 16, 2011
Desconstrução
domingo, fevereiro 13, 2011
Um Domicílio em Paris
A água do Sena como um domicílio
o rio imóvel é um espelho
sujo, até às luzes
que lhe dão o colorido das estrelas
e os barcos
desenham pequenas paisagens na água
um acordeão nas águas
quando uma barcaça passa
e outro ao longe o som enreda
na noite a música inefável.
(do livro em preparo "À Porta das Cidades" ou "Partida para Tróia")
o rio imóvel é um espelho
sujo, até às luzes
que lhe dão o colorido das estrelas
e os barcos
desenham pequenas paisagens na água
um acordeão nas águas
quando uma barcaça passa
e outro ao longe o som enreda
na noite a música inefável.
(do livro em preparo "À Porta das Cidades" ou "Partida para Tróia")
A Ponte dos Suspiros

Veneza se desmorona e desnuda
cai na luz escura
dos canais, castelos de areia
a porta dos velhos Doges
A Ponte dos Suspiros corre
em pedaços, cada pedra
um ai, vinte milhões
de olhos por ano a consomem
num mar de imagens serenas.
(do livro em preparo "À porta das Cidades" ou "Partida para Tróia" (provisórios)
terça-feira, fevereiro 08, 2011
Nem sempre os pés desistem

para ficar de frente aos outros
a convergir
nem sempre param
para escutar dores e estórias
de outros andarilhos da vida
e aventura
esquecem-se muito de partilhar a jornada
deixam escapar as alegrias
da comunhão
mas acabam por concluir que o chão
que pisam homens e cavalos
é duro para todos.
2/2/11
Inédito do poeta residente Brissos Lino
sexta-feira, janeiro 28, 2011
A Mãe

Era a morte envergonhada
escondida nestes rostos
tão próximos do chão
pequenos corpos, um dia saberemos
como a morte com sapatos precários
caminhou nestes corpos infantis
como a morte se vergou
nestas costas ao peso
do inverno
Era a morte já tão arruinada
nestas roupas, um dia saberemos
como foram lentos os seus passos
a querer retardar a pressa
dos relógios.
27-1-2011
domingo, janeiro 23, 2011
Não estou a chorar, Mãe

é a minha alma que cai pelas faces
Sabes, Mãe? Os meus olhos são teimosos
não se fecham com facilidade
nem quando gotas salgadas
se desprendem do vento
ou quando as árvores
rompem em gorjeios
As lágrimas, Mãe, não são o que parecem
são o amor da alma por esse corpo
que se limita a morrer
Não, não estou a chorar, Mãe
é o silêncio que se torna sólido
este teimoso silêncio
da lágrima.
quinta-feira, janeiro 20, 2011
Almoço na Relva
segunda-feira, janeiro 10, 2011
O Beijo no Bosque
domingo, janeiro 09, 2011
O Anjo Indispensável
“I am the necessary angel of earth”
Wallace Stevens
“O anjo necessário/entende a voz do chão”
Cassiano Nunes
O anjo indispensável
estendeu a sua voz no chão
como um almoço sobre a relva
e dos pequenos animais ao espírito
do homem, se entendia a frase
porque era colírio, alfazema, a sua voz
porque ela embalava estrelas pueris
nos nossos olhos, desfazia
os gestos trágicos que trazemos
o anjo indispensável
também cantava, como canta o mar
alto ao lançar de si pequenas ondas
e ao cantar, para o ouvir, a noite
se inclinava ao anjo indispensável
com suas palavras lavadas.
3/1/2010
Wallace Stevens
“O anjo necessário/entende a voz do chão”
Cassiano Nunes
O anjo indispensável
estendeu a sua voz no chão
como um almoço sobre a relva
e dos pequenos animais ao espírito
do homem, se entendia a frase
porque era colírio, alfazema, a sua voz
porque ela embalava estrelas pueris
nos nossos olhos, desfazia
os gestos trágicos que trazemos
o anjo indispensável
também cantava, como canta o mar
alto ao lançar de si pequenas ondas
e ao cantar, para o ouvir, a noite
se inclinava ao anjo indispensável
com suas palavras lavadas.
3/1/2010
sábado, janeiro 01, 2011
Os Gatos do Hemingway à chuva e ao sol

Os gatos do Escritor, melhor, a descendência ininterrupta dos gatos do Escritor. Dezenas, com vida própria e cemitério, e tudo.
Gatos com nomes: "Spencer Tracy", "Catherine Hepburn", gatos -actores que sabem estar sob a admiração dos olhares dos visitantes, gatos sobre as camas e os sofás, desinteressados de quem os olha, gatos com poses.
Como este gato do "post-card", que bebe a quase cristalina água de mármore que escorre em mil fios, desde sempre.
Há uma presença, a do Escritor, nesta Casa, há... mas é o nosso imaginário que a vai reconstruindo. O eco do tiro de caçadeira fica muito longe, em Idaho, aqui é a Florida, a derradeira ilha com vista para Cuba.
sábado, dezembro 18, 2010
Haicai, escrito em Miami
Sob as palmeiras
vejo o rumo do vento,
que amacia as folhas.
Miami Beach, 18-12-2010
Haicai, escrito Miami
A lua aveludou
o céu: ah prepara um leito
para a minha noite.
Miami Beach, 17-12-2010
o céu: ah prepara um leito
para a minha noite.
Miami Beach, 17-12-2010
segunda-feira, dezembro 06, 2010
Viagem às Origens do Ser

domingo, novembro 21, 2010
Conselhos de Circe a Ulisses
terça-feira, novembro 16, 2010
Play
Poema de Adriana Fernandez Lagoa
Juguemos a que el mundo se despierta
y nadie sabe adónde fue la muerte,
todos sucumben a la estruendosa vida
que aguarda en los estanques
donde ahogarse fue imposible.
Juguemos a que los insensatos sueños son factibles,
y a que la lluvia no cesó ni el sol se puso.
Juguemos a este juego ...
(Escrito em Madrid, 15/11/2010)
PLAY
Brinquemos ao jogo do mundo que desperta
e ninguém sabe aonde foi a morte,
todos sucumbem ao estrépito da vida
que aguarda em charcos
onde o afogamento é impossível.
Joguemos a que os sonhos insensatos são viáveis,
e que a chuva não cessou nem o sol caiu.
Joguemos a este jogo...
(Traduzido por J.T.Parreira)
Juguemos a que el mundo se despierta
y nadie sabe adónde fue la muerte,
todos sucumben a la estruendosa vida
que aguarda en los estanques
donde ahogarse fue imposible.
Juguemos a que los insensatos sueños son factibles,
y a que la lluvia no cesó ni el sol se puso.
Juguemos a este juego ...
(Escrito em Madrid, 15/11/2010)
PLAY
Brinquemos ao jogo do mundo que desperta
e ninguém sabe aonde foi a morte,
todos sucumbem ao estrépito da vida
que aguarda em charcos
onde o afogamento é impossível.
Joguemos a que os sonhos insensatos são viáveis,
e que a chuva não cessou nem o sol caiu.
Joguemos a este jogo...
(Traduzido por J.T.Parreira)
quinta-feira, novembro 11, 2010
Os olhos de um neto
quarta-feira, novembro 10, 2010
Dá-me os teus olhos

tomaram-me descuidado, olhos
maiores que o meu olhar
desprevenido, como tão
silencioso entraste no meu peito
Como posso agora
que estou preso a ti por limos
verdes, invisíveis, desprender-me?
O teu olhar continuará
a prender-me a esta matéria branda
que sai da minha boca
e que se chama vida.
9/11/2010
sábado, outubro 30, 2010
Hiroshima, Meu Amor
Cinco poetas de entre os rios
"Tenho pousado o ouvido sobre o coração/ da terra. /Falava de amor, do seu amor/pela chuva,/ a terra." - Sherko Bekas, poeta da resistência curda.
Ouvintes das línguas árabes, tanto a língua dos média, como a do Corão, não consideramos que as mesmas sejam muito felizes para a fala poética.
O idioma árabe, de um modo geral, é áspero e gutural, mas a significação e a intimidade das palavras podem ser preciosas e então, como diria o poeta William Carlos Williams, ouve-se o sentido, quer seja em tradução para o português, inglês ou o italiano.
Os versos com os quais abrimos este artigo, sugerem-nos essa dimensão em que o sentido se transforma em sentimento da pátria, embora nos apareçam numa terceira língua de chegada (foram traduzidos do italiano).
A forma expressiva, até a irregularidade da sua métrica, seja como for propiciam o cântico, e, sobretudo, não se distanciam dos recursos da poética moderna. O seu autor, Sherko Bekas, nascido em 1940, ministro da Cultura da Região autónoma do Curdistão iraquiano em 1992, reúne na sua actividade poética o lirismo e a luta da resistência curda, o som telúrico de alguma da sua poesia não evidencia nenhum desusado bucolismo, é mais poesia para preparar a terra para um combate pela identidade.
Ibrahim Ahmad, considerado o maior romancista curdo contemporâneo, ao definir a poesia da nação curda e iraquiana, stricto sensu, abriu-lhe um amplo leque de abrangência de géneros que radicam na poesia mística, apologética, satírica, na poesia de amor, nos cânticos do matrimónio, das festividades e do luto. Uma poesia de liberdade também, que vem já de antes do império otomano e seguiu depois da dissolução deste e do Curdistão nos últimos 80 anos, com os vários géneros poéticos disseminados no Iraque, principalmente.
Também esse escritor, enquanto poeta elabora sobre uma poética de identificação com a terra - "Juro sobre este Curdistão de mil cores/sobre esta terra que é o meu paraíso", estabelecendo a identidade de um Pesh merga que resiste aos invasores da sua pátria. Os "resistentes" curdos, como a própria expressão Pesh merga indica, estão sempre de fronte erguida para a morte.
Não vou viver como servo
pleno de vergonha e ira.
Salvarei o meu país, o meu povo
com a vida pagarei a liberdade.
Não ferirei,nem usarei armas.
Vencerei ou morrerei.
Mas na sua língua poética, a poesia curda comunica entre si outro género de preocupações de origem filosófica, quando não mesmo radicadas num sentido histórico religioso.
De facto, preocupações ontológicas e metafísicas aliadas às raízes da ancestralidade. Por exemplo, sobre o bíblico Jardim do Éden, verde, num vale escondido do rio Tigre, rico em água, plantas e animais, na que foi a Alta Mesopotâmia onde esteve a primeira aldeia do mundo, e que se transformou num deserto por culpa de sistemáticos etnocídios – segundo a opinião de Laura Schrader, jornalista que desde 1975 denuncia as trágicas condições do povo curdo e tem dado a conhecer a sua cultura e os seus trabalhos poéticos.
"Somos roseiras nos vinhedos do paraíso do Oriente/ somos o sol que arde na escuridão da noite/ (…) somos o Eufrates, que brota de remotos milénios" - Sheikhmus Husayn, um dos poetas já falecido e mais amado no Curdistão Setentrional, autor de 7 volumes de poesia, que assinava com o pseudónimo de Gegherxuin (Coração Destroçado).
"Súplicas, salmos, ex-votos brindámos nessa hora
Pão, vinho e tâmaras da Babel embriagante
E de rosa o encanto
Logo aos teus olhos orando, oferenda imolámos
Da lágrima ardente em dilúvio as gotas juntámos
–Um rosário de pranto." – Cânticos à Dor, de Nazik Al-Malaika
Desta poetisa, nascida em Bagdade em 1923, a poesia tomou o rumo dos caminhos da introspecção ontológica, levando o pessimismo poético quase ao limite de uma linguagem filosoficamente estóica, de suporte de uma dor intensa, mas também intensamente lírica.
Nazik é a poetisa da tragédia da vida. No entanto, quando publicou a sua primeira antologia há mais de 50 anos, ao utilizar o vocábulo "noite", tornou-o símbolo de poesia, imaginação, sonho, beleza das estrelas, do prodígio do luar sobre o bruxuleante Tigre.
Outros poetas do Iraque, a maioria vivendo no exílio – diz-se que na década de 90 ficaram apenas cinco a residir no país – contudo escrevem uma poesia que caracterizou o estilo poético iraquiano, o qual é classificado desde o tradicional ao moderno, passando pelos limites do experimental, com temas que cobrem territórios comunicacionais como o amor, a guerra, as antigas sanções da ONU, o fascismo, a tortura, a prisão, o exílio, etc.
De resto, desde 1960, que os poetas iraquianos mais conhecidos (aqueles dos quais procuramos aqui dar notícia) introduziram na sua poética um novo imagismo, novas métricas e sensibilidades, como os poetas de todo o mundo.
Sempre visível, porém, a intertextualidade e uma espécie de vasos comunicantes, nos poemas comprometidos, nos cânticos populares e na poesia chamada de autor, alimentando no fundo uma poética com a marca da identidade de quem luta para manter intacta essa mesma identificação com uma cultura, património da humanidade.
A poesia de Latif Hamet, outro poeta Pesh merga, testemunha esse sentido de uma luta que nos parece ancestral, telúrica e, nem por isso, desprovida de lirismo universal, ainda que seja uma poética datada e muito regional:
Eu vou mãe.
Se não regressar,
serei flor desta montanha
torrão de terra
para um mundo
maior do que este
(…)
Eu vou mãe.
Se não regressar,
a minha alma será palavra
para todos os poetas.
Ouvintes das línguas árabes, tanto a língua dos média, como a do Corão, não consideramos que as mesmas sejam muito felizes para a fala poética.
O idioma árabe, de um modo geral, é áspero e gutural, mas a significação e a intimidade das palavras podem ser preciosas e então, como diria o poeta William Carlos Williams, ouve-se o sentido, quer seja em tradução para o português, inglês ou o italiano.
Os versos com os quais abrimos este artigo, sugerem-nos essa dimensão em que o sentido se transforma em sentimento da pátria, embora nos apareçam numa terceira língua de chegada (foram traduzidos do italiano).
A forma expressiva, até a irregularidade da sua métrica, seja como for propiciam o cântico, e, sobretudo, não se distanciam dos recursos da poética moderna. O seu autor, Sherko Bekas, nascido em 1940, ministro da Cultura da Região autónoma do Curdistão iraquiano em 1992, reúne na sua actividade poética o lirismo e a luta da resistência curda, o som telúrico de alguma da sua poesia não evidencia nenhum desusado bucolismo, é mais poesia para preparar a terra para um combate pela identidade.
Ibrahim Ahmad, considerado o maior romancista curdo contemporâneo, ao definir a poesia da nação curda e iraquiana, stricto sensu, abriu-lhe um amplo leque de abrangência de géneros que radicam na poesia mística, apologética, satírica, na poesia de amor, nos cânticos do matrimónio, das festividades e do luto. Uma poesia de liberdade também, que vem já de antes do império otomano e seguiu depois da dissolução deste e do Curdistão nos últimos 80 anos, com os vários géneros poéticos disseminados no Iraque, principalmente.
Também esse escritor, enquanto poeta elabora sobre uma poética de identificação com a terra - "Juro sobre este Curdistão de mil cores/sobre esta terra que é o meu paraíso", estabelecendo a identidade de um Pesh merga que resiste aos invasores da sua pátria. Os "resistentes" curdos, como a própria expressão Pesh merga indica, estão sempre de fronte erguida para a morte.
Não vou viver como servo
pleno de vergonha e ira.
Salvarei o meu país, o meu povo
com a vida pagarei a liberdade.
Não ferirei,nem usarei armas.
Vencerei ou morrerei.
Mas na sua língua poética, a poesia curda comunica entre si outro género de preocupações de origem filosófica, quando não mesmo radicadas num sentido histórico religioso.
De facto, preocupações ontológicas e metafísicas aliadas às raízes da ancestralidade. Por exemplo, sobre o bíblico Jardim do Éden, verde, num vale escondido do rio Tigre, rico em água, plantas e animais, na que foi a Alta Mesopotâmia onde esteve a primeira aldeia do mundo, e que se transformou num deserto por culpa de sistemáticos etnocídios – segundo a opinião de Laura Schrader, jornalista que desde 1975 denuncia as trágicas condições do povo curdo e tem dado a conhecer a sua cultura e os seus trabalhos poéticos.
"Somos roseiras nos vinhedos do paraíso do Oriente/ somos o sol que arde na escuridão da noite/ (…) somos o Eufrates, que brota de remotos milénios" - Sheikhmus Husayn, um dos poetas já falecido e mais amado no Curdistão Setentrional, autor de 7 volumes de poesia, que assinava com o pseudónimo de Gegherxuin (Coração Destroçado).
"Súplicas, salmos, ex-votos brindámos nessa hora
Pão, vinho e tâmaras da Babel embriagante
E de rosa o encanto
Logo aos teus olhos orando, oferenda imolámos
Da lágrima ardente em dilúvio as gotas juntámos
–Um rosário de pranto." – Cânticos à Dor, de Nazik Al-Malaika
Desta poetisa, nascida em Bagdade em 1923, a poesia tomou o rumo dos caminhos da introspecção ontológica, levando o pessimismo poético quase ao limite de uma linguagem filosoficamente estóica, de suporte de uma dor intensa, mas também intensamente lírica.
Nazik é a poetisa da tragédia da vida. No entanto, quando publicou a sua primeira antologia há mais de 50 anos, ao utilizar o vocábulo "noite", tornou-o símbolo de poesia, imaginação, sonho, beleza das estrelas, do prodígio do luar sobre o bruxuleante Tigre.
Outros poetas do Iraque, a maioria vivendo no exílio – diz-se que na década de 90 ficaram apenas cinco a residir no país – contudo escrevem uma poesia que caracterizou o estilo poético iraquiano, o qual é classificado desde o tradicional ao moderno, passando pelos limites do experimental, com temas que cobrem territórios comunicacionais como o amor, a guerra, as antigas sanções da ONU, o fascismo, a tortura, a prisão, o exílio, etc.
De resto, desde 1960, que os poetas iraquianos mais conhecidos (aqueles dos quais procuramos aqui dar notícia) introduziram na sua poética um novo imagismo, novas métricas e sensibilidades, como os poetas de todo o mundo.
Sempre visível, porém, a intertextualidade e uma espécie de vasos comunicantes, nos poemas comprometidos, nos cânticos populares e na poesia chamada de autor, alimentando no fundo uma poética com a marca da identidade de quem luta para manter intacta essa mesma identificação com uma cultura, património da humanidade.
A poesia de Latif Hamet, outro poeta Pesh merga, testemunha esse sentido de uma luta que nos parece ancestral, telúrica e, nem por isso, desprovida de lirismo universal, ainda que seja uma poética datada e muito regional:
Eu vou mãe.
Se não regressar,
serei flor desta montanha
torrão de terra
para um mundo
maior do que este
(…)
Eu vou mãe.
Se não regressar,
a minha alma será palavra
para todos os poetas.
quarta-feira, outubro 20, 2010
As mãos de Lascaux
terça-feira, outubro 19, 2010
A Rosa de Milton
quarta-feira, outubro 13, 2010
As Luzes ao Fundo

não visse
as luzes da costa, lanço
os meus olhos na corrente da noite
os meus olhos como âncoras
e da noite furto o seu instinto
do equívoco
Prouvera a Deus que a distância
entre a minha janela e a costa
não seja ilusória e não perca
o momento de encolher a saudade
e nas areias erguer um padrão
e pôr nos lábios
o meu coração como um tambor.
12/10/2010
segunda-feira, outubro 11, 2010
A poética da Expulsão (do Paraíso)
Poema inédito do poeta residente Rui Miguel Duarte
“no Paraíso, estive à beira de todas as cores
quando as manhãs acordaram nos meus olhos”
J. T. Parreira, “Expulsão do Paraíso”
Percorridos todos os limiares
e arestas negras, as artérias de granito
em vez da ondulação dos teus cabelos
trocadas as tuas carícias por um grito
culpados de todas as traições
de nos acolhermos ao colo de um pai estranho
extraviados da sabedoria de todas as cores
que falavam das manhãs acordadas de antanho
esquecidos das brisas lentas
das conversas sob as árvores ao fundo
da tarde, restou-nos a sombra do teu vulto
projectada como noite sobre o mundo
Mas na tua carne e no teu sangue
rasgaste para sempre a distância a frio
depusemos então as saudades à soleira da porta
reaprendemos então a alegria da Tua voz de rio
7/10/10
quinta-feira, outubro 07, 2010
Mario Vargas Llosa, Nobel da Literatura
quinta-feira, setembro 30, 2010
Nos cantos onde o poeta escreve

Poema a quatro mãos:
Nos cantos onde o poeta sofre
caminheiro de estranhos mundos
prenhes de perfumadas vibrações
sente-se a ressonância dessa ternura
doce e leda
nos cantos onde se escondem silenciosos
olhos infantis que esperam
a construção das horas
por aí se observam inesperados
interstícios do coração
e se acoberta a fantasia breve
dos homens livres
quando o vale de ossos secos
de papel
uma simples folha branca se agita e revolve
como súbito canavial
por entre sombras impolutas
e gritos de dar à luz
então o poema nasce
formoso
e não seguro.
Nos cantos onde o poeta sofre
caminheiro de estranhos mundos
prenhes de perfumadas vibrações
sente-se a ressonância dessa ternura
doce e leda
nos cantos onde se escondem silenciosos
olhos infantis que esperam
a construção das horas
por aí se observam inesperados
interstícios do coração
e se acoberta a fantasia breve
dos homens livres
quando o vale de ossos secos
de papel
uma simples folha branca se agita e revolve
como súbito canavial
por entre sombras impolutas
e gritos de dar à luz
então o poema nasce
formoso
e não seguro.
22/9/10
(Brissos Lino)
No recanto sob a palidez da luz
em que as palavras no papel navegam
os cantos do poeta
são o mundo, numa folha
há conversas
que são frutos dos lábios, mas vêm
de raízes profundas e longínquas
os olhos do poeta, pacientes
retinas vão abrindo, vê-se
nos seus olhos, nos cantos
é onde não parece
mas o poeta é livre, enquanto
escreve é como a flor silenciosa
os cantos do poeta, salvam-no
do olvido.
As paredes não prendem o olhar
aos cantos do poeta, voa
quando menos se espera o poeta
não está lá.
em que as palavras no papel navegam
os cantos do poeta
são o mundo, numa folha
há conversas
que são frutos dos lábios, mas vêm
de raízes profundas e longínquas
os olhos do poeta, pacientes
retinas vão abrindo, vê-se
nos seus olhos, nos cantos
é onde não parece
mas o poeta é livre, enquanto
escreve é como a flor silenciosa
os cantos do poeta, salvam-no
do olvido.
As paredes não prendem o olhar
aos cantos do poeta, voa
quando menos se espera o poeta
não está lá.
23/9/2010
terça-feira, setembro 28, 2010
Dança
domingo, setembro 26, 2010
Esquecimento, Hart Crane

Que, livre de ritmo e medida, flutua
Esquecimento é como a ave cujas asas se encontram,
Distendidas e imóveis, --
Uma ave que rodeia o vento infatigável.
Esquecimento é chuva nocturna
Ou uma velha casa na floresta, -- ou uma criança.
Esquecimento é branco, -- pálido como a árvore desolada
E pode enganar as profecias da Sibila
Ou sepultar os deuses.
Eu posso lembrar muito esquecimento.
(Trad. de J.T.Parreira)
segunda-feira, setembro 20, 2010
Com o poder da mímica

inventarei um outro
que do lado de fora da prisão
dos dedos
encherá a minha solidão
O seu silêncio alegre
em círculos
caminhando, será o vento
que veste as minhas mãos
será um cavalo ou uma estrela
uma mulher num rio
será um outro
que corre de mim
e cresce, move e reina
num sorriso de menino.
16/9/2010
sábado, setembro 11, 2010
Poemas sobre as Crianças do Holocausto

para ler AQUI
A Marcha
A morte não deveria ser obrigatória
em marcha
nestes pequenos pés
Uma fila de olhos sem regresso
pequenas dimensões
onde só deveria estar a alegria
vão
sem reparar que é enganosa
a sua infância tranquila.
sexta-feira, setembro 10, 2010
Tu sabes? (pergunta sobre o holocausto das crianças)
Poema inédito de Clélia Inácio Mendes
Tu sabes onde foram as crianças, Sabes onde estão?
Sabes porque se ouvem notas musicais de flautas
E ninguém dança…
Sabes porque há ainda marcas de anjos
No chão frio da tarde e delas nem traço?
Sabes das crianças, João aquelas crianças que espreitavam
Pelo arame pingado de sal de olhos
Debaixo do céu sem cor e trapos de silêncio
Por onde foram?
Senta-te um pouco na soleira da alma com a poesia na mão nua e a tinta
Do sangue nos caminhos por onde elas não passarão.
Aquelas por quem pergunto e não vejo, nem a sombra, nem o riso partido
Do espelho a que falta pedaços.
Eu fico também aqui sentada nesta pedra suja e gasta
Espreitando agora pelo arame pingado de sal, com os dedos crispados
E a boca despida de gritos.
Tu sabes onde foram as crianças, Sabes onde estão?
Sabes porque se ouvem notas musicais de flautas
E ninguém dança…
Sabes porque há ainda marcas de anjos
No chão frio da tarde e delas nem traço?
Sabes das crianças, João aquelas crianças que espreitavam
Pelo arame pingado de sal de olhos
Debaixo do céu sem cor e trapos de silêncio
Por onde foram?
Senta-te um pouco na soleira da alma com a poesia na mão nua e a tinta
Do sangue nos caminhos por onde elas não passarão.
Aquelas por quem pergunto e não vejo, nem a sombra, nem o riso partido
Do espelho a que falta pedaços.
Eu fico também aqui sentada nesta pedra suja e gasta
Espreitando agora pelo arame pingado de sal, com os dedos crispados
E a boca despida de gritos.
quarta-feira, setembro 08, 2010
quinta-feira, setembro 02, 2010
Receita para fazer uma rosa
Uma abelha ou duas(...)
E a sépala, a pétala, e um espinho (...)
Eu tenho uma Rosa!
Emily Dickinson
Como se faz uma rosa, a rosa
imensa, com pequenos pólenes
salpicando o ar
A serenidade da pétala
com outra pétala, o amor
do estame vertendo
Dois saltos de abelha entre dois lábios
E toda a seda
que vem ao colo do vento.
18/7/2010
E a sépala, a pétala, e um espinho (...)
Eu tenho uma Rosa!
Emily Dickinson
Como se faz uma rosa, a rosa
imensa, com pequenos pólenes
salpicando o ar
A serenidade da pétala
com outra pétala, o amor
do estame vertendo
Dois saltos de abelha entre dois lábios
E toda a seda
que vem ao colo do vento.
18/7/2010
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