José Régio escreveu versos nos quais é evidente o tempo poético.
Vagaroso, no deslizar de alguns dos seus poemas mais conhecidos, triturou o tempo com repetições - «Toada de Portalegre»-, ou foi demasiadamente rápido, como nos primeiros versos de um dos poemas maiores da nossa língua - «Cântico Negro».
Situado entre o presencismo intimista e uma espécie de neo-realismo com preocupações de ordem social, é, do meu ponto de vista, um poema estruturado entre a psicologia e a religião.
Os poemas de Régio distinguem-se por isso mesmo, ficam entre a categoria telúrica e a religiosa.
Com efeito, o poema «Cântico Negro», que marcou a recusa à imposição, ao assédio, pelos vistos insistente, do «Vem por aqui», é, sem dúvida, um desses em que o intimismo e a dúvida do poeta cede psicologicamente à pressão do telúrico, das raízes da terra, deslizando pelo religioso, mas com uma força e violência tais, que nos parece ter afastado Régio de toda a sua religiosidade. Assim o entendemos na without hope da apoteose dos versos finais do célebre poema:
Não sei por onde vou. / Não sei para onde vou. /Sei que não vou por aí.
Contudo, é no desenvolvimento contextual dos primeiros versos do poema em causa, que se acentua a pressa do poeta de Vila do Conde. Pressa em se afastar do ponto de viragem, no qual o assediam a entrar e em cujo caminho quase o obrigam a seguir, usando olhares doces, segundo a crítica do Poeta:
Quando me dizem «vem por aqui!»
Eu olho-os com olhos lassos,
(...)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali.
Não há elipses na linguagem, nem tautologias, regressos ao princípio, nestes seus versos, repetições tais como em «Portalegre cidade do Alto Alentejo». Eles fogem às pressões que rodeavam o poeta, resistem ao chamamento de quantos pareciam ter moralidade e ciência bastantes para o aconselhar.
Este poema é, sobretudo, um poema de fuga, e fuga em frente. E o rasto que deixa é um claro desafio aos homens e uma espécie de pugna com o Divino, como a luta de Jacob com o Anjo no Vau de Jaboque.
A pressa da fuga, detectamô-la no oitavo verso, por uma categoria gramatical tão simples quanto o comum advérbio de lugar.
Veja-se a distinção e o tempo a fluir, o tempo que não se compadece com indecisões, no momento preciso em que o chamam: Vem por aqui ( por este lado); mas Régio continua a afastar-se da proposta, seguindo o seu próprio caminho, não reconhecendo autoridade àqueles que o assediam, e afirma, já distante: E nunca vou por ali.
Entre o «aqui» e o «ali» existem um universo e um tempo de coisas indizíveis. Ou apenas um minuto de permanente rebeldia poética.
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