segunda-feira, dezembro 18, 2017

CÂNTICO DE NATAL DE MARIA



Estou grávida e José deu-me um anel, diz
Que aceita o meu bebé, vai criá-lo
Como se fosse seu, o mistério
Fazer da madeira um utensílio
Vai passar ao meu menino, vai crescer
A maravilha no meu ventre, soa
Ainda em meus ouvidos a alegria
Do Eterno na voz daquele anjo
Que me disse agraciada, bendita
Tu entre as mulheres, estou grávida
E a luz vai apagando devagar
Todas as sombras do meu corpo
 E os meus olhos já sentem as suas mãos
Pequenas a salvar o mundo.

17/12/2017

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segunda-feira, outubro 23, 2017

UM VELHO E O VENTO



Ao longe. Não tão longe que o vento não possa
Trazer até mim nos seus lábios uma flauta, sinto
Que alguém canta, o silêncio de alguém
Que se contenta em cantar
Ao longe talvez sob uma ponte, numa estação
De comboios a limpar a noite dos seus olhos
Ou à beira do rio a ouvir a realidade das águas
Alguém que tacteia no rosto beijos infinitos
Que perdeu, que desenrola nos dedos
Os fios invisíveis que sobram de um rosto amado
Ao longe, onde tudo está perdido.

23/10/2017

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segunda-feira, outubro 09, 2017

Blogue Nota Terapia - Brasil

e.e.cummings

http://notaterapia.com.br/…/os-10-melhores-poemas-de-e-e-c…/
Com um poema traduzido por J.T.Parreira (o nº 3)



3- Buffalo Bill

Tradução de J.T.Parreira
o defunto
que costumava
montar um garanhão
de prata como água macia
e rebentar umdoistrêsquatrocincotiposdeumavez
oh céus
era um homem bonito
e o que eu desejo saber é
o que lhe parece esse rapaz de olho azul
Senhor Morte

domingo, setembro 24, 2017

AS CRIANÇAS DAQUELA ESCOLA NO MÉXICO





sob montanhas cinzentas 
e montanhas cinzentas”

António Ramos Rosa


Não sabia que se podia levar um dia inteiro
A morrer, com doze anos e com o medo
Do escuro e com tantos meninos à minha volta
Tantos nomes para recordar, não posso
Levá-los todos comigo, já não
Posso respirar por todos, não sabia que este pó
Pesava mais do que o pó de que sou feito
Já não posso esperar mais por essa pequena luz
Teimosa que me chama entre as fendas
Desta montanha cinzenta.

23/09/2017

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quarta-feira, setembro 13, 2017

A ORAÇÃO NO GETSEMANE



Seria bonito desaparecer no ar, voltar a casa
Com o odor no corpo das flores
Que Tu criaste, passar entre as folhas
Das oliveiras como o beijo do vento
Seria fácil mesmo com os joelhos feridos
Do chão de onde a minha prece se elevou
Se assim fosse o que seria dos homens?
Morreriam para sempre na minha dúvida
Se é possível que o cálice passe, seria fácil
Não o tragar, não olhar para trás, evanescer no ar.

13/09/2017
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sexta-feira, setembro 08, 2017

VAN GOGH

(Furacões Katia, Irma e José)



Vivia no paraíso até que o inferno destruiu
A sua orelha, as cores
Abundantes e os ares azuis do mar
As searas de corvos sobre a sua cabeça
Haja arte
E houve os céus a entrarem em colapso
Em fusão nuclear a rebolarem nos ventos
Haja trevas
E houve montes de feno no lugar das estrelas.

08/09/2017

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sábado, agosto 26, 2017

O QUE JESUS PODERIA TER SIDO




Jesus não era branco, era judeu, falava uma língua estranha
Até para os escribas que cosiam sobre a pele
Os textos em hebraico. Presumidamente
Ocultava o rosto sob a barba, o seu corpo
Debaixo de uma túnica comprida, os pés
Com a poeira do caminho. Se andasse ainda
Entre nós, no século vinte, teria sobre a capa
A estrela amarela
Aquela que levava aos caminhos da morte
Teria os olhos magros, o medo
Retirando o brilho à fronte cabisbaixa
Os ossos como vidro prestes a partir-se
Numa fila em Auschwitz.


26/08/2017
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domingo, agosto 06, 2017

POEMA DE MARIA MADALENA JUNTO AO SEPULCRO



Onde puseram o meu Senhor? Mesmo morto

O seu corpo receberia o perfume dos meus olhos

Onde o puseram? Ele não é um morto

Como os outros para que o Seu corpo se consuma

O meu choro é o que sobra do meu coração

Tanto amor, sem retorno físico, preso

Na indiferença da morte

Dizei-me anjos, vós que não trouxestes

Do céu os crepes com que se amortalham os mortos

Não sei onde o puseram, e a Sua ausência

Mais enobrece o meu amor, sou uma mulher simples

Que rompeu as cadeias dos olhares dos homens

Para vir derramar-se junto ao seu sepulcro.



06/08/2017
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sexta-feira, agosto 04, 2017

NEM SEMPRE ESTRANGEIRO



“Sou peregrino na terra”
Salmo 119

“Heureux qui, comme Ulysse, a fait un beau voyage”
Joachim du Bellay


Agora caminho para o lado
Mais previsível da vida, quase tudo
Está concluído com a idade
Pegadas no caminho desde mil
novecentos e quarenta e sete
Quando Abril abria fendas para as torrentes
Primaveris, agora caminho como um viajante
Estético com os olhos em tudo, desde o homem
Aos animais de estimação, vou na rota
De um grande silêncio. A minha bagagem
Não me seguirá, feliz é aquele que sem velo
Nem riqueza como Ulisses
Faz a sua viagem de regresso a casa.


04/08/2017

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segunda-feira, julho 31, 2017

A MULHER DE LOT




Presa a alguns vestidos, os únicos

Que a pressa arrancou de casa, sonâmbula

Na fuga da destruição, e indecisa

Entre um lugar e outro, um olhar e outro

Para trás onde a casa começa a derruir

Um rio de lava a morrer nos olhos

E a estrada em frente

O que pesa nos seus olhos

Que a levou ao fundo, um olhar para trás

E tornar-se um marco no caminho?

Um corpo salgado aonde as aves vão

Debicar o sal e deixar rastos de plumas

No corpo da mulher de Lot nenhuma vida

Agora se repete, é uma língua morta.


30/07/2017

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sexta-feira, julho 28, 2017

TALVEZ ENTRE AS ÁRVORES





“And death shall have no dominion”
Dylan Thomas



Há um lugar entre o trono de Deus e a sepultura, aí
Estará o nosso espírito à espera
Da reunião do corpo, nestes tempos pouca gente
Crê, acha que morrer é como o fumo
Que se evade da chama e se evanesce
Não posso dizer onde é esse lugar
Não é longe de Deus, talvez entre as árvores
De frutos alegres no ouro do céu.

28/07/2017

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segunda-feira, julho 24, 2017

COMO UM PRÓDIGO ANTIGO

Pompeo Batoni, 1773



Quando o filho deixou a casa, não houve

discussão violenta nem ódios a partirem o olhar

um velho pai chorou

toda a sua vida inundando os olhos, o filho

mais novo silenciosamente juntou tudo

derramou sem pressas o ruído

da porta, que fechou, no silêncio da casa

chamava-o um rio sem leito, uma montanha

sem chão, um espelho, mas sem o riso

de uma boca iluminada, uma mulher talvez

com seu vestido sonhado, não sabia ainda

das humilhações, dentro de si

estava já uma terra longínqua.


23/07/2017

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RODOLFO E MIMI





“La più divina delle poesie
è quella, amico,
che c’insegna amare!
(Rodolfo, “La Bohème”)


Viveremos num castelo no ar, viveremos nos olhos
Um do outro, ébrios com o vinho
Que baste da palavra amor
Do silêncio das nossas mãos
Madrugada nenhuma deverá separar-nos
Do branco dos nossos sonhos, nem da fortuna
De uma noite de lua.


22/07/2017
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domingo, julho 16, 2017

SENHOR LAZARUS


“A sort of walking miracle”
Sylvia Plath



Aquele que veio do outro lado

da morte, com os olhos cheios

de intraduzíveis paisagens

Lázaro voltou

enriquecido com o seu silêncio

de ouro.



16/07/2017

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sábado, julho 08, 2017

POEMA DA RECÉM VIUVEZ

(Marc Chagall)



O que farei depois de partires, ninguém
Sabe, apenas nós por uma telepatia
De mãos, de olhares, de beijos, de risos
De caminhar
Sobre as mesmas pedras, ninguém saberá
É um segredo que o sangue guarda
Como aquele que Deus retém nos lírios do campo
Que os veste gloriosamente como nem um arco-íris
Ou nas aves que distinguindo o trigo e o joio
Ainda assim encontram o seu festim.
Outra coisa não farei depois de partires
Senão olhar todos os levantes
Na esperança da aurora.

08/07/2017

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sexta-feira, junho 02, 2017

UMA ILHA NO TECTO DO MUNDO



Podíamos viver aqui no Paraíso
sem roupas nem utensílios, sob a sombra
da árvore do bem e do mal, sem tentações
nos olhos, nos sabores de todos os frutos
colheríamos o alimento, passaríamos as tardes
a conversar sobre coisas tão belas, como paisagens
azuis e todas as manhãs pintaríamos
o fresco da Natureza, a própria terra sem forma
e vazia de onde saí, e nas correntes dos rios
não ouviríamos duas vezes o mesmo silêncio.

23/5/2017


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segunda-feira, março 20, 2017

BATESEBA

(Francesco Hayez)


Vestida de água, lavavam-lhe o corpo
Com dedos cautelosos, deixou de lado
Um vestido azul, estampado com ouro
De flores amarelas
Bateseba lavava no corpo os recantos
Mais puros de ser mulher, alheia aos dardos
De um lampejo nos olhos de David
Uma pomba
Espreguiçava a sombra e o ócio
Num ramo de acácia.

20-03-2017

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terça-feira, fevereiro 21, 2017

Antigo Cemitério Judeu de Praga


A quantidade de mortos é incerta, camadas

De tumbas sob novos túmulos. Lápides
Cuja eternidade é a pedra nos nomes
E as estrelas de David, o sol
Custa a penetrar para banhar o Não-Ser
Lápides lembram a Arca de Moisés
Mortos com séculos de morte às costas
Reclamam seu espaço sob o silêncio
As próprias árvores se ressentem da vida
As raízes atrapalham a ressurreição.

20-02-2017


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