quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Alta Velocidade

(Já em 1992( data da foto) tínhamos.)

CANÇÃO DA PARADA DO LUCAS

Parada do Lucas
-O trem não parou.

Ah, se o trem parasse
minha alma incendiada
Pediria à Noite
Dois seios intactos.

Parada do Lucas.
-O trem não parou.

Ah, se o trem parasse
Eu iria aos mangues
Dormir na escureza
Das águas defuntas.

Parada do Lucas.
-O trem não parou.

Nada aconteceu
Senão a lembrança
Do crime espantoso
Que o tempo engoliu.

(Manuel Bandeira)

terça-feira, fevereiro 05, 2008

Literary Kicks

Action Poetry is in effect.

For On the Waterfront by JTParreira

Há Lodo no Cais



Nos últimos anos procurei ver
Há Lodo no Cais
o audível Brando
com olhos deprimidos a vaguear
na face
a sua elegia contra a Máfia
Contudo realmente eu queria ouvir
acerca de Joey
Joey que costumava treinar pombos
mas caiu do telhado.

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Rapariga com brinco de pérola


Vermeer toca na luz
onde põe um brinco de pérola
a carne virgem pálida
da face teve o leite da aurora
exposta em Delft
à janela
os seus lábios
entreabrem o carmim
a rosa do silêncio.

2/2/2008

Poema do Poema do Bandeira

Diz o Manuel Bandeira
em poema bem gizado
que um tal João Gostoso
"bebeu
cantou
dançou
depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas
e morreu afogado"

E que belo lugar para um filho do Rio
morrer afogado
sem frio
direi eu
em especial depois de
beber
cantar
dançar
nada mais pode ser perigoso
sentiu o João Gostoso.

(Brissos Lino)

sábado, fevereiro 02, 2008

Tradução para Turco

Mevsimsiz Forum >

STAYNVEY & OĞULLARI
Joao Tomaz Parreira (1947-)

Üç bacağı Staynvey’in
yerin üstündeki damarların içersinde
kuşlardan bir senfoniyi havaya kaldırır

zarif bacakları
Staynvey’in
bir kadın gibi

dinlediğimiz
aheste beste
siyah elbisesinin içersinde.

(Çeviren: Vehbi Taşar)


STEINWAY & SONS
by Joao Tomaz Parreira (1947-)

Three legs of the Steinway
raise a symphony of birds
in the veins above of the floor

the elegant legs
of the Steinway
as a woman

whom we listened
slowly
in its black dress.

quarta-feira, janeiro 30, 2008

Como Abraão

Ora mordo
Come un bambino la mammella
lo spazio

Giuseppe Ungaretti


Morde
como um menino os seios
da Via Láctea
Na boca aberta um espanto
sorve o leite matinal
que vai nascer
da aurora
Enquanto isso procura
entre as distâncias
das estrelas
os nebulosos mares
Tudo o que está velado
procura
perde o inacabado número
das estrelas
e regressa ao zero
e recomeça do que sobra
do coração
cansado.


30/1/2008

terça-feira, janeiro 29, 2008

A Imobiliária

A casa vende-se assim, imóvel
no chão, os objectos na penumbra
deixados na dimensão do natural
sobre um móvel e também
ao fundo da memória
A mesa de que tanta boca dependeu
a um canto um sofá disciplinado
fazem parte do recheio
A porta verde à frente, que não abre
a luz para os insectos
a colcha amarelada sobre a cama
cinco almofadas melancólicas
ficarão no reflexo do espelho
que abre na parede o infinito.

22-11-2007

segunda-feira, janeiro 28, 2008

Delmore Schwartz, um poema

Na cama nua, na Caverna de Platão
(In the Naked Bed, in Plato's Cave)

Na caverna de Platão, nua
A cama com as luzes reflectidas
A deslizarem na parede,
E carpinteiros que martelam na sombra
Debaixo da janela,
O vento agitou as cortinas toda a noite,
Uma frota de camiões rua acima, relinchando,
Com a carga coberta, como de costume.
O tecto acendeu-se outra vez, um quadrado
Deslizando para as paredes.
Ao escutar os passos do leiteiro,
Seu esforço pelas escadas, o tilintar das garrafas,
Levantei-me da cama, acendi um cigarro,
e andei para a janela. A rua empedrada
Estendia a quietude que vinha das casas,
A vigília dos postes de luz e a paciência do cavalo.
O puro capital que temos num céu de inverno
Fez-me voltar para a cama de olhos exaustos.

(Trad. J.T.Parreira)

sábado, janeiro 26, 2008

Dobrada à moda do Porto

Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.

Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo...

(Álvaro de Campos)

quarta-feira, janeiro 23, 2008

Poema tirado de uma notícia de jornal

João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no
morro da Babilónia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

(Manuel Bandeira)

segunda-feira, janeiro 21, 2008

Dossiê Delmore Schwartz na CRITÉRIO

Blockquote J. T. Parreira>Tradução de "America America"...O dinheiro, nessa sociedade, passou a ser um fim em si mesmo, fetichizado, a ponto de os meios de que a sociedade dispõe para alcançar os seus objetivos qualitativos terem se transformado numa potência independente>>leia artigo

>O poeta projectado no Hudson River...Essa ausência de interrogação direta do próprio tempo no texto poético é como que sinônimo de ausência de rebeldia, trocada pelo gosto por um beletrismo que promete a ilusão de ascendência fácil ao panteão da academia>>leia artigo

A revista insere também textos de Virna Teixeira e Alexandre Andrade.

quinta-feira, janeiro 17, 2008

Marilyn Monroe



"made your lips more real with lipstick"
Allen Ginsberg

Tornas os teus lábios mais reais
Com baton, os teus lábios
Vermelhos
Engolem uma plateia
Cheia de olhos.

16/1/2008


&

As Meninas de Diego Velásquez, estão aqui

As meninas de Velásquez

segunda-feira, janeiro 14, 2008

A Poesia surrealista de Lorca

Estava no terraço lutando com a lua.
Enxames de janelas crivavam um músculo da noite.
Nos meus olhos bebiam as doces vacas dos céus
e as brisas de largos remos
golpeavam os cinzentos cristais da Broadway.

A gota de sangue buscava a luz da gema do astro
para fingir uma semente morta de maçã.
O ar da planura, impelido pelos pastores,
tremia com um medo de molusco sem concha.

de Poeta en Nueva York
(«Danza de la Muerte»)

(Trad. J.T.Parreira)

Lascaux


Ler Lascaux hoje aqui:

domingo, janeiro 13, 2008

Music Under New York

Ter viajado debaixo de Nova Iorque
com a música a travar
os nossos passos
Há algo sobre esta quietude
nas ruas debaixo de Manhattan
não há pó
E aqueles trens o que estão a fazer
debaixo de Nova Iorque
é a parte sólida da música.

12/1/2008

terça-feira, janeiro 08, 2008

Helena de Tróia

Helena de Tróia

Ao contrário das mulheres de Atenas
a bela Helena foi rastilho
de guerra
entre gregos e troianos

o mar Egeu não conteve as lágrimas
da cidade destruída
por um cavalo de pau.

Está-lhes nos genes
as mulheres
ou fazem a guerra
ou sofrem-na.

Palmela, Janeiro de 2007

(Brissos Lino)

sexta-feira, janeiro 04, 2008

Encomenda a Stravinsky

Uma partitura onde desça a música
de onde um arco
de violino atire uma pomba
e uma ampla mão conduza
de onde uma profunda
garganta sopre desde a alma

(enquanto Stravinsky
acendes pássaros)

A partitura de onde os anjos
puxem as rédeas dos címbalos
e pastores anoiteçam os rebanhos
nas vigílias do céu
A partitura de onde um arco
de cello serre o silêncio.

3/1/2007

quinta-feira, janeiro 03, 2008

Um poema de Ángel González


EL OTOÑO SE ACERCA

El otoño se acerca con muy poco ruido:
apagadas cigarras, unos grillos apenas,
defiendem el reducto
de un verano obstinado en perpetuarse,
cuya suntuosa cola aún brilla hacia el oeste.
Se diría que aquí no pasa nada,
pero un silencio súbito ilumina el prodigio:
ha pasado
un ángel
que se llamaba luz, o fuego, o vida.
Y lo perdimos para siempre.


O OUTONO APROXIMA-SE

O outono aproxima-se sem muito barulho:
cigarras apagadas, apenas grilos
que defendem o reducto
de um verão obstinado em ser eterno,
cujo rasto esplêndido ainda brilha no oeste.
Dir-se-ia que aqui nada se passa,
mas um silêncio súbito ilumina o prodígio:
passou
um anjo
que se chamava luz, ou fogo, ou vida.
E perdemo-lo para sempre.

(Trad.J.T.Parreira)

domingo, dezembro 30, 2007

No princípio do século vinte

Picasso, Mulher a ler

Mulher que lê o jornal

Notícias da província
do país
do mundo
os balões de ar quente
o zeppelin
o primeiro aeroplano
telefonia sem fios
sufragistas
naturalistas e novas descobertas
mora tudo nas páginas do jornal
que ela lê

absorta
o romance de Zola
a poesia de Junqueiro
os desenhos de Bordalo
o borda d’água
as modas de Paris

a balzaquiana de trinta anos
devora o jornal
com persistente interesse
a pressentir que a vida
afinal
não termina na soleira da porta
nem o mundo no fim da rua.

(Brissos Lino)

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Sylvia and Ted

Quando estavas comigo
eu nunca ia morrer

Os meus olhos vagueavam
sem ti, o meu medo
tinha ruídos
todos os passos, as sombras
eram coisas sólidas

quando escrevia a morte
riscava as folhas de papel
mas quando estavas comigo
eu ia durar a vida inteira

As tuas pernas
sustentavam as minhas quedas.

12/2007

sábado, dezembro 22, 2007

America, by Gertrude Stein



Once in English they said America. Was it English to them.
Once they said Belgian.
We like a fog.
Do you for weather.
Are we brave.
Are we true.
Have we the national colour.
Can we stand ditches.
Can we mean well.
Do we talk together.
Have we red cross.
A great many people speak of feet.
And socks.

AMÉRICA
Uma vez em inglês disseram América. Era inglês para eles.
Uma vez disseram em belga.
Nós gostamos da névoa.
Contribuímos para a atmosfera.
Somos os bravos.
Somos os verdadeiros.
Temos a cor nacional.
Podemos pôr o pé na poça.
Significamos muito.
Falamos ao mesmo tempo.
Nós temos a cruz vermelha.
Muita gente fala de pés.
E peúgas.
(Trad. J.T.Parreira)

sexta-feira, dezembro 21, 2007

O não ter Senhor começado uma rua

quadro de Marc Chagall

O não ter havido Senhor para ti
lugar na cidade, nas mãos
que deveriam ungir-te, até
lugar na voz que prometera
do fundo dos dias cantar-te
O não ter havido Senhor uma porta
uma casa cheia para receber-te
um espaço entre os peitos
de todas as mães, um olhar
onde morasses com ternura
O não ter Senhor começado uma rua
à espera do teu Nome
nem ainda hoje quando passas
Senhor no rosto de um homem
ou uma mulher feliz por te acolher.
Bom Natal para todos que passem por aqui!

quinta-feira, dezembro 20, 2007

O Tempo que passou

Edição de 1996


Fogo de Artifício

Faúlhas sibilinas
no bafo quente da noite

regalo sempre novo na retina

povoléu pasmado
plantado
no chão quente
da noite

as lâmpadas que povom a praça
do município
alumiam rostos cansados
e felizes
acabados de saber
que há festa

trovoada provocada
no limiar da alegria.

(Brissos Lino)

terça-feira, dezembro 18, 2007

Presentación del libro DISTANCIA


Da poeta brasileira minha amiga, Virna Teixeira, tradução de Jair Cortés e Berenice Huerta,

apresentado em Puebla, México, em Novembro.



Um poema cedido pela autora para Poeta Salutor:


EPIDERMIS

pudiera recortar un
instante — éste

cuando la luz, lúgubre
en los ojos
disipa

desnudez, leve toque
en los hombros

lunares

domingo, dezembro 16, 2007

Poeta sem saber onde pôr as mãos

O poeta Laurence Ferlinghetti na sua livraria


As mãos estão nos bolsos
com todas as suas lembranças,
protegidas
da vergonha por estarem vazias.
As mãos têm frio
fora dos bolsos, no vento
encanado entre os dedos.
Por isto,
Onde pôr as minhas mãos
tão solitárias, ao longo
do admirável corpo?
O poeta não sabe em cada manhã
entre tantos ofícios
onde cabem as suas mãos.

sexta-feira, dezembro 14, 2007

outro Pollock no soalho


Do modo como o pintor se instala
no branco das suas telas
gotejando sobre o soalho

ficamos a saber que vai partir
para qualquer sonho
como um poeta na estéril branca

página
Com seus olhos cheios
e passos que começam no deserto.


14/12/2007

quinta-feira, dezembro 13, 2007

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Read This- a Magazine


"Read This, Magazine" de versos e prosa criativa, editada em Edinburgh, pelo Departamento de Literatura da Universidade. No número de Dezembro publicou, desta casa, 2 poemas traduzidos para o inglês: "Steinway and Sons" e "The Flamenco Dancer".

terça-feira, dezembro 11, 2007

Sodoma e Gomorra


CIDADE MALDITA

eis um dos capítulos mais tristes
da Bíblia -
Génesis 19



À porta de Sodoma
Loth assentado
desenha pensamentos
inéditos
de Deus


de costas
para a cidade


e os anjos aguardam
nas dobras da meditação
os olhos do residente


à casa de Loth
acorrem três gerações
de delitos
a ultrajar os céus


de noite todos os anjos são pardos


…………………………………


e a saudade foi estátua
de coração abandonado
às veias
salgadas
da terra maldita.


(Brissos Lino)

domingo, dezembro 09, 2007

No próximo Natal em Belém




Que criança regressa agora
a Belém para nascer? Hoje,
há um avião que bate
nos arcanos do tempo,
um carro de combate que regula
a pontaria onde começa o homem, uma casa
fechada atrás de sulcos
na parede, há novelos farpados de arame
para enredar os pés, e as estrelas
procuram-se com olhos cabisbaixos.

Hoje que criança transgride
o recolher obrigatório?
E vem nascer em Belém
num leito onde deitam a boca
os animais
e o silêncio das línguas?

quarta-feira, dezembro 05, 2007

terça-feira, dezembro 04, 2007

Um Poeta Pernambucano

O PÁSSARO SEM VOO

O pássaro sem vôo, solto na sala,
ficou sendo um brinquedo de criança
Que lhe importa a manhã?
Por que saudá-la,
Se a cantiga desperta a mão que o alcança?
De que lhe vale o canto? O canto é apenas
alegria de estranhos
Não é tudo.
O canto é inútil como são as penas.
O pássaro sem vôo, cantando, é mudo.

(José Chagas -Pernambuco, 1924-)

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Brissos Lino, Poeta entre Tróia e o Vau

O Dr. Brissos Lino nasceu em Lisboa. Tem formação de base em Ciências da Religião (Doutoramento), o Mestrado em Relação de Ajuda(ISPA), é também Pós-Graduado em Gestão de Stress, pela Universidade Independente. É membro da Direcção da Associação Portuguesa de Psicoterapia Centrada na Pessoa e de Counselling (APPCPC), e membro do Grupo Português de Psiquiatria Consiliar e de Ligação (GPPC/L). É Professor universitário, Psicoterapeuta e Formador, sendo autor de diversos artigos em revistas científicas e comunicações em congressos científicos.

O ano de 1972 é o ponto mais antigo do encontro de que me recordo, com o meu Amigo Brissos Lino na Poesia. Sobretudo na Poesia de inspiração cristã evangélica.


BARCO À VELA


Um pequeno barco à vela
lá muito ao longe, no mar
parece que não se move
mas percebe-se a navegar.

O vento de feição curva-lhe as velas
brancas de paz
havendo ondas ou mar chão
tanto faz.

O Sol brilha no casco, também alvo
e os dois tripulantes, de tronco nu e luzidio
concentram-se nas tarefas de marinhagem
sem calor nem frio.

Mas se uma sereia levantar a voz do canto
e os atrair ao perigo
aí vou-me lembrar que tudo isto não passa
afinal
de um simples quadro a óleo
pendurado na parede
da sala
mesmo ao lado do postigo.


Praia do Vau, Agosto de 2007

(Do livro inédito, "Princesa Triste")

sábado, dezembro 01, 2007

O "Godot" afro-americano

J.Kyle Manzay e Wendell Pierce na peça «À Espera de Godot», de Beckett, a qual se desenrolou ao ar livre em vários lugares de Nova Orleães. Num ou noutro ponto da cidade devastada pelo Katrina, foi aproveitada a intersecção de duas ruas como palco.

In The New York Times, hoje.

sexta-feira, novembro 30, 2007

O Hóspede

Os díscipulos de Emaús, de Caravaggio

Depois da noite se instalar
ao redor do fogo, abrir
sobre a cama um espaço
para o corpo se atirar
e lençóis que ainda trazem
os perfumes da manhã
alguém chega, entrou
pela noite com olhos indecisos
e sonhos de distância
traz sono e estremece
à mais pequena folha
que cai na noite fresca
esse alguém onde o vedes
pode trazer um coração
lavado, uma metáfora
dissonante, molhos
de palavras, e partindo
o pão, abrir os nossos olhos.
15/10/2007

quinta-feira, novembro 29, 2007

Viola, de José Craveirinha

No coração dos homens
a vida ficou um grande hectare de terra fresca de chuva
o sol dando um sentido às largas folhas das árvores
e brunindo
seios duros e inquietos ao pilar do milho

Era o feitiço dos dedos
em sonhos de compasso e esquecimento,
o mundo saindo das latas de castanha de caju
nas densas cordas da viola de Tingane.

Passos soltos na tarde maravilhosa de domingo
Tingane, rua e viola
ritmo...
ritmo...
ritmo invencível de coisa nova!

quarta-feira, novembro 28, 2007

terça-feira, novembro 27, 2007

Do meu amigo poeta Brissos Lino

UMA NUVEM EM TRÓIA

Hoje há maçãs húmidas
na nossa praça

já não chove
e há caracóis resolutos
em cada pedaço de erva

a Arrábida molhada
seca agora
aberta ao sol.

Paira ainda uma nuvem solitária
sobre a península
a projectar sombra no rio

nuvem esquecida
envergonhada
no tecto limpo
de Tróia.

quinta-feira, novembro 22, 2007

e.e.cummings transliterado

um riso sem um
rosto(um olhar
sem um eu)
cuida

do(não to
que)ou
desaparec
erá semru

ído(na doce
terra)&
ninguém
(inclusive nós

mesmos)
relem
brará
(por uma fra

ção de
um mo
mento) onde
o que como

quando
por que qual
quem
(ou qualquer coisa)

(Trad. de Augusto de Campos)

quarta-feira, novembro 21, 2007

Poema para o amor

Vieram fazer ninho. Nos teus braços
acenava uma janela
por isso vieram fazer ninho.
O primeiro pássaro, pesando no ar
como a luz do outono
depois o segundo com os olhos de azul
como se a fevereiro não restasse
outra cor senão a luz.
Vieram a gosto, para refrescar a solidão
que é uma taça de cristal
de silêncios
são os filhos que vieram
fazer ninho
na alegria mais alta do teu rosto.

sábado, novembro 17, 2007

"Trozo de Piel", poemas de Pablo Picasso


Gritos de meninos gritos de mulheres gritos de
pássaros gritos de flores gritos de madeiras e
de pedras gritos de ladrilhos gritos de
móveis de camas de cadeiras de cortinas de
caçarolas de gatos e de papéis gritos de aromas
que se arranham gritos de fumo…

(15-18 de Junho de 1937)

(Trad. de JTParreira)


A escrita poética de Picasso não foi alheia aos conflitos (Guerra Civil de Espanha e II Guerra Mundial) marcada pelo medo e pelas ameaças que desvalorizaram o homem perante os animais.
Na figuração e dissociação dos elementos que formaram Guernica, a chacina e destruição da cidade sagrada dos Bascos, por exemplo. E uma amostra disso é este texto do livro de poemas, Trozo de Piel, marcado por um pendor expressionista.

#
Bom fim de semana.

sexta-feira, novembro 16, 2007

Miguel Torga, evocação do Centenário

Associando-se à evocação do Centenário do nascimento do poeta, o Grupo Poético de Aveiro promove um recital de poesia no dia 23 de Novembro, sexta-feira, pelas 21h45m, na Biblioteca Municipal de Aveiro.
Além de diversas leituras, a cargo de vários elementos do Grupo, do evento fará parte uma comunicação: Miguel Torga pelo Prof. Doutor António Manuel Ferreira, docente da Universidade de Aveiro.

segunda-feira, novembro 12, 2007

Rua Carvalho Araújo-Revisitada



Stand in the dark light in the dark street
Gregory Corso


Como um obelisco escuro de pé
na luz da rua às sombras encostado
procuro entrar na memória
de uma janela, vivi ali?
Soltava os meus olhos de cinco anos
para a rua em baixo
outra gente que anda lá não suspeita
de nada
como um mundo novo que foi para mim
aquele quarto.

8-11-2007

sábado, novembro 10, 2007

Revisitações


Poeta norte-americano, Gregory Corso (1930-2001)

Casa onde nasci

Fico de pé na luz escurecida da rua escura
olho para a minha janela, nasci ali.
Há luzes acesas, por lá outra gente move-se.
De gabardina, acendo a boca num cigarro,
um olho sob o chapéu, a mão engatilhada.
Atravesso a rua e entro no edifício.
As latas do lixo não escondem o mau cheiro.
Subo ao primeiro andar; Orelhas Sujas
dirige-me a navalha…
Eu apalpo-lhe todos os relógios furtados.

(Trad.J.T.Parreira)


Birthplace Revisited
(from Gasoline)

I stand in the dark light in the dark street
and look up at my window, I was born there.
The lights are on; other people are moving about.
I am with raincoat; cigarette in mouth,
hat over eye, hand on gat.
I cross the street and enter the building.
The garbage cans haven't stopped smelling.
I walk up the first flight; Dirty Ears
aims a knife at me...
I pump him full of lost watches.

(Gregory Corso)

quarta-feira, novembro 07, 2007

Alba



Alba

As cool as the pale wet leaves
of lily-of-the-valley
She lay beside me in the dawn.

(Ezra Pound)


Alba

Tão fresca como as pálidas folhas molhadas
do lírio dos vales
Estendeu-se ao meu lado na aurora.

(Trad.J.T.P)

sábado, novembro 03, 2007

A árvore de Mondrian




No dia em que a árvore de Piet Mondrian
ficou do tamanho vermelho
dos seus ramos
o vento
emaranhado nos ramos tranquilos
Mondrian nos mostrou
o interior do nada.

(At day when the Piet Mondrian’s tree
was of the red size of the branches
the wind
entangled in the calm branches
Mondrian shows to us
the interior of nothing.
)

In Literary Kicks and The Literature Network

sexta-feira, novembro 02, 2007

A 5ª frase ("venham mais cinco")

A Linha de Cabotagem (http://www.linhadecabotagem.blogspot.com) passou-me este desafio e a Helena Monteiro é credora de Arte e de Literatura:

As regras:
1.Pegue no livro mais próximo; 2.Abra na página 161 e procure a 5ª frase completa; 3.Transcreva-a na íntegra para o seu blogue; 4.Passe o desafio a mais cinco bloggers.

"Tal vez suponga el lector que ya es hora de que aparezca en el horizonte otra Montaña Deleitosa."

in "La Habitación Enorme", de e.e.cummings, pág.161, Espasa Galpe, 2004

Estava a trabalhar na tradução de um poema de cummings e tinha a meu lado este livro autobiográfico do poeta norte-americano.

www.romadevidro.blogspot.com
www.aluzdovoo.blogspot.com
reading-writing.myblog.it
www.ana-maria-costa.blogspot.com
www.atmo-sphera.blogspot.com

quinta-feira, novembro 01, 2007

Poema xiii


a máquina de escrever de e.e.cummings



platão disse

lhe: ele não podia
crer nisso(jesus

disse-lhe; também
não quis
crer)lao

tsé
certamente disse
lhe, e o general
(sim,

madame)
sherman;
e ainda
(acredite
ou

não) tu
disseste-lhe: eu disse
lhe; nós dissemos-lhe
(ele não acreditou, não

senhor) levou
com um bocado japonês
do antigo viaduto

da avenida
6ª; no topo da sua testa: para

ele crêr

Trad.J.T.Parreira

segunda-feira, outubro 29, 2007

Steinway & Sons




Três pernas do Steinway
elevam uma sinfonia
de pássaros nas veias

acima do soalho
esbeltas
pernas do Steinway

como a mulher
escutada lentamente
no seu vestido negro.


28-10-2007

sexta-feira, outubro 26, 2007

Charles Bukowski




CHARLES BUKOWSKI

O fundo da garrafa
de cerveja aumenta
o colapso das coisas

Desaparecem os olhos
no interior as mãos dizem
adeus desde o fundo

da garrafa nós veremos um
duro branco
corpo

segunda-feira, outubro 22, 2007

O Dono da Tabacaria


Foto de Luís Pavão



O Dono da Tabacaria vem à porta
para espreitar o mundo, seus olhos
procuraram no chão a rota incerta
à porta
como uma prestidigitação
surge e oculta-se
nos olhos de Pessoa
o seu universo reconstrói-se
em algum ponto infinito
pela janela do quarto
correm automóveis, transeuntes
velhos experientes
isoladamente sós cachorros
que fará quando o dia se apagar
nos vestígios do mundo nas janelas?

21/10/2007

quarta-feira, outubro 17, 2007

Expressionismo, uma profecia da bárbarie do Séc.XX


Nosferatu

«Quando Gregor Samsa acordou uma manhã, depois de um sonho agitado, achou-se transformado num gigantesco insecto.» ( para começar com um parágrafo definitivo de Kafka), foi o início de um pesadelo que representa uma alegoria. O escritor checo usou-a na novela A Metamorfose (1912) para explicar o absurdo da humanidade tão cheia de lógica, a dar os seus primeiros passos no idealismo do super-homem para as filosofias existenciais, mas que vê-se repentinamente transformada em qualquer coisa de mal, nos acontecimentos mundiais que a história europeia conhece desse tempo.

Nas primeiras duas décadas do Século XX, a angústia, a inquietude e a morbidez apoderaram-se da humanidade. E foi o Expressionismo Alemão que revelou esse estado de espírito, «profetizando» o mal que se iria abater sobre a Europa em particular e o Mundo de um modo geral.

Nas artes plásticas, como reacção à fase derradeira do Impressionismo (chamaram-lhe pós-Impressionismo), ergue-se na Alemanha uma ponte (Die Brucke) que liga aquele às novas correntes estéticas, mas que ao atingir o outro lado dessa ponte - o Expressionismo- corta quaisquer veleidades de um regresso. O novo movimento seria a arte do instinto, substituiria a impressão do momento causada de fora pelo sentimento nascido no interior, expressando-se patética, trágica e sombriamente, com uma técnica violenta.

A tela mais impressionante que antecipava esse período, pela angústia que demonstra, é, sem dúvida, O Grito (1906) do norueguês Edvard Munch. A violência profética do que haveria de ser o grito lancinante da Europa dos guetos e dos campos de concentração e extermínio nazis, dos bombardeamentos em massa, e - não o esqueçamos- dos Gulag estalinistas. Sobretudo, impossível de englobar em um só grito e de olvidar pela História, o trágico Holocausto, que aplicou a dizimação de milhões de judeus da Europa e explorou antes sua mão-de-obra escrava.

Mas, de um ponto de vista profético, o Expressionismo influenciou muito mais a poesia. Como sinal dessa identificação, havia sobretudo a crueza do verso, do verso militante que não procurava sustentar-se no lirismo, mas no descarnamento da realidade, uma poesia até ao osso.

Como nas obras de arte, o aspecto da deformação da realidade e a angústia existêncial do homem moderno estão patentes na poesia expressionista.

Poetas como Gottfried Benn, August Stramm, Georg Trakl, e uma poetisa Else Lasker-Schuler, para só citar os mais conhecidos, descreveram o caos de uma forma nua e crua, as palavras carregaram-se de angústia e no lugar das emoções expressaram as tensões e os tumultos da alma humana. Foram, de certa maneira, como alguém lhes chamou, «os poetas do grotesco».

Mas um dos poemas ardentemente radicais e proféticos, extravassando o desespero perante os indícios da realidade, que viria a chamar-se barbárie, veio de um poeta não tão notável quanto aqueles; Albert Ehrenstein -« Conservadas pelo frio, amontoam-se à volta do charco,\ Do lago do mundo dos mortos, \ As torres de cadáveres.». Nestes versos, o campo semântico remete para a guerra e prepara com a metáfora da mitografia da Barca de Caronte (o barco que transporta os mortos), o ambiente da catástrofe que seria a II Guerra Mundial e todo o horror dos campos de extermínio nazi. Este mesmo poeta descreveria, porventura sem nenhuma ligação ao quadro de Munch, o grito do Homem em versos como «Nós, os amordaçados, estamos envolvidos \ Por demónios, e brutalmente oprimidos», dum poema intitulado «Grito humano».

Todavia os grandes poetas desse movimento chamado Expressionismo, fariam associações mais grotescas da realidade com a metáfora, abrindo o tom lírico do verso à sensação selvagem, para que o verso sangrasse e provocasse até à dor.

Um excerto de um poema premonitório, «Berlim», pobre de metáforas, mas tão irónico como só Gottfried Been poderia escrever, é exemplar: «Quando arcos, pontes, erguidos,\ forem da estepe engolidos \ e o burgo areia escura \ e as casas desabitadas \ e as hordas e as armadas \ pisem nossa sepultura... \ hão-de as ruinas falar \ da grandeza do Ocidente ».

O futuro iria reservar à Europa uma reacção nova sobre a morte, a banalização da mesma. E assim o mesmo poeta, com uma morbidez irónica, anteciparia o que as SS e a Gestapo fariam perante a morte dos outros, ironizariam e comparariam seres humanos com piolhos. Um breve excerto do poema «Bela Infância» bastará: « A boca de uma rapariga que passara muito tempo no canavial estava tão roída.\ Quando lhe abriram o peito, o esófago estava todo esburacado \ Finalmente...\ encontrou-se um ninho de ratinhos. \ (...) \ Mas depressa tiveram também uma bela morte: \ Deitaram-nos todos à água. \ Ah, como os pequenos focinhos chiavam.»

O chamado «apocalipse alegre » da Europa de Strauss e Wagner, de Goethe e Heidegger, da primeira década, e da segunda e depois da terceira, foi vaticinado por outros poetas, como Georg Trakl, que não assistiu à «revelação» dos seus poemas sobre o desvario niilista do mundo, a hecatombe e a morte ( cometeria suicídio em 1914). «Vi-me num sonho de estrelas caindo,\ De preces chorosas num olhar ferido, \ De um sorriso que vinha ecoando - \ Mas não sabia entender-lhe o sentido. » Ou «Vi cidades pelo fogo consumidas \ E o cortejo de horrores pelo tempo fora, \ E muitos povos a pó ser reduzidos, \ Perder-se tudo nos fundos da memória » (do poema «Três sonhos»).

Tremendo entre estrelas e violinos, a nossa Europa das primeiras quatros décadas, foi-se afundando numa noite escura, que só o Julgamento de Nuremberga procurou, apenas com êxito judiciário, explicar.

sexta-feira, outubro 12, 2007

Como é teu nome

Ó mulher incompleta, amiga
Gioconda, teu sorriso estrangeiro
riscado nos lábios
nos desloca para o centro
do teu universo

Tuas mãos cruzadas
fora de ti, iluminam
a noite

Ó rosto pálido da aurora
onde os teus olhos já estão longe
de repente e o silêncio
como é teu nome esconde
e não diz nada.



11/10/2007

quinta-feira, outubro 11, 2007

The Announcement of the 2007 Nobel Prize in Literature



DORIS LESSING(1919)

Aristóteles definiu a Poesia(contra a História) como a narrativa do que poderia acontecer. A Academia Sueca do Nobel privilegiou(?!), este ano, uma espécie de poética do Espaço, a ficção científica. Mas também coisas aqui debaixo:tensões inter-raciais, a violência contra as crianças, os movimentos feministas...

quarta-feira, outubro 10, 2007

Senhor Lázaro

Dying / Is an art, like everything else.
Sylvia Plath



Está sentado na porta ancestral
De onde seus olhos
Comem os sonhos de pobre

Não podem saltar
No mundo
As suas pernas

Os seus olhos
Cansados
Lêem o Livro de Job.

segunda-feira, outubro 08, 2007

Um cigarro

No smoke without you, my fire.
Edwin Morgan


Não fumarei contigo
o meu pulmão.

Nem deixarei que parta
dos meus lábios
para a fadiga
interior, a morte.

Não há fogo sem ti,
obscura cinza.

Não fumarei contigo
o meu fogo,
que se esvairá
em fumo.

Não somarei as cinzas
ao meu corpo.

6/10/2007

quinta-feira, outubro 04, 2007

Jackson Pollock no soalho



Assim que o pintor se instalar
no branco de sua tela
o linóleo no soalho
para algum sonho
como um poeta na página
estéril e branca, com seus olhos
de profundidade
pisa somente no deserto.

quarta-feira, outubro 03, 2007

Museo del Prado



Os nossos olhos dão o alarme
seria útil ter no bolso
a quarta dimensão

para ouvir tudo o que dizem
através dos séculos
as estátuas e os quadros

as Meninas fechadas
por Velázquez, em vão
esperamos a forquilha

do vento
na carroça de feno
de Hieronymus

alheios a nós próprios
isso passa
reflectido nos espelhos

e enterramo-nos
no Museu até à sonolência
que desce às nossas pernas.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Escrita fonética? Alfabeto fonético?



Caldo brasileiro segundo Oswald

Entre indiferente e devoto
devoras a fala Mantiqueira
em pratos franceses.

Le pied de la lettre:

Sissou brrasileiro nulô
Como feijom tropeirrô:
Sissou preto como prreto
Sissou branco como brranco
Sissou branco como prreto.

E o porquinho, coitado,
Espedaça-se no caldo...

(André Merez)