segunda-feira, dezembro 15, 2014

O CALVÁRIO






Morreu esta tarde, por três dias,
às três num monte à beira da cidade.
Inclinou o seu espírito às últimas palavras
que seus lábios entregaram aos ouvidos
dos homens e de Deus, da mãe
não chegariam as mãos para o tirar da cruz.
Do lençol de linho de José de Arimateia
-só é certo que lhe deu o sepulcro- não se sabe,
qualquer teologia que diga que ao morrer
às três da tarde, por três dias, tinha nos lábios
um sorriso, sabemos pelas feridas da morte
que não é verdade, ninguém
morre pelo ódio do seu povo e sorri.
Morreu com o tempo marcado, o relógio
do sol marcaria na porta do sepulcro
a manhã de sábado,  depois outra manhã viria
limpar da noite as sombras, para que o branco
Corpo intocável mais brilhasse.

14-12-2014
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sexta-feira, novembro 21, 2014

A VIRGEM DE LEONARDO




Tem um par de olhos  quase obscenos e um sorriso
Enigmático, onde tocam
Os pássaros desocupam os ramos, despem
Os nossos ouvidos de ressentimentos
Sobre o dia que passa

Rasgam a carne, tiram o coração do sério
Do seu batimento
Absorvem
Todo o ar à nossa respiração

Sob a ausência do seu par de olhos e do sorriso
Quase obscenos
Quando se afastam morremos
Em silêncio, sem memórias.

21-11-2014

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sábado, novembro 15, 2014

a desimportância de ser poeta


(talvez dedicado a Manoel de Barros, 1916-2014)


Que me perdoem os apanhadores
das grandes frases, os filósofos
de banhos de areia na grande praia
argelina de Camus, que me perdoem
os pregadores massivos de Facebook

Os apanhadores de estrelas
nas poças de água que a noite não consegue
perturbar, prefiro estes a todos os outros

E ainda fico extasiado com o chamamento
da minha gata, sentada com os olhos
fixos a olhar-me e a miar as suas próprias palavras
para eu a seguir  e vê-la comer – dou comigo
a entender  sua linguagem, e por mais
que me digam o contrário, só o Homem
é selvagem.

14-11-2014

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sexta-feira, outubro 31, 2014

A casa em socalcos



(sobre fotografia de Margarida Gama)


Atravesso a casa e o quarto da esquerda esconde
as marcas sobre as quais houve um móvel, teias
desabitadas no quarto da direita,  apalpo
a noite,
onde já nem o silêncio entoa,  atravessa-se
a casa,  a casa do outro lado
prolonga-se em socalcos.

18-10-2014
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terça-feira, outubro 14, 2014

ALGUMAS COISAS QUE FIZESTE



Já dançaste em círculos à volta do bezerro, ébrio
do ouro a escorrer pelos teus olhos,  alguns
dos teus haveres empenhados  no caminho
rumo a Canaã; sentiste as tábuas da lei partidas
contra o teu coração, mesmo assim  colheste
dos arbustos sem nome o mais belo pão divino;
bateste numa rocha
e bebeste a água represada desde o dilúvio; viste gigantes
à porta da terra do leite e do mel, já longe
do Egipto começaste a ter a noção da saudade,a falta das cebolas
e da carne e olhavas para trás, com os pés no chão
andaste quarenta anos no deserto.

13-10-2014
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quarta-feira, outubro 08, 2014

A morte do artilheiro na torre giratória do B-24


Poema Randall Jarrell

Do ventre da minha mãe caí no Estado,
E dobrado num útero de acrílico até meu blusão molhado congelou.
A trinta mil pés da terra, perdi o sonho da vida,
Acordei com a anti aérea e o pesadelo dos caças.
Quando morri lavaram-me para fora da torre com a mangueira.

Versão minha ©

domingo, setembro 21, 2014

UMA PALAVRA

    Estamos desprevenidos e uma palavra 
    Que parece não fazer falta, força o tumulto
    Na corrente profunda da alma, paira
    Acima do tempo, uma palavra simples
    Que começa nas franjas do sangue, Mãe
    Como Hoffmann perdido sem reflexo no espelho
    Olho-me e estou órfão
    Agora que a morte cortou o cordão umbilical.


    20-09-2014
    ©

segunda-feira, setembro 01, 2014

PEDE-SE RIGOROSO SILÊNCIO



Há silêncios que enchem nossos ouvidos
mais que o trovão, Antígona
a conspirar vingança é um clássico
do silêncio, o silêncio do verso que começa
a costurar o melhor tecido que há em nós

Há muito silêncio no odor a colinas queimadas
o perfume das rosas é um silêncio às cores
o silêncio das janelas que se entregam à noite

Um iluminado silêncio
quando um fósforo vence o vento
e irremediavelmente arde, nas mãos
existe o lugar preferido dos silêncios

E não se pense que o que ocorre numa
estante não é o silêncio, Ulisses fatigado
das lágrimas na praia de Calipso
é um silêncio no Canto Quinto

E o silêncio que durante algum tempo sustemos
num haiku, o silêncio
é um vazio de tudo.

© 



quinta-feira, agosto 28, 2014

Haiku


 

Por vezes Deus passa

sobre as teclas de um piano

a quatro mãos.

 

28-08-2014

 

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quinta-feira, agosto 21, 2014

O SEGREDO



Poema de Charles Bukowski


Não se incomode, ninguém tem
a mulher mais bela, não é verdade, e

ninguém tem qualquer estranho e
escondido poder, ninguém é
excepcional ou maravilhoso ou
mágico,  apenas parecem ser
é  tudo uma fraude, cada um com a sua,
não compre nem acredite.
o  mundo está cheio de
biliões  de pessoas cujas vidas
e mortes são inúteis e
quando uma dessas se distingue 
e a luz da história  brilha
iluminando-a, esqueça, não é
o que parece, é só
outra ficção para enganar tolos
novamente.

não há super-homens, não há
mulheres formosas.
pelo menos você pode morrer
com
esta verdade
esta é a sua única
vitória.

©  Versão minha


sexta-feira, agosto 15, 2014

NA ÚLTIMA ILHA


                    
“ O que eu quero é ser eu a lutar e a apanhar o meu peixe.”
Ernest Hemingway ( em "Ter ou Não Ter")


Desde que chegara a Angela Street, depois de abandonar a sua própria velhice rotineira na Europa, que saía de casa todas as manhãs muito cedo.

Key West no extremo sul da Florida é o último lugar da América, vai-se para ele como as abelhas saltando de flor em flor.
Ele são algumas “ilhas” até chegar lá, um mar de águas largas, e quase transparentes, mas quando se aporta na cidade, o ar levemente salgado, amarra o forasteiro, como a uma velha escuna.
Quando chegou, na tarde em que Miami ficara para trás, e ainda mais longe o seu país,  ainda sentiu uma nostalgia a humedecer-lhe os olhos.

Agora, todas as manhãs, sem pensar já nisso, saía para estar junto do mar. A sua respiração era, como dizer, era marinha.
Isso, percorria as ruas desde a Angela até à William, para ver o que se passava no Schooners Bar, mais para lançar os olhos a alguns veleiros e ganhar ideias , depois descia ao Southermost Point.  Voltava pela Whitehead St., porque o seu bar era outro.
Sentava-se, com o gin, uma pedra de gelo que parecia um iceberg,  no Green Parrot.  Gostava do nome e da sua alusão aos trópicos.  Olhava para o copo e parecia-lhe sempre que a rodela de limão era um jangada.

 Ia para junto do mar. Era a sua companhia, ia tocar-lhe, sentir as mãos cheias de água do Golfo. Derivava, por vezes, os olhos para o lado da ilha de Cuba, mas a distância era ainda uma névoa imensa. 
Todas as manhãs levava blocos e lápis e as notas sucediam-se manuscritas, quem o visse, deveria perguntar-se porque não usava os meios modernos.
Mas o lápis era telúrico, estava ligado ao solo, como se quisesse ter sempre os dedos sujos de carvão. Escrevia com um minério que ainda trazia calor à humanidade.

Todas os dias almoçava e jantava pelos bares da praia, umas vezes na Smathers Beach, outras na Higgs Beach Dog Park. Não dava por viver sozinho.
  
Embora não o admitisse, esperava, sem nada porém que lhe marcasse a jurisdição da espera. Andava perfeitamente descansado, porque deixava um papel, o mesmo gesto de há anos, pregado na porta: “Estou no Green Parrot, se chegarem sem avisar”.

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sexta-feira, julho 18, 2014

MADRID, 1936



Com um fuzil apagado nas mãos
morrer em Madrid, as casas sólidas
a caírem do pó,  os pássaros
caídos das janelas, para morrerem
em Madrid, os filhos
presos aos cabelos das mães
Morrer em Madrid
com um cravo roto nos olhos.

18-07-2014

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quarta-feira, julho 16, 2014

DEVASTAÇÃO, Inédito de Rui Miguel Duarte



"And the dead tree gives no shelter, the cricket no relief"
“E a árvore morte não dá abrigo, nem alívio vem do grilo”
T. S. Eliot, de "Waste Land", secção I v. 23


as árvores escondem o que há de cinza
avessas ao vulgo, ao desenfado profano
só lhes dava o sol, de manhã,
e têm frio
(quanto mais lhes dá mais frio têm)

não procures indagar para onde
te eleva o voo da locusta
para onde a mancha dos grilos
que do céu galopa sobre a terra
eles não adivinharão  nada do mistério
do dia e da noite,
ou o marulhar potente do exército de pedras

só um vento vermelho
que te descascam as folhas até à solidão
até ao vazio das palavras

o que vês do alto da tua copa
é o oceano seco que tuas raízes jorram
roídas

ainda que o fruto minta, mente
o rio do olvido vem reclamar
os fardos das árvores: que dispam
os seus troncos
assim entoarás louvores à nuvem que
passa

Rui Miguel Duarte
15/07/14


quinta-feira, julho 10, 2014

FERIA DE SAN FERMÍN




É terrível a sombra de toiros negros
a rolar pelas paredes um rumor como o chão em pânico  
é terrível
como se tremessem as janelas das casas hirtas
e o medo nas vozes tremesse é terrível
 a tarde incendiada por laços vermelhos
no pescoço ao vento que os toiros negros deixam
ao passar é terrível cada corpo a cingir-se contra as paredes
é terrível as costelas a baterem umas nas outras
castanholas partidas é terrível
com a respiração do toiro sobre o corpo.

10-07-2014
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terça-feira, julho 08, 2014

Inédito de José Brissos-Lino




Sento-me num livro

Sento-me num livro e espero as contingências 
do sol da manhã
percorro-lhe a alma vagarosamente
com a gentileza de um piscar de olhos 
ao virar da página
e depois custo a despegar os olhos
e o sentido 
da corrente de vida
até que desague 
na última capa.

7/7/14 
© José Brissos-Lino

quarta-feira, julho 02, 2014

BLUES PARA UM FUNERAL








                                          
Wystan Hugh Auden ( W.H.Auden, Inglaterra, 1907-1973)

Parem os relógios, cortem o telefone,
atirem ao cão um osso sumarento,
um lençol de silêncio sobre o piano e os tambores
precedam o caixão, com carpideiras.


Que os aviões, gemendo por cima do cortejo
rabisquem no céu a mensagem Ele Está Morto.
Ponham laços negros no pescoço das pombas
e os polícias respeitem o dia com luvas brancas


Ele era o meu norte e o sul, meu leste e o oeste,
minha semana de trabalho e meu domingo,
era o meu dia e a noite, a minha voz e o meu cântico;
eu pensei que o amor era eterno: E enganei-me.


não procurem mais as estrelas, apaguem-nas,
empacotar a lua e desmantelar o sol é o que resta,
despejem os oceanos e derrubem as florestas;
pois nada mais será bom como foi antes.

01-07-2014
                                                                                
© Versão livre minha


quarta-feira, junho 25, 2014

RETROSPECTIVA



para o José Monteiro (1956-2014)

Não, era a vida à tua maneira
à tua maneira que as cores saíam          
da hibernação
dos tubos, de dentro dos teus olhos
as voltas que as tintas davam, uma volta
ao mundo, nem Lewis Carrol descreveu
túneis  para o País das Maravilhas
tão cúmplices das tuas fantasias, algumas
geométricas engoliam-nos
e ficávamos a respirar com o silêncio muito aberto.

25-06-2014

©

sexta-feira, junho 20, 2014

A Coroa


(Annibale Carracci, óleo s/tela, 1585)



Repouso a minha cabeça para a coroa
de espinhos, ostentarei
o silêncio da flor envergonhada
com flechas no lugar das pétalas

Poderia no fim da vida
ter uma coroa que me amaciasse
a cabeça, mesmo que o reino fosse pesado
uma coroa limpa

Mas não, eu não poderia suportar uma coroa
que esmagasse em mim o meu amor
escarlate pelo mundo
para ter um reino na terra, se assim fosse
teríeis outras razões para a minha morte. 

20-06-2014

©

sexta-feira, junho 06, 2014

No Blog Crebas. Blogaliza.Org: Traduções de um poema de Seamus Heaney







NO BLOG CREBAS.BLOGALIZA.ORG:




Poemas (LXIII): Fragmento de «Field Work» (Traballo de campo), de Seamus Heaney
Published by Miro Villar under Poesía,Versións ou traducións




Field Work (Traballo de campo, Xerais, 1996, reeditado en 2005 por La Voz de Galicia), de Seamus Heaney, con introdución e tradución do poeta Vicente Araguas, publicouse como primeiro número da colección de poesía Ablativo Absoluto, agora en triste liquidación. Entre os seus textos inclúe o poema que lle dá título ao libro, dividido en catro partes das que agora ofrecemos a primeira en versión orixinal, na versión galega de Araguas e noutra versión portuguesa de J. T. Parreira, con sensibles diferenzas de matiz.


Field Work


I
Where the sally tree went pale in every breeze,
where the perfect eye of nesting blackbird watched,
where one fern was always green
I was standing watching you
take the pad from the gatehouse at the crossing
and reach to lift a white wash off the whins.
I could see the vaccination mark
stretched on your upper arma, and smell the coal smell
of the train that comes between us, a slow goods,
waggon after waggon full of big-eyed cattle.
(Seamus Heaney)




Trabalho de Campo


Onde a acacia palidecía a cada brisa,
onde espreitaba o ollo perfecto do merlo aniñando,
onde un fento estaba sempre verde.
Eu ficaba a ollarte atravesando o curral
desde a caseta do gardabarreiras ata o cruce
e como estendias a man para recoller a roupa lavada das toxeiras.
Podía ver a marca da vacina
dilatada no teu antebrazo, e cheirar o cheiro a carbón
do tren que pasa entre nós, un mercancías lento,
vagón tras vagón cheos de gando de ollos grandes.
(Tradución: Vicente Araguas)




Trabalho de Campo


Onde descorava o salgueiro a cada brisa,
onde o olho do merlo amante vigiava,
onde o feto estava sempre verde,
eu ficava parado a observar-te
ias da cancela do curral à encruzilhada
e estendias a mão para colher a roupa limpa nos tojais.
Eu podia ver a tua marca da vacina
retesada no antebraço, e cheirar o cheiro a carvão
do trem que entre nós passa, mercadorias lento,
vagão após vagão cheio de olhos grandes do gado.
(Tradução: J. T. Parreira)

O MURO DAS LAMENTAÇÕES



(Mulheres junto ao Muro, foto antiga retirada da Web)


É o som dos sapatos que se ouve
para não acordar os mortos, o silêncio
envolve os murmúrios
Os carros passam longe, noutra civilização
Mãos e orações trocam papéis com as pedras
 As pedras conseguem há milénios
guardar tudo
o que diz o povo com a cabeça rente ao muro.

05-06-2014
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quinta-feira, maio 29, 2014

[SEI POR QUE CANTA O PÁSSARO ENJAULADO]

Fotografia de Animesh Ray ©


Um pássaro não canta por ter uma resposta,
Ele canta porque tem uma canção."
Maya Angelou


Sei por que canta o pássaro enjaulado
Ignora as grades
As grades são só um risco entre o azul
E o azul, a luz que parece limitada e depois
a sua explosão, o intervalo entre o ar
e o ar, o cântico
do pássaro ignora as grades, como o cântico
do homem ignora o espartilho da garganta.


29-05-2014
©

terça-feira, maio 27, 2014

[ QUANDO VOLTÁMOS A CASA ]

Foto de Robert Capa, 1948


“Quem são estes que vêm voando como nuvens,

e como pombas às suas janelas?”  Isaías, 60,8



Quando voltámos a casa e crescemos
Sobre os nossos pés
Para espreitar as janelas, com algumas teias
Como véus antigos, e entrámos e nos inclinámos
Sobre a mesa de madeira com rugas de solidão
Anos e anos com um silêncio
Sem pão, a nossa casa estava estéril, agora
Começará  a dar frutos, a deitar calor pela chaminé
Vai  começar a acender as janelas.


27-05-2014
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sábado, maio 10, 2014

[A mulher carrega livros instáveis para vender]


A woman carries books for sale in Luanda, Angola. © Rafael Marchante.


A mulher carrega livros instáveis para vender
em Luanda, sem tempo
para a sua sombra

Como o coração aguenta uma torre de utopias
inclinada à cabeça, uma Pisa
uma  Babel,  uma vaga de letras cortando o vento!

Competem pássaros e folhas a dançar
equilíbrios instáveis na manhã

Que livros carrega e não lê, como se fossem fortuna
para mudar em silêncio a vozearia da rua.

10-05-2014
 ©  

sábado, maio 03, 2014

O RIO CUJO NOME NÃO SABEMOS


Por vezes, como o tigre de Jorge Luís Borges
passamos pela margem do rio
cujo nome ignoramos

pode ser a Morte
ou a Manhã futura, forma clara
que se move desde o arché
em que Deus está, é aqui    

que os nossos olhos se repartem, 
olhar o abismo sob a água
ou deixarmos que corra
à superfície da frescura, o rasto
do odor que se segue até ao mar.


2/5/2014

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(Washington Allston, 1779-1843. Paisagem. Pintura do romantismo americano.)

segunda-feira, abril 28, 2014

HELENA DE TRÓIA



“Helena de alvos braços / Helena, divina entre as mulheres”
Canto III, da Íliada, de Homero

 Pela beleza dos teus olhos mil navios
fazem-se  ao mar, pelo fogo
que o vento nos teus cabelos despenteia
mil olhos ficaram com insónias

Pelo amor inatingível do teu corpo
mil homens dão o peito à morte
e pelo ouro dos teus lábios, gritam
nas praias de Tróia mil heróis

Pela tua beleza transparente nos vestidos
erram ainda cegos pelos campos
à procura de vestígios.

27-4-2014
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domingo, abril 27, 2014

Novo livro de poesia, lançado em Pontevedra


Lançado em Pontevedra. no dia 25 de Abril, na Fundación Cuña-Casasbellas, com a presença do autor e do prefaciador.

" RECOMENDAÇÕES PARA ENTRAR NO SÓTÃO

Entrar com os olhos muito abertos
porque a luz se esconde
atrás do pó, das coisas
que esquecemos, alguma há-de
ser a nossa infância, trará sapatinhos
de verniz, um laço
dos casamentos das tias
uma tabuada com as contas
furadas de um dos filhos
cadernos com línguas estranhas
um Ferrari
repentino sem uma roda
uma subida até aos Himalaias
de uma teia de aranha remendada
Por que será que o sótão
está sempre no derradeiro andar da vida?"
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Pedidos através de:
http://www.eltallerdelpoeta.com/

domingo, abril 13, 2014

GAUGUIN CHEGA À POLINÉSIA




Olhos postos nas mulheres
às cores
tu virás do mar
pacífico nos teus olhos o desejo

verás o ritmo das folhas dos coqueiros
 que remam contra o vento
a água abundante
que refresca o sol nos corpos

à noite
tu virás para ver perto do chão
verdes, escuras e tangíveis
as únicas estrelas.


13-04-2014

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quarta-feira, abril 02, 2014

Dia Mundial do Livro Infantil: Para Desenhar Uma Flor


PARA DESENHAR UMA FLOR

Primeiro faz-se subir da escuridão,
em que as raízes dormem,
um caule, depois
conhecemos
os passos que em silêncio dá, primeiro
um botão
que já revela o ponto ómega. A seguir,
como um lápis lazúli que esconde a mão invisível,
abre-se uma corola e com cuidado,
mesmo que as folhas anoiteçam,
vai-se desenhando a claridade da flor.

2/4/2014
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segunda-feira, março 31, 2014

[OLHO PARA O MISTÉRIO DA SOMBRA CONHECIDA]


"E vós, ó coisas navais, meus velhos brinquedos de sonho!
Componde fora de mim a minha vida interior"
Álvaro de Campos


Olho para o mistério da sombra conhecida
Fica para trás o navio como mistério parado
No espelho do rio, ao fim da tarde
O dia começa o descanso da pedra
Da  vida marítima, da Distância
De onde se vem, o barco trouxe a névoa
De quem chega, que se dissipa
Numa saudade cumprida, olho
E o meu olhar é inocente
Entre a sombra conhecida, e o mistério
do rumor oleoso do Tejo, tão inocente
que meu olhos não sentem barco nem cais
só a alegria parada do fim da tarde
Por não saber que havia ilhas e grandes mares
Todos ligados entre si porque a Terra é redonda.

30-03-2014

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