Votou a sua existência à luta contra a autoridade de Roma, vindo a fundar a Igreja Protestante. Os seus escritos polémicos, as colecções de poesia religiosa e sobretudo a tradução da Bíblia que publicou entre 1522 e 1534, são factores decisivos para uma unidade da língua alemã. In «Oito Séculos de Poesia Alemã», Olívio Caeiro, Fundação Calouste Gulbenkian, 1983
«Eine fest burg ist unser Gott,
Eine gute wehr und waffen,
Er hilft uns frey aus aller not,
die uns jtzt hat betroffen.»
Castelo forte é nosso Deus,
espada e bom escudo;
Com seu poder defende os seus
Em todo o transe agudo.
In Cantor Cristão, Juerp, RIO, 1971
A Poesia é o assunto do Poema - Wallace Stevens . Este Blog não respeita o Acordo Ortográfico.
segunda-feira, outubro 31, 2005
Martin Luther, depois das 95 Teses de 31 de Outubro
O Tempo que passou
Despojos
Desertaram palavras dum sentido
e a boca automática fechou-se.
Desistiram os olhos da paisagem
e a memória apagou-se.
As mãos abandonaram os esforços.
Indefiniu-se a alma de desejos.
Ficaram lábios frios e destroços
do corpo. Só despojos.
(José Augusto Seabra)
A terra
A terra
na guerra
é nossa
-do povo.
Na paz
a terra
é vossa.
E o povo?
Na terra jaz,
nas grades
do ovo-
sem guerra,
nem paz
nem renovo.
( Casimiro de Brito)
*
Bom dia!
domingo, outubro 30, 2005
O Testemunho do Génesis
no homem.
Impossível dizer outra coisa
da vida.
De toda a beleza do Éden
o que existe é o homem.
Entre o descanso e os relógios,
quando a luz compõe aqui
e além a nitidez da manhã,
entre um pássaro que apanha o voo
e a confusão universal.
Mesmo quando no sono
tem um sonho leve,
de todo o Éden é o esplêndido
homem que embeleza a morte.
*
Bom dia!
sábado, outubro 29, 2005
O Tempo que passou
Poema
Súbitos mergulhadores descendo nas águas inimigas
Com os olhos fitos e os peitos esmagados,
Descendo devagar, ao som lento de segundos vertiginosos
como séculos,
Todos nós vos acompanhamos e juntamos todas as nos-
sas forças na mesma meditação.
Aqui, da terra firme,
Entre nuvens e terra,
Entre o suor e o orvalho,
Esperamos o termo com todas as nossas forças.
E sabereis a nossa mensagem:
Só há saída pelo fundo.
( Cristovam Pavia )
sexta-feira, outubro 28, 2005
Exercício sobre os telhados
como o oiro derramado
em pó pelo vento matinal
o sol chegava aos telhados
devassava o que até há pouco
eram as sombras
o sol cegava nos telhados
quando os meus olhos
se antecipavam
a toda a precaução.
quinta-feira, outubro 27, 2005
O Tempo que passou
Uns, com os olhos postos no passado,
Veêm o que não vêem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, veêm
O que não pode ver-se.
Porque tão longe ir pôr o que está perto -
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morremos. Colhe
O dia, porque és ele.
quarta-feira, outubro 26, 2005
Auto-Retrato
terça-feira, outubro 25, 2005
Coisas Marítimas
do molhe, as gaivotas
trocam despojos
nos bicos
trazem as pontas
soltas do mar
riscam nas águas
as gaivotas
o compasso
do seu tempo
Uma hora virá
de apaziguamento.
25-10-2005
segunda-feira, outubro 24, 2005
Renga
Montar estradas brancas
antes da alva sem cavalo
dos ventos de inverno (J.R)
e as pégadas na neve
que emergem com o sol (K)
*
Around the pier
seagulls exchance pillings
we pause at chess (L.G.)
playing tag and leapfrog
the eight week old kittens (G.T)
sexta-feira, outubro 21, 2005
Uma viagem ao mundo da Renga
quinta-feira, outubro 20, 2005
O Restaurante (Poema de Harold Pinter)
quarta-feira, outubro 19, 2005
Portugal
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
*
( Alexandre O'Neill )
terça-feira, outubro 18, 2005
Intertextualidades
( Langston Hugues)
Eu conheci rios:
Eu conheci rios tão antigos como o mundo e tão velhos
como a corrente do sangue humano nas veias.
Minha alma tem-se aprofundado como os rios.
Eu banhei-me no Eufrates quando eram ainda jovens as manhãs.
Eu construi minha cabana perto do Congo e ele embalou-me o sono.
Eu olhei sobre o Nilo e acima dele ergui pirâmides.
Eu ouvi cantar o Mississippi quando Abe Lincoln desceu
para Nova Orleães, e vi o seu leito de lama dourada no ocaso.
Eu conheci rios:
Velhos, escuros rios.
Minha alma tem-se aprofundado como os rios.
Ausência (um estudo para a parábola do pai pródigo)
Agora que o pai foi-se embora, ninguém
lhes corrige o caminho,
os seus olhos não entenderam ainda
por que o silêncio ao fundo
da estrada, continua por quebrar
e os ramos
da sebe do jardim,
com os paternos passos
de regresso.
Agora que o pai foi-se embora
cinzelam na pedra
do átrio da casa o sonho
da sombra paterna.
Hoje poesia árabe contemporânea
Parole
Je veux
Une langue à ma taille,
Des yeux
Aussi larges que le désert,
Pour vous dire
Ce que le pòeme ne dit point
Et vous faire voir
Ce que Dieu ne voit guère.
FADWA TUQAN (Nablus)
Enough for me
Enough for me to die on her earth
be buried in her
to melt and vanish into her soil
then sprout forth as a flower
played with by a child from my country.
Enough for me to remain
in my country's embrace
to be in her close as a handful of dust
a spring of grass
a flower.
(Contributos de
www.poesiaarabe.com e www.kikah.com )
segunda-feira, outubro 17, 2005
The Negro Speaks of Rivers
I've known rivers ancient as the world and older than the flow
of human blood in human veins.
My soul has grown deep like the rivers.
I bathed in the Euphrates when dawns were young.
I built my hut near the Congo and it lulled me to sleep.
I looked upon the Nile and raised the pyramids above it.
I heard the singing of the Mississippi when Abe Lincoln went
down to New Orleans, and I've seen its muddy boson turn
all golden in sunset.
I've known rivers:
Ancient, dusky rivers.
My soul has grown deep like the rivers.
domingo, outubro 16, 2005
A Túnica
sábado, outubro 15, 2005
Poema XXXIX
e pu-lo no chão,
a vê-lo correr
da imaginação...
A seguir, tirei do bolso do colete
nuvens e estrelas
e estendi um tapete
de flores
-a concebê-las.
Depois, encostado à mesa,
tirei da boca um pássaro a cantar
e enfeitei com ele a Natureza
das árvores em torno
a cheirarem ao luar
que eu imagino.
E agora aqui estou a ouvir
a melodia sem contorno
deste acaso de existir
-onde só procuro a Beleza
para me iludir
dum destino.
(José Gomes Ferreira)
sexta-feira, outubro 14, 2005
Lamentação sobre Jerusalém
Se cai Jerusalém, se cai
a pedra sobre a pedra
o templo, as portas, todo o céu
abaixo das estrelas
o ruído da queda
será um punho
apertando as vozes
Se Jerusalém cai, se cai
subirá às últimas estrelas
a dor do reino animal, se cai
o muro dos lamentos
toda a cidade ficará sem caminhos
sílabas, pranto e lágrimas
na noite empedrada
Se cai Jerusalém, se cai
até à medula da terra, os olhos
dos profetas ficarão apagados
que rápido é o ódio
a barricar corações
se Jerusalém cai, se cai
como vai ficar o mundo sem relógios.
quinta-feira, outubro 13, 2005
Poema de Harold Pinter
Boa Tarde!
The Nobel Prize in Literature 2005
The Nobel Prize in Literature 2005 goes to Harold Pinter "who in his plays uncovers the precipice under everyday prattle and forces entry into oppression's closed rooms". »
quarta-feira, outubro 12, 2005
Fuga
Poema
( Tomas Tranströmer - Suécia, 1931- )
No bairro de Alfama os eléctricos amarelos cantavam nas calçadas íngremes.
Havia lá duas cadeias. Uma era para ladrões.
Acenavam através das grades.
Gritavam que lhes tirassem o retrato.
«Mas aqui!», disse o condutor e riu à sucapa como se cortado ao meio,
«aqui estão políticos». Vi a fachada, a fachada, a fachada
e lá no cimo um homem à janela,
tinha um óculo e olhava para o mar.
Roupa branca no azul. Os muros quentes.
As moscas liam cartas microscópicas.
Seis anos mais tarde perguntei a uma senhora de Lisboa:
«será verdade ou só um sonho meu?»
(Trad. V.G.M)
Poema
( J.T.Parreira)
O autor da rosa traça o caule
na seda do vento
Pensa a rosa quando poisa
o coração na forma vazia
O autor da rosa arredonda a corola
excede o veludo na pétala
envolve-a num cálice
onde os olhos bebem a flor
Envolve a flor a mão amorosa
envolve a rosa
que cai no campo como as mariposas
O amor envolve a flor
para a poisar no chão
ao alcance das mãos arteriais.
(Transcrito do site Mis Poetas)
Bom dia!
Coming up shortly – Announcement of the 2005 Nobel Prize in Literature!
Thursday, October 131:00 p.m. CET 11:00 a.m. GMT
terça-feira, outubro 11, 2005
Bullfight, tradução de Linda Marshal
Bullfight by Joao Tomas Parreira
for El Fandi
Man and bull disarm
one another
bodies touch
as arrows
reach their targets
touching his suit of lights and the bull's dark hide
coloring the wind
and the soil of the bullring
man and bull
do not deny the contest
until blood
soaks the sand.
lkm
O Mito de Sísifo e o Nobel da Literatura
Este ano, no que à Poesia diz respeito, há dois candidatos perfilados: um poeta sueco, psicólogo de formação, Tomas Transtromer, que desde 1950 tem vindo a influenciar a literatura do seu país; e um sírio, sério candidato ao Prémio, Ali Ahmad Said, que assina com pseudónimo Adonis.
TRAVELLING
Travelling,
but staying still.
O, sun,
how do I attain the skill
of your footsteps?
(Traduzido do árabe)
LOS DOS POETAS
Entre el eco y la voz
hay dos poetas,
uno elocuente cual luna rota
y el otro silencioso cual niño
que duerme cada noche
en los brazos de un volcán.
(In www.poesiaarabe.com)
O poeta começa o dia
Cada manhã lança uma âncora
ao soalho firme, olhos nos pés
como num primeiro espelho
Descer do sono
sacudir-se do pó
cósmico, das estrelas
restos da noite
e marcas dos sonhos
que resistem ainda
Já no mundo os corações
giram apertados, e entre paredes
de tijolo devassáveis
os relógios batem o tempo
em velocidade
O dia lá fora já enverga
fatos e vestidos
rigorosamente matemáticos
-não os seus-
está enfim solto no vento
ave frágil
nos olhos de Deus.
Bom dia!
segunda-feira, outubro 10, 2005
Nobel da Literatura 2005 em que direcção se moverá?
Prémio Nobel da Literatura 2005
«Dear JTP
The 2005 Nobel Prize in Literature has not yet been announced.
The Nobel Prize in Literature is announced on first or second Thursday in October. (...)
It is likely that the winner/-s will be announced on Thursday the 13th.
This, however, has not yet confirmed by the Swedish Academy.
We will post the date of annoucement on our website as soon as the Swedish Academy publicly confirms which date it will be.
Yours sincerly,
Annika Ekdahl »
domingo, outubro 09, 2005
Salmo do Amor Interrompido
Já ninguém nos molda com terra e com argila.
Paul Celan
Agora o teu sopro espalha o nosso pó
abandonamos nossos mortos
com terra e argila e o sal
que vertemos pelas pupilas
Que nos adianta chorar?
O ímpio persegue o pobre
ódios são bombeados do coração
e o nosso grito, Senhor, está longe
e retorna aos nossos ouvidos
E és Tu, no entanto, o único
que compreende a nossa voz
o cheiro do nosso medo
no corpo escondido.
Salmo
ya nadie con su hálito despierta nuestro polvo.
Nadie
Alabado seas, Nadie.
Queremos por tu amor
florecer
contra ti.
Una nada
fuimos, somos seremos,
floreciendo:
rosa de
nada, de nadie.
Con
el pistilo almalúcido,
cielo desierto el estambre,
la coroja roja
de la palabra púrpurea que cantamos
sobre, oh sobre
la espina.
Paul Celan
Versão de José Angel Valente in «Hablar/Falar de Poesia, nº 1, 1997
sábado, outubro 08, 2005
Afinidades Literárias no Metropolitano
-Mingled Misturados
breath and smell fôlego e cheiros
so close tão íntimos
mingled black and white misturados negro e branco
so near tão próximos
no room for fear. sem espaço para o medo. (*)
Langston Hughes
-The apparition of these faces in the crowd;
Petals on a wet, block bough.
A aparição destas faces na multidão;
Pétalas num húmido, negro ramo. (*)
De quantos inumeráveis poemas existem, que podem ser seleccionados para integrar o conjunto das afinidades literárias, estes dois são paradigmáticos.
As afinidades literárias, revelam-se no lugar - o Metro ou o Subway - que ambos os poetas usaram como referente poético para caracterizar um espaço ligado socialmente às multidões na hora de ponta. Por essa razão, ambos os poemas têm um referencial urbano.
Em primeiro lugar pela sua concentração, em segundo pelos referentes espaço-tempo.
O único ponto em que se afastam, é no método imagístico e na proposta poemática de cada um. No entanto, ambos os poemas tentam explicar o mundo com uma imagem. Cada um com a sua imagem. O de Pound recorrendo ao que ele próprio chama de phanopeia ou a criação de uma imagem na imaginação visual, o de Hughes tirando e revelando, à luz da história social dos Estados Unidos, uma fotografia da realidade. Não obstante as diferenças, literariamente falando, um e outro pertencem ao estilo do «poema-minuto», na clássica classificação do poeta, crítico e tradutor brasileiro Augusto de Campos.
As próprias dimensões, na forma e no conteúdo, de ambos os poemas têm afinidades.
Octávio Paz classificava o poema longo como sendo «uma sucessão de momentos intensos». Perante estes dois poemas curtos, estamos confrontados com o mesmo princípio, todavia no inverso e no singular. São dois escritos poéticos como um só momento intenso.
Existem em ambos duas ordens de factos, porém com uma relação profunda, patética e essencial. Como se os caminhos das afinidades literárias, finalmente
nos conduzissem a um ponto onde se sublinharia, nos dois poemas, uma hipotética «origem» literária. Neste sentido poderíamos dizer que In a Station of Metro é puro Kafka, porque descreve o que são os rostos na multidão, como a metáfora que existe em A Metamorfose ; e que Subway Rush Hour é Hemingway, por deixar o leitor diante da razão pela qual é injustificável haver segregação racial, utilizando a crónica de acontecimentos, subtil mas poderosa como no conto «Os Assassinos».
(*)Poemas traduzidos pelo articulista.
Tudo está a começar todos os dias
49
Viens et apprends
le jeu des mains
Dis bien ce que tu sens
sans penser aux voisins
Vois bien ce que tu veux
sans craindre les aveux
Touts est toujours à commencer
dans la forêt des mots
Tu es le but et le zéro
des ravissantes randonnés.
Mário Dionísio
sexta-feira, outubro 07, 2005
A Pressa do Cântico Negro
Vagaroso, no deslizar de alguns dos seus poemas mais conhecidos, triturou o tempo com repetições - «Toada de Portalegre»-, ou foi demasiadamente rápido, como nos primeiros versos de um dos poemas maiores da nossa língua - «Cântico Negro».
Situado entre o presencismo intimista e uma espécie de neo-realismo com preocupações de ordem social, é, do meu ponto de vista, um poema estruturado entre a psicologia e a religião.
Os poemas de Régio distinguem-se por isso mesmo, ficam entre a categoria telúrica e a religiosa.
Com efeito, o poema «Cântico Negro», que marcou a recusa à imposição, ao assédio, pelos vistos insistente, do «Vem por aqui», é, sem dúvida, um desses em que o intimismo e a dúvida do poeta cede psicologicamente à pressão do telúrico, das raízes da terra, deslizando pelo religioso, mas com uma força e violência tais, que nos parece ter afastado Régio de toda a sua religiosidade. Assim o entendemos na without hope da apoteose dos versos finais do célebre poema:
Não sei por onde vou. / Não sei para onde vou. /Sei que não vou por aí.
Contudo, é no desenvolvimento contextual dos primeiros versos do poema em causa, que se acentua a pressa do poeta de Vila do Conde. Pressa em se afastar do ponto de viragem, no qual o assediam a entrar e em cujo caminho quase o obrigam a seguir, usando olhares doces, segundo a crítica do Poeta:
Quando me dizem «vem por aqui!»
Eu olho-os com olhos lassos,
(...)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali.
Não há elipses na linguagem, nem tautologias, regressos ao princípio, nestes seus versos, repetições tais como em «Portalegre cidade do Alto Alentejo». Eles fogem às pressões que rodeavam o poeta, resistem ao chamamento de quantos pareciam ter moralidade e ciência bastantes para o aconselhar.
Este poema é, sobretudo, um poema de fuga, e fuga em frente. E o rasto que deixa é um claro desafio aos homens e uma espécie de pugna com o Divino, como a luta de Jacob com o Anjo no Vau de Jaboque.
A pressa da fuga, detectamô-la no oitavo verso, por uma categoria gramatical tão simples quanto o comum advérbio de lugar.
Veja-se a distinção e o tempo a fluir, o tempo que não se compadece com indecisões, no momento preciso em que o chamam: Vem por aqui ( por este lado); mas Régio continua a afastar-se da proposta, seguindo o seu próprio caminho, não reconhecendo autoridade àqueles que o assediam, e afirma, já distante: E nunca vou por ali.
Entre o «aqui» e o «ali» existem um universo e um tempo de coisas indizíveis. Ou apenas um minuto de permanente rebeldia poética.
quinta-feira, outubro 06, 2005
Kaddish por meu filho Absalão
Quem me dera que eu morrera / Por ti, Absalão.
Rei David
Na alta abóbada de uma árvore
o teu cabelo chamou a morte
A tua efémera beleza
emaranhada no lugar dos ramos
como frágil presa
Um corpo sonâmbulo colhido como um fruto
como um pássaro nocturno
onde a morte depositou os dardos
Meu filho, Absalão, meu filho
ai o teu coração sozinho, permeável
ao vento sob a árvore.
quarta-feira, outubro 05, 2005
Alguém nos exilou as liras
Junto aos canais da Babilónia
trazia o vento familiares
cheiros do país fechado.
Pediam que fôssemos ao fundo
dos objectos mais queridos
desarrumar a alegria,
aqueles que nos tinham oprimido
dos nossos soluços queriam
que o Cântico de Sião
fosse inventado.
Mas alguém exilou as nossas harpas
desiludidas nos salgueiros,
como tirar das coisas deste mundo
um cântico ao Senhor?
Só o vento se inclinava
sobre as liras penduradas.
Falta Cumprir-se Portugal?
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português,
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal.
Fernando Pessoa
terça-feira, outubro 04, 2005
A Caça
Vive nos olhos de mármore
do gato o salto
interminável
sobre o pássaro
indefeso
um bando de pombos passa
escorrega pelo ar
e o perigo desconhece
inominado no felino tenso
Então o gato salta
num silêncio nobre
na fileira dos seus dentes
e nas garras
o voo do pássaro prende
Só o pássaro e o gato
ignoram que é a morte.
Publicado in Atuleirus.weblog
segunda-feira, outubro 03, 2005
Facilidade do Ar
A mão do dia é branca.
A luz do mistério
é animal.
Amar é olvidar
com estas árvores
com estas nuvens
com este sopro vermelho sobre as coisas.
A evidência do mundo é o barco do ar.
Visível a respiração da ausência.
Sem destino, para além dos signos,
o rosto confiante é o puro espaço
onde todo o vago é insinuante afirmação
e a paixão um murmúrio de leveza.
O sangue circula em palavras claras
e a doçura delira
na iminência que dura num rumor iluminado.
António Ramos Rosa
domingo, outubro 02, 2005
Turismo
sábado, outubro 01, 2005
Os Vendedores
O Cais
A Europa jaz, posta nos cotovelos.
Fernando Pessoa
Perdeu o barco, mas não tinha
Ítaca nem Tár
Sis por destino
Prendeu o barco na névoa
O cais nasceria de tanto silêncio ter
Minada a pedra sob os passos
O mar vem do fundo, familiar
De todo o corpo só
Os olhos é que partem.