terça-feira, julho 12, 2011

Jacob e o Anjo

(Gauguin, 1888, A luta de Jacob e o Anjo)


A interminável luta, mãos
entre mãos, a voz
nos olhos de ambos, quando os lábios
estão calados
Jacob e Anjo, a luta
recomeçam golpe a golpe
anjos sem armas
no bálsamo da noite, na íntima
tessitura
da música da água.

11/7/2011

quarta-feira, julho 06, 2011

Os Meninos Judeus

por su extrema delgadez y la expresión de sus rostros parecieran ancianos.
Yad be Yad


Os meninos judeus levantam as mãos
desde o fundo do poço
magros de carinho
secos por dentro
acondicionados no incompreensível
persistem ainda em agarrar
uma estrela qualquer
mas só lhes resta uma
baça
de pano amarelo
cozida na roupa.

6/7/11


Inédito de Brissos Lino

domingo, julho 03, 2011

O último sorriso de Sylvia Plath

O que vejo é um sorriso aberto
como uma ave que plana
sobre as ondas
que o vento levanta no deserto
como um animal que recebe a brisa
de olhos fechados
como um dia rasgado, quando se abre
a claridade nas cortinas
O que vejo
é um rosto claro
como um campo de Cnossos
onde o Minotauro fecha o labirinto.

2/7/2011

sexta-feira, julho 01, 2011

Gosto de Música

gosto de música
gosto muito de música
mas não sei se
gosto de gostar de música
porque não gosto de matemática
nem de ciências exactas

gosto de sentir a música
a mexer-se-me nas tripas
a acelerar-me a pulsação
a aquecer-me a pele

gosto de fechar os olhos
e ser soprado para outros mundos
na vertigem da música
sentar-me numa nuvem
na largueza dos espaços

gosto de subir à maior montanha
sem esforço
ao colo da música
e relativizar daí as minudências
da vida rasteira

gosto de ver a dança dos pássaros
e o bailar das ondas
na música

a criança que chora
o velho que tem medo
o jovem que pula
a mulher que ri
e as folhas que se soltam da mãe árvore
no Outono

gosto de ver a Lua branca
as águas calmas do lago
a noiva no altar
e o bezerro no prado

gosto de ti, musa
mulher
a minha música.

29/6/11

Poema inédito de Brissos Lino



sexta-feira, junho 24, 2011

Escrito na véspera do meu 32º aniversário



Poema de Gregory Corso

Eu amo poesia, porque me faz amar
e apresenta-me a vida
E de todos os incêndios que morrem em mim,
há um que lavra como o sol;
pode não ser toda a minha vida
minha relação com as pessoas
ou meu comportamento perante a sociedade,
mas ela diz à minha alma que tem uma sombra

Tradução de J.T.Parreira


“Write on the Eve of My 32nd Birthday”:


 I love poetry because it makes me love
and presents me life
And of all the fires that die in me,
there’s one burns like the sun;
it might not make day my personal life
my association with people
or my behavior toward society,
but it does tell me my soul has a shadow

quinta-feira, junho 23, 2011

Fazer Poesia Social com lirismo

Manuel Bandeira acabou por ensinar a fazê-la, mas não correu riscos de fazer a poesia social cair no execrável panfletarismo a que muitos poetas cedem. O exemplo é o poema “O Bicho”.

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

(1947, Belo Belo)

Aqui, ainda que pareça, não é metáfora, nestes versos de matiz social, a personagem que desde o primeiro verso percorre o poema, como uma entidade que paira supra poema ( o poeta viu “ontem”, a memória a doer), é factual.
Existe até final do breve poema a desconstrução da ideia que poderia ter-se, talvez na obscuridade, talvez na névoa da manhã cedo, de que quem procura no lixo é um animal vadio, e também a desrealização da narrativa poética para uma narrativa social sobre o último limiar da pobreza.

A frase do desvendamento é uma exclamação do espanto do poeta. Manuel Bandeira, que através do seu forte lirismo de acento modernista, já havia feito incursões belíssimas no verso social, com expressões de solidariedade pelo elemento dos desvalidos, dos pobres, dos suburbanos, das pobres mulheres da rua, em versos como: “Beco...fôste rua de mulheres? / Todas são filhas de Deus!”, “Não sou mais digno de respirar o ar puro dos currais da roça”, “Pálidas meninas/Sem olhar de pai”, “Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas”.

Agora é absolutamente declarativo: “O bicho, meu Deus, era um homem”, sem sinal de exclamação, uma vez que esta é interior, faz parte da diegese, digamos assim, poética; é o próprio verso toda uma exclamação.

Houve exegetas da poesia bandeireana, designadamente deste poema, que concordaram em que o sofrimento aqui não é do homem que procura comida nos restos, da civilização e do consumismo, do desperdício e da riqueza, que não cheira, não examina o que encontra, ao contrário, engole “com voracidade”, dizem esses intérpretes que o sofrimento é do próprio poeta.

22/6/2011

quarta-feira, junho 15, 2011

O Banho (no Miño)


Poema de Francisco X.Fernández Naval

Tomávamos banho nele
mas sempre lhe tivemos medo
que havia lodo no fundo
e os pés resvalavam nos seixos
e no escuro
e tinha charcos e água a borbulhar
e entre as pontes
remoinhos do mistério.

Dizíamos cantigas populares
porém tremíamos
e regressávamos de autobus vermelho
cheirando a lama fresca, a urzes e saibro

Tínhamos medo
de nos vermos meninos
nos olhos velhos do rio,
no silencioso sangue
das poças,
evitávamos o seu abraço de estío e de sargaço,
de poço,
de remoinho escuro.

(Tradução de J.T.Parreira)

sexta-feira, junho 10, 2011

Os Olhos do Medo

“O medo teria olhos” (J.T.Parreira)

Os olhos do medo brilham na noite escura
desconstroem silêncios
afiam arestas vivas
param o sangue nas veias
raspam as paredes da alma
com garras afiadas
os olhos do medo provocam um som cavo
e raro
anunciam um futuro às arrecuas
são olhos ofídios que nos sugam
o ar
mas eu sei de pálpebras que tapam
os olhos do medo.

10/6/11


Inédito de Brissos Lino


Lasar Segall, introdutor do Expressionismo no Brasil

quinta-feira, junho 02, 2011

Banho de Mar


Começam por entrar as pernas
nuas hesitantes
e fincam-se como Rodes sobre o Egeu
a cintura depois
de inundados os calções
por fim o próprio umbigo
cordão que sempre nos ligou à vida
os braços nus abraçam
o que do sal começa a fervilhar na onda
como um feixe de dedos nossas mãos
vão abrindo sulcos na imaginação
até ao horizonte.

2/6/2011

sábado, maio 28, 2011

Palavras ferozes

.
“Há palavras impossíveis de escrever”
Cesariny



Há palavras impossíveis de escrever
fazem ranger
nos ossos a realidade
sujam os olhos
como um mau cheiro
corrompem os ouvidos
Morte é uma dessas
impossível
se disser, a morte da criança
abala como um tremor de terra
o coração
terrível a palavra Abismo
que às vezes sentimos nos joelhos
ou a Queda que fez a solidão
no Paraíso.

Poema publicado ineditamente in  A Ovelha Perdida

quarta-feira, maio 25, 2011

Exposição de Pintura

Um pássaro fractal
sai da parede
um campo de algodão enche
os nossos ouvidos de silêncio
ao lado o rio parte
o estado dos olhos e da alma
do Narciso
a olharem de través
dois olhos num umbigo
e num espelho uma mulher que ocupa
os quatro cantos
Magritte se esfuma num cachimbo
e um trapézio
num corpo de ave.
que esvoaça de fugida.

24/5/2011

Publicado ineditamente em A Ovelha Perdida

sábado, maio 21, 2011

O que o Quixote vê

Quem carrega contra os moinhos
e tece armaduras gigantes
e não vê asas nas velas
à volta
dos olhos de Quixote

Quem investe com que lança
com seu coração nos olhos
quem tange o sonho dentro
de um túnel de vento
no vento que circula nos moinhos

Seria assombroso
assustá-los com uma pena
um cavalo rocinante , com flancos
de bronze.

5/5/2011

quarta-feira, maio 11, 2011

Livros são como vinhos

Aquilino Ribeiro, sobre os livros que escreveu: “ foram como vinhas que plantasse.”


Bons livros são como vinhos
vintage
que escorrem pela imaginação abaixo
em breves momentos
de prazer e glória
laboriosamente formados
com o dedos da alma
durante meses de afecto
são bibliotecas de Baco
que elevam os olhos
à loucura breve.

7/5/11

Poema inédito de Brissos Lino

sábado, maio 07, 2011

O Salmo


Quem vem por cima do vento
tangendo uma harpa
quem vem tangendo nuvens
na harpa, como na sua casa
quem vem
tangendo a harpa como se derramasse
sobre a terra um vaso de água de cristal
quem vem a tanger a sua harpa
espalhando asas pelo ar
e a excitar o gineceu das rosas.

3/5/2011

quinta-feira, abril 28, 2011

A Porta de Samaria

Cristo e a mulher de Samaria de Juan de Flandes, Sec. XV



À porta de Samaria recolhia ele
despojos antigos
alguns traumas assírios
ódios de estimação
e anunciava o reino aberto


à beira do poço
contava ele
formigas no carreiro
ao cantar das águas
como quem escreve
no chão do templo


aos pés da Samaritana
colava ele
inúmeros cacos de vida breve
quebrados na esquina
das incompreensões
e colava as sandálias da paz
nuns pés doridos
de mulher.

26/4/11



Inédito de Brissos Lino

segunda-feira, abril 25, 2011

A Pedra


Muito pouco tem sido dito
sobre a pedra, uma
fronteira do sepulcro
uma forma densa do não
muito pouco
perante as circunstâncias
se tem dito sobre a pedra
surda e um olho cego no dia
da ressurreição
não se entrava nem saía
dessa pedra, e no entanto
foi uma gota de água
como uma folha branda
um cristal tocado pela imensa
Mão, uma claridade
no primeiro dia da semana.


24/4/2011

domingo, abril 17, 2011

Almofada

Almofada


De dia subimos os nossos montes
cada distância mais longe
depois de deitada a nossa cabeça
num novelo de nuvens
por dentro e por fora
um sonho bordado.

16/4/2011

segunda-feira, abril 04, 2011


NOTA DE SUICÍDIO DE CESARE PAVESE
(No livro Dialoghi con Leucò)

Perdoo todos e a todos
peço perdão. Está bem?
Não façam demasiados mexericos.
Deixo e assino, assim
como uma estela
num buraco negro dos meus olhos
nesta página de um livro
que ficará como diálogo da tristeza
com o fim.

segunda-feira, março 28, 2011

Ondas Alterosas


Ondas alterosas são altas montanhas
prenhes de neve e mistério
guardam no bojo segredos
e ressoam como os canhões
de Neptuno
sem fogo nem espuma
enrolam o momento
como uma torta de algas
e brincam às escondidas com o sol
e os peixes.

25/3/11

Poema inédito de Brissos Lino

sábado, março 19, 2011

Mulher sentada entre flores

Mulher sentada entre flores
O teu rosto entrega-me a paz
redonda doçura entre cabelos
quando cerras os olhos
fico fechado dentro deles
nas tuas mãos
cruzadas mãos trabalhadoras
tropeça a minha ternura
sozinha
tens o sol do teu lado
como um muro de ouro
por onde o sonho se atravessa
e fico em silêncio contigo.

18/3/2011

terça-feira, março 15, 2011

O Pincel de Picasso

Vejo no pincel de Velázquez
a luz branca que penteia
os cabelos das Meninas

como vejo no pincel de Picasso
como vivem
Les Demoiselles d' Avignon

Não como no pincel de Van Gogh
onde nem sempre os amarelos
são alegrias puras

No pincel de Arles vejo
a dança do vento
na anatomia dos trigos

e o sol que se estende
nas pétalas dos girassóis
e a morte que parte o céu

vejo no pincel de Van Gogh
os corvos e auto-retratos
despenteando o silêncio.

15/3/2011

domingo, março 13, 2011

Aquário

Posso ver o silêncio dentro
através do vidro, vai apertando as vozes
até ao murmúrio
no silêncio bóiam dentro da luz
nocturnos rostos
com mais uma noite às costas
eu acho que sei o que é o silêncio
nos olhares à espera do sono
nas mãos que, por vezes, compõem
o sorriso que pende da flor dos lábios.

8/3/2011

Sobre "Nighthawks", de Edward Hopper

terça-feira, março 08, 2011

Noite

é redonda a face larga da noite
e as suas asas
porque tem asas,
ou ela não escaparia
à apreensão à estreiteza dos abraços

resistente aos meus olhos
como o mar aos penhascos
e sobre a areia desenhando sulcos

a noite está só e tem só
o que o silêncio lhe empresta
como fome voraz que tudo devorou
tudo menos
o espanto hirsuto do poeta

5/03/11

Inédito de Rui Miguel Duarte

sábado, março 05, 2011

Silêncio, poema de Billy Collins


Há o súbito silêncio da multidão
sobre o jogador imóvel no estádio,
e o silêncio da orquídea.

O silêncio do jarrão caindo
antes de se dividir no solo,
o silêncio do cinto enquanto não bate no menino.

O sossego do copo e da água dentro dele,
o silêncio da lua
e a quietude do dia longe do estrondo do sol.

O silêncio quando estou contigo no meu peito,
o silêncio da janela que pode espreitar-nos,
e o silêncio quando te levantas e te afastas.

E eis o silêncio desta manhã
que parti com a minha esferográfica,
um silêncio acumulado toda a noite

como a neve que cai na sombra da casa -
o silêncio antes de ter escrito uma palavra
e agora o mais pobre dos silêncios.

Trad. J.T.Parreira

quarta-feira, março 02, 2011

O Palhaço

“O palhaço é um poeta em acção.”
(Henry Miller, O sorriso aos pés da escada)

Ar de menino desajeitado
pernas frouxas
pés que caminham para sítios diferentes
a perguntar emoções
assim vai o poeta da flor amarela
no chapéu minúsculo
pendura um sorriso rasgado
no rosto triste
quer fazer feliz a criança que nos habita
desde sempre
mesmo quando no fim do espectáculo
ressoam palmas
e murmúrios de troça.

1/3/11

Brissos Lino

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

Granada

(foto Paco Ayala)


De barco vou a Granada
no rio de músculos de um cavalo

figueiras e girassóis
curvam o vento em viagem

Vou de barco para Granada
vou pela água
dos meus olhos, ver um poeta e a sombra
do seu corpo na mortalha
de um muro de cobre e de cristal
e a sua cara
na fresca manhã da morte.

(do livro inédito, a ser escrito, "À porta das Cidades" )


sexta-feira, fevereiro 18, 2011

Folhas Letras & Outros Ofícios, nº 13

Apresentação do nº 13 da revista do Grupo Poético de Aveiro, dia 19 de Fevereiro, pelas 17:3o no CUFC-Centro Universitário Fé e Cultura, Campus Universitário, Aveiro

quarta-feira, fevereiro 16, 2011

Desconstrução


Ferro, aço, vigas e betão
vidro, madeira
torre de babel
à maneira
alta abóbada de novo mestre
Afonso Domingos
desconstruindo o sagrado
em nome de um deus
mas não dos antigos
para bênção dos novos crentes
do consumo.

14/2/11

Inédito de Brissos Lino

(foto de Susete Lino)

domingo, fevereiro 13, 2011

Um Domicílio em Paris

A água do Sena como um domicílio
o rio imóvel é um espelho
sujo, até às luzes
que lhe dão o colorido das estrelas
e os barcos
desenham pequenas paisagens na água
um acordeão nas águas
quando uma barcaça passa
e outro ao longe o som enreda
na noite a música inefável.

(do livro em preparo "À Porta das Cidades" ou "Partida para Tróia")

A Ponte dos Suspiros


Veneza se desmorona e desnuda
cai na luz escura
dos canais, castelos de areia
a porta dos velhos Doges
A Ponte dos Suspiros corre
em pedaços, cada pedra
um ai, vinte milhões
de olhos por ano a consomem
num mar de imagens serenas.

(do livro em preparo "À porta das Cidades" ou "Partida para Tróia" (provisórios)

terça-feira, fevereiro 08, 2011

Nem sempre os pés desistem

Nem sempre os pés desistem de caminhar
para ficar de frente aos outros
a convergir
nem sempre param
para escutar dores e estórias
de outros andarilhos da vida
e aventura
esquecem-se muito de partilhar a jornada
deixam escapar as alegrias
da comunhão
mas acabam por concluir que o chão
que pisam homens e cavalos
é duro para todos.

2/2/11

Inédito do poeta residente Brissos Lino

sexta-feira, janeiro 28, 2011

A Mãe


Era a morte envergonhada
escondida nestes rostos
tão próximos do chão
pequenos corpos, um dia saberemos
como a morte com sapatos precários
caminhou nestes corpos infantis
como a morte se vergou
nestas costas ao peso
do inverno
Era a morte já tão arruinada
nestas roupas, um dia saberemos
como foram lentos os seus passos
a querer retardar a pressa
dos relógios.

27-1-2011

domingo, janeiro 23, 2011

Não estou a chorar, Mãe

Não estou a chorar, Mãe
é a minha alma que cai pelas faces
Sabes, Mãe? Os meus olhos são teimosos
não se fecham com facilidade
nem quando gotas salgadas
se desprendem do vento
ou quando as árvores
rompem em gorjeios
As lágrimas, Mãe, não são o que parecem
são o amor da alma por esse corpo
que se limita a morrer
Não, não estou a chorar, Mãe
é o silêncio que se torna sólido
este teimoso silêncio
da lágrima.

quinta-feira, janeiro 20, 2011

Almoço na Relva

Sentados sobre a relva
dependentes do chão, presos
da flor que mal nasce
morre, na brisa das árvores
pousados como pássaros
dádiva do alto cume azul
enchem os olhos da fragrância
de um corpo desnudado
eles discretos senhores
que conversam
e esperam que o crepúsculo caia
como véu da tarde.

18-1-2011

segunda-feira, janeiro 10, 2011

O Beijo no Bosque

Fecharam os olhos
os duendes do bosque, o beijo
floriu nos arbustos, nos ramos
do sol, no perfume do vento
crepitou nos lábios
um segredo profundo
lançando raízes
o incêndio no bosque
fecharam os olhos
esquilos e aves
recuperam o canto
à volta do lume.

8-1-2011

domingo, janeiro 09, 2011

O Anjo Indispensável

“I am the necessary angel of earth”
Wallace Stevens

“O anjo necessário/entende a voz do chão”
Cassiano Nunes


O anjo indispensável
estendeu a sua voz no chão
como um almoço sobre a relva
e dos pequenos animais ao espírito
do homem, se entendia a frase
porque era colírio, alfazema, a sua voz
porque ela embalava estrelas pueris
nos nossos olhos, desfazia
os gestos trágicos que trazemos
o anjo indispensável
também cantava, como canta o mar
alto ao lançar de si pequenas ondas
e ao cantar, para o ouvir, a noite
se inclinava ao anjo indispensável
com suas palavras lavadas.

3/1/2010

sábado, janeiro 01, 2011

Os Gatos do Hemingway à chuva e ao sol

A bem dizer, visitar a Casa de Hemingway em Key West, é visitar móveis espanhóis do Séc.XVII, mármores de Murano, a máquina de escrever, da qual -dizem- saiu cerca de 70% da obra do escritor, livros, fotografias, autógrafos do criador de "O Velho e o Mar", espaços que contêm memórias e, sobretudo, os gatos.

Os gatos do Escritor, melhor, a descendência ininterrupta dos gatos do Escritor. Dezenas, com vida própria e cemitério, e tudo.
Gatos com nomes: "Spencer Tracy", "Catherine Hepburn", gatos -actores que sabem estar sob a admiração dos olhares dos visitantes, gatos sobre as camas e os sofás, desinteressados de quem os olha, gatos com poses.

Como este gato do "post-card", que bebe a quase cristalina água de mármore que escorre em mil fios, desde sempre.
Há uma presença, a do Escritor, nesta Casa, há... mas é o nosso imaginário que a vai reconstruindo. O eco do tiro de caçadeira fica muito longe, em Idaho, aqui é a Florida, a derradeira ilha com vista para Cuba.

sábado, dezembro 18, 2010

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Viagem às Origens do Ser

De Ulisses a Garcia Marquez, passando por Ricardo Reis e Jorge Luis Borges, uma viagem de Retorno. Excerto de texto para ler Aqui, no Babelia, El País

domingo, novembro 21, 2010

Conselhos de Circe a Ulisses

Depois que estejam longe
as sereias
perdidas na névoa dos seus cantos
alonga os remos da tua nau
a direcção do teu caminho
terás de decidir, voltar
aos liames de seda das sereias
nunca mais, prefere
as rochas azuis onde o mar brada
mesmo que no tecto liso
do céu não se desenhem pombas.

11/2010

terça-feira, novembro 16, 2010

Play

Poema de Adriana Fernandez Lagoa

Juguemos a que el mundo se despierta
y nadie sabe adónde fue la muerte,
todos sucumben a la estruendosa vida
que aguarda en los estanques
donde ahogarse fue imposible.
Juguemos a que los insensatos sueños son factibles,
y a que la lluvia no cesó ni el sol se puso.
Juguemos a este juego ...

(Escrito em Madrid, 15/11/2010)

PLAY

Brinquemos ao jogo do mundo que desperta
e ninguém sabe aonde foi a morte,
todos sucumbem ao estrépito da vida
que aguarda em charcos
onde o afogamento é impossível.
Joguemos a que os sonhos insensatos são viáveis,
e que a chuva não cessou nem o sol caiu.
Joguemos a este jogo...

(Traduzido por J.T.Parreira)

quinta-feira, novembro 11, 2010

Os olhos de um neto

Com estes olhos
já vi uma estrela com medo das alturas,
já andei pelo arco-íris e já
estive com estes olhos no futuro.

10-11-2010

quarta-feira, novembro 10, 2010

Dá-me os teus olhos

Esses olhos do profundo coração
tomaram-me descuidado, olhos
maiores que o meu olhar
desprevenido, como tão
silencioso entraste no meu peito
Como posso agora
que estou preso a ti por limos
verdes, invisíveis, desprender-me?
O teu olhar continuará
a prender-me a esta matéria branda
que sai da minha boca
e que se chama vida.

9/11/2010

sábado, outubro 30, 2010

Hiroshima, Meu Amor


Não, tu não viste nada em Hiroshima
o sol explodindo nos olhos, dentro
da tua cabeça sombras
Tu não viste nada a acontecer
o nada de Hiroshima, nem a fissão
do Amor
Nada viste em Hiroshima
Dez mil sóis de temperatura
a cobrir a morte
como um lençol de cinza.

29/10/2010

Cinco poetas de entre os rios

"Tenho pousado o ouvido sobre o coração/ da terra. /Falava de amor, do seu amor/pela chuva,/ a terra." - Sherko Bekas, poeta da resistência curda.

Ouvintes das línguas árabes, tanto a língua dos média, como a do Corão, não consideramos que as mesmas sejam muito felizes para a fala poética.
O idioma árabe, de um modo geral, é áspero e gutural, mas a significação e a intimidade das palavras podem ser preciosas e então, como diria o poeta William Carlos Williams, ouve-se o sentido, quer seja em tradução para o português, inglês ou o italiano.
Os versos com os quais abrimos este artigo, sugerem-nos essa dimensão em que o sentido se transforma em sentimento da pátria, embora nos apareçam numa terceira língua de chegada (foram traduzidos do italiano).
A forma expressiva, até a irregularidade da sua métrica, seja como for propiciam o cântico, e, sobretudo, não se distanciam dos recursos da poética moderna. O seu autor, Sherko Bekas, nascido em 1940, ministro da Cultura da Região autónoma do Curdistão iraquiano em 1992, reúne na sua actividade poética o lirismo e a luta da resistência curda, o som telúrico de alguma da sua poesia não evidencia nenhum desusado bucolismo, é mais poesia para preparar a terra para um combate pela identidade.
Ibrahim Ahmad, considerado o maior romancista curdo contemporâneo, ao definir a poesia da nação curda e iraquiana, stricto sensu, abriu-lhe um amplo leque de abrangência de géneros que radicam na poesia mística, apologética, satírica, na poesia de amor, nos cânticos do matrimónio, das festividades e do luto. Uma poesia de liberdade também, que vem já de antes do império otomano e seguiu depois da dissolução deste e do Curdistão nos últimos 80 anos, com os vários géneros poéticos disseminados no Iraque, principalmente.
Também esse escritor, enquanto poeta elabora sobre uma poética de identificação com a terra - "Juro sobre este Curdistão de mil cores/sobre esta terra que é o meu paraíso", estabelecendo a identidade de um Pesh merga que resiste aos invasores da sua pátria. Os "resistentes" curdos, como a própria expressão Pesh merga indica, estão sempre de fronte erguida para a morte.

Não vou viver como servo
pleno de vergonha e ira.
Salvarei o meu país, o meu povo
com a vida pagarei a liberdade.
Não ferirei,nem usarei armas.

Vencerei ou morrerei.

Mas na sua língua poética, a poesia curda comunica entre si outro género de preocupações de origem filosófica, quando não mesmo radicadas num sentido histórico religioso.
De facto, preocupações ontológicas e metafísicas aliadas às raízes da ancestralidade. Por exemplo, sobre o bíblico Jardim do Éden, verde, num vale escondido do rio Tigre, rico em água, plantas e animais, na que foi a Alta Mesopotâmia onde esteve a primeira aldeia do mundo, e que se transformou num deserto por culpa de sistemáticos etnocídios – segundo a opinião de Laura Schrader, jornalista que desde 1975 denuncia as trágicas condições do povo curdo e tem dado a conhecer a sua cultura e os seus trabalhos poéticos.
"Somos roseiras nos vinhedos do paraíso do Oriente/ somos o sol que arde na escuridão da noite/ (…) somos o Eufrates, que brota de remotos milénios" - Sheikhmus Husayn, um dos poetas já falecido e mais amado no Curdistão Setentrional, autor de 7 volumes de poesia, que assinava com o pseudónimo de Gegherxuin (Coração Destroçado).

"Súplicas, salmos, ex-votos brindámos nessa hora
Pão, vinho e tâmaras da Babel embriagante
E de rosa o encanto
Logo aos teus olhos orando, oferenda imolámos
Da lágrima ardente em dilúvio as gotas juntámos
–Um rosário de pranto." – Cânticos à Dor, de Nazik Al-Malaika

Desta poetisa, nascida em Bagdade em 1923, a poesia tomou o rumo dos caminhos da introspecção ontológica, levando o pessimismo poético quase ao limite de uma linguagem filosoficamente estóica, de suporte de uma dor intensa, mas também intensamente lírica.
Nazik é a poetisa da tragédia da vida. No entanto, quando publicou a sua primeira antologia há mais de 50 anos, ao utilizar o vocábulo "noite", tornou-o símbolo de poesia, imaginação, sonho, beleza das estrelas, do prodígio do luar sobre o bruxuleante Tigre.

Outros poetas do Iraque, a maioria vivendo no exílio – diz-se que na década de 90 ficaram apenas cinco a residir no país – contudo escrevem uma poesia que caracterizou o estilo poético iraquiano, o qual é classificado desde o tradicional ao moderno, passando pelos limites do experimental, com temas que cobrem territórios comunicacionais como o amor, a guerra, as antigas sanções da ONU, o fascismo, a tortura, a prisão, o exílio, etc.
De resto, desde 1960, que os poetas iraquianos mais conhecidos (aqueles dos quais procuramos aqui dar notícia) introduziram na sua poética um novo imagismo, novas métricas e sensibilidades, como os poetas de todo o mundo.
Sempre visível, porém, a intertextualidade e uma espécie de vasos comunicantes, nos poemas comprometidos, nos cânticos populares e na poesia chamada de autor, alimentando no fundo uma poética com a marca da identidade de quem luta para manter intacta essa mesma identificação com uma cultura, património da humanidade.
A poesia de Latif Hamet, outro poeta Pesh merga, testemunha esse sentido de uma luta que nos parece ancestral, telúrica e, nem por isso, desprovida de lirismo universal, ainda que seja uma poética datada e muito regional:

Eu vou mãe.
Se não regressar,
serei flor desta montanha
torrão de terra
para um mundo
maior do que este
(…)
Eu vou mãe.

Se não regressar,
a minha alma será palavra
para todos os poetas.

quarta-feira, outubro 20, 2010

As mãos de Lascaux

As mãos de Lascaux estendem-se
até aqui, pequenas
marcas deixadas para trás
desde o fundo da terra
as mãos de Lascaux
não vemos, mas repartem o silêncio
que a pedra não fechou
Não se chamam mãos
chamam-se vento, amor e água
e medo
também penso em universo
embutido na parede.

16/10/2010

terça-feira, outubro 19, 2010

A Rosa de Milton

“E a rosa sem espinhos”
John Milton, (in Paraíso Perdido)
A rosa de Milton que passou
o veludo pelo rosto
tocando à vez o rosto e a noite
do Poeta, branco no branco, a flor
silenciosa
inundou de odor por fora
as demais coisas
que só a alma de Milton tocou.
16/10/2010

quarta-feira, outubro 13, 2010

As Luzes ao Fundo

Estaria perdido se ao longe
não visse
as luzes da costa, lanço
os meus olhos na corrente da noite
os meus olhos como âncoras
e da noite furto o seu instinto
do equívoco

Prouvera a Deus que a distância
entre a minha janela e a costa
não seja ilusória e não perca
o momento de encolher a saudade
e nas areias erguer um padrão
e pôr nos lábios
o meu coração como um tambor.

12/10/2010

segunda-feira, outubro 11, 2010

A poética da Expulsão (do Paraíso)

NO PARAÍSO

Poema inédito do poeta residente Rui Miguel Duarte

“no Paraíso, estive à beira de todas as cores
quando as manhãs acordaram nos meus olhos”
J. T. Parreira, “Expulsão do Paraíso”

Percorridos todos os limiares
e arestas negras, as artérias de granito
em vez da ondulação dos teus cabelos
trocadas as tuas carícias por um grito

culpados de todas as traições
de nos acolhermos ao colo de um pai estranho
extraviados da sabedoria de todas as cores
que falavam das manhãs acordadas de antanho

esquecidos das brisas lentas
das conversas sob as árvores ao fundo
da tarde, restou-nos a sombra do teu vulto
projectada como noite sobre o mundo

Mas na tua carne e no teu sangue
rasgaste para sempre a distância a frio
depusemos então as saudades à soleira da porta
reaprendemos então a alegria da Tua voz de rio

7/10/10

quinta-feira, outubro 07, 2010

Mario Vargas Llosa, Nobel da Literatura


A Academia Sueca, apesar de surpreender sempre, umas vezes pela negativa, desta feita redimiu-se e, contra todos os prognósticos e profecias da Sibila, escolheu a Língua de Cervantes.

quinta-feira, setembro 30, 2010

Nos cantos onde o poeta escreve

Poetas Brissos Lino e JTP, e o Maestro Pedro Duarte.
Poema a quatro mãos:

Nos cantos onde o poeta sofre
caminheiro de estranhos mundos
prenhes de perfumadas vibrações
sente-se a ressonância dessa ternura
doce e leda
nos cantos onde se escondem silenciosos
olhos infantis que esperam
a construção das horas
por aí se observam inesperados
interstícios do coração
e se acoberta a fantasia breve
dos homens livres
quando o vale de ossos secos
de papel
uma simples folha branca se agita e revolve
como súbito canavial
por entre sombras impolutas
e gritos de dar à luz
então o poema nasce
formoso
e não seguro.

22/9/10
(Brissos Lino)

No recanto sob a palidez da luz
em que as palavras no papel navegam
os cantos do poeta
são o mundo, numa folha
há conversas
que são frutos dos lábios, mas vêm
de raízes profundas e longínquas
os olhos do poeta, pacientes
retinas vão abrindo, vê-se
nos seus olhos, nos cantos
é onde não parece
mas o poeta é livre, enquanto
escreve é como a flor silenciosa
os cantos do poeta, salvam-no
do olvido.
As paredes não prendem o olhar
aos cantos do poeta, voa
quando menos se espera o poeta
não está lá.

23/9/2010

terça-feira, setembro 28, 2010

Dança

Nunca conseguiremos ser perfeitos
uma ave
como um desenho de vento
um corpo a saltar
de estrela em estrela, um pas de deux
onde roda o universo, duas pernas
como ponteiros de um relógio
nunca conseguiremos o ângulo raso
da beleza.

24/9/2010

domingo, setembro 26, 2010

Esquecimento, Hart Crane

Esquecimento é como a canção
Que, livre de ritmo e medida, flutua
Esquecimento é como a ave cujas asas se encontram,
Distendidas e imóveis, --
Uma ave que rodeia o vento infatigável.
Esquecimento é chuva nocturna
Ou uma velha casa na floresta, -- ou uma criança.
Esquecimento é branco, -- pálido como a árvore desolada
E pode enganar as profecias da Sibila
Ou sepultar os deuses.
Eu posso lembrar muito esquecimento.

(Trad. de J.T.Parreira)

segunda-feira, setembro 20, 2010

Com o poder da mímica

Com o poder da mímica
inventarei um outro
que do lado de fora da prisão
dos dedos
encherá a minha solidão
O seu silêncio alegre
em círculos
caminhando, será o vento
que veste as minhas mãos
será um cavalo ou uma estrela
uma mulher num rio
será um outro
que corre de mim
e cresce, move e reina
num sorriso de menino.

16/9/2010

sábado, setembro 11, 2010

Poemas sobre as Crianças do Holocausto

POEMAS SOBRE FOTOS DAS CRIANÇAS DO HOLOCAUSTO,
para ler AQUI



A Marcha

A morte não deveria ser obrigatória
em marcha
nestes pequenos pés
Uma fila de olhos sem regresso
pequenas dimensões
onde só deveria estar a alegria
vão
sem reparar que é enganosa
a sua infância tranquila.

sexta-feira, setembro 10, 2010

Tu sabes? (pergunta sobre o holocausto das crianças)

Poema inédito de Clélia Inácio Mendes

Tu sabes onde foram as crianças, Sabes onde estão?
Sabes porque se ouvem notas musicais de flautas
E ninguém dança…
Sabes porque há ainda marcas de anjos
No chão frio da tarde e delas nem traço?
Sabes das crianças, João aquelas crianças que espreitavam
Pelo arame pingado de sal de olhos
Debaixo do céu sem cor e trapos de silêncio
Por onde foram?
Senta-te um pouco na soleira da alma com a poesia na mão nua e a tinta
Do sangue nos caminhos por onde elas não passarão.
Aquelas por quem pergunto e não vejo, nem a sombra, nem o riso partido
Do espelho a que falta pedaços.
Eu fico também aqui sentada nesta pedra suja e gasta
Espreitando agora pelo arame pingado de sal, com os dedos crispados
E a boca despida de gritos.

quarta-feira, setembro 08, 2010

quinta-feira, setembro 02, 2010

Receita para fazer uma rosa

Uma abelha ou duas(...)
E a sépala, a pétala, e um espinho (...)
Eu tenho uma Rosa!


Emily Dickinson


Como se faz uma rosa, a rosa
imensa, com pequenos pólenes
salpicando o ar
A serenidade da pétala
com outra pétala, o amor
do estame vertendo
Dois saltos de abelha entre dois lábios
E toda a seda
que vem ao colo do vento.

18/7/2010