sexta-feira, dezembro 23, 2016

AS VINHAS DA IRA







Esperamos que os nossos anjos
Que o Senhor diz que acampam ao nosso redor
Nos levem de volta a casa, as nossas mãos
Lavradas com o ácido das laranjas
E os nossos olhos
Tão gastos dos cachos de uvas
O nosso coração tão rasteiro nesta estrada de pó
Esperamos que os anjos nos levem a casa
Agora que o fumo do sonhos passou.

19-12-2016

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segunda-feira, dezembro 05, 2016

A PINTURA COMO SOCIOLOGIA


A PINTURA COMO SOCIOLOGIA




As viciosas meninas de Avignon, os olhos
Desmesuradamente ovais, indiferentes
à figura nua em véu subtil,  provocam
as meninas de Velásquez, estas            
são observadas mais do que observam, estão
como melancólicas e belas
naturezas-mortas.


(Reescrito em 05-12-2016)

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segunda-feira, novembro 21, 2016

A DESPEDIDA


(Fotografia da Web)


Chegaram à estação, ainda a tempo
De nenhum ruído sobre os carris.
Beijaram-se e o beijo pôs os lábios
Sobre os lábios, e assim o que beijaram?
A carne, o sorriso, a vida
Na respiração ou o silêncio
E a ausência futuros? A única lembrança
Que teriam era o dom do corpo
Que abraçavam e não alma pura.


20-11-2016
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terça-feira, novembro 01, 2016

OUVE-SE UM CHORO EM ALEPO

Um choro se ouve em Alepo
É Raquel chorando os seus filhos
Que não regressarão da escola


O grande pranto triste do fundo dos úteros

Que ficaram órfãos


Ouve-se um choro em Alepo

É Raquel a despedir-se 
De si mesma.

01-11-2016

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terça-feira, agosto 30, 2016

AS PESSOAS NUM POETA NEO-REALISTA





Quarenta figuras humanas perpassam, ou melhor habitam, na poesia de Manuel da Fonseca. Quem fez o inventário foi o escritor e crítico ilhavense Mário Sacramento, no seu quase clássico “Há uma estética Neo-Realista?(1968:80).
Enquanto que palavras recorrentes na poesia de um autor se consubstanciam semântica e metaforicamente, vocábulos que vêm da matéria e do que é imaterial, ilidindo mesmo sujeito e objecto, por exemplo os da poética de Eugénio de Andrade, outros poetas informam sobre pessoas com nomes e existência concreta.

Podemos enumerar uma breve lista de palavras eugenianas: 
Mãos, dedos, olhos, rios, fontes, choupos, juncos, folhas, espigas, feno, erva, rosas, pólen, frutos, romãs, laranjeiras, aves, cavalos, lume, fogo, luz, verde, carmim, púrpura, brisa, dança, flauta, montes, nuvens, astros, estrelas, luas, charcos, a noite e a madrugada. (vd. “As mesmas teclas de Eugénio de Andrade”, in Blog Poeta Salutor (2010: 11/3)

Vejamos, por outro lado,  o que concerne ao poeta e romancista do neo-realismo e do “Novo Cancioneiro”, Manuel da Fonseca.
E por aqui eis-nos chegados à dialética da personagem, do sujeito poético, do nome, da actividade, do local de origem, das figuras humanas que estão nos Poemas Completos do poeta de Santiago do Cacém, falecido em 1993.

Maria Campaniça, Jacinto Baleizão, Zé Cardo, Toino, Rosa Charneca, Francisco Charrua, Zé Jacinto, Marianita, Zé Gaio, Julinho da ourivesaria, Zé Limão, Manuel da Água, e Mariazinha Santos;  malteses, vagabundos, mendigos, campaniços, guardas,  o coro de empregados da Câmara, António Valmorim, a Nena de Montes  Velhos,  o Terceiro Oficial de Finanças, entre outros nomes e vidas.

No poemário “Planície”, de 1941, no início da década fértil para a poesia neo-realista, embora o poeta José Gomes Ferreira tenha afirmado que “o social não era a característica principal da poesia do Novo Cancioneiro” (a Memória das Palavras), a verdade é que MdF traduz essa particularidade representativa das problemáticas humanas e sociais, do campesinato e da urbanidade, da seara e da fábrica, logo para o início daquele volume de poemas.

Um local: Cerromaior, que é também título do primeiro romance do poeta, é um lugar inventado que contém, no entanto, as realidades e as gentes, doutros lugares autênticos do vasto Baixo Alentejo – e.g. Cercal -, área predominante, senão mesmo exclusiva na poética do autor.
Depois, o lugar começa a revelar particularismos da vila, como tipicamente alentejana, o “Largo” de onde partem todos os “caminhos”, o “Largo” que era “o centro do mundo”, onde estão os “guardas” com a lei, mais adiante o “montado” genuíno, o “vagabundo rasgado”; ou a aldeia com “nove casas, / duas ruas, / no meio das ruas / um largo”, o “monte”. O tópos é fundamental na poética de Fonseca, como os Alentejo, “Beja, Cercal. Em alguns casos, especificamente, noutros como metonímia.
Poderia continuar pelo seu léxico fora. A própria dimensão do espaço, que às vezes é físico, outras psicológico, na poesia do autor de “Seara de Vento” é também recorrente na dimensão, por vezes, trágica dos nomes.

Na poesia ( como na prosa: conto e romance), “Manuel da Fonseca continua a existir com a sua frescura inicial e a sua energia, a sua capacidade de comover e seduzir” – escreveu  Mário Dionísio, há quase cinquenta anos.


30-08-2016


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segunda-feira, julho 18, 2016

O AMOR



para uma jovem que morreu velha, Amy Winehouse,


Amor é a mão perdida dentro
De um coração, que procura alcançar
A mais dolorosa profundidade, Amor
É um jogo que se perde
Na dependência do outro, perde-se
Em nós entre a alma e os olhos, Amor
Pode ser alguém desaparecer dentro
 De alguém, ao dançar sozinho um tango.

16-7-2016

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sábado, junho 18, 2016

[ Anjos perdidos nas ruas das grandes cidades ]


 Anjos perdidos nas ruas das grandes cidades
Eles caminham para o fundo
Desembarcados dos barcos da fome
Com seus rostos, seus pés rôtos, suas histórias
De uma cor apenas, seus braços
Enrugados com  veias expostas
À tempestade, suas unhas sujas
De procurar comida e alguns
Problemas nas ruas das grandes cidades
As frases que mais conhecem
Em qualquer língua, têm sempre um não.



13-03-2015
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quinta-feira, junho 09, 2016

SAIDA PARA A REALIDADE



para Xisto Rodriguez ("Sugar Man")


Perdi o meu emprego um mês depois do Natal
Ainda não se apagara o perfume
Do nascimento do meu segundo filho e de Jesus
Nem a chuva que bebera no caminho
Para casa como se fosse champanhe
Com poucas pessoas a quem telefonar
A chuva enxugava as minhas lágrimas.


09-06-2016

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sábado, maio 28, 2016

A ORELHA





“Ponho-me no lugar 
Do silêncio da orelha de Van Gogh”

J.T. Parreira




o que uma orelha contém
é retirado quando uma lâmina
a corta: o trinado das aves, o murmúrio
de amor entre os ramos e o vento
o bater do mar contra os pés
o cicio do universo por dentro
certo crepúsculo também uma espada
excluiu a orelha de Malco
foi o poente sobre o que importava
ouvir, não cortes
disse Jesus, que se cortas uma orelha
te cortarão o tronco e a cabeça
abre-a bem, a orelha,
ela resgatar-te-á do nada
para o silêncio
de um mundo de palavras que ainda
não foram ditas



Rui Miguel Duarte
28-05-2016

domingo, maio 22, 2016

CERTO HOMEM TINHA DOIS FILHOS - POESIA








http://poesiaevanglica.blogspot.pt/2016/05/certo-homem-tinha-dois-filhos-novo-e.html


     Das diversas parábolas relatadas por Jesus, talvez nenhuma outra tenha tido tanta repercussão, e consequentemente sido alvo de mais representações artísticas quanto a Parábola do Filho Pródigo (Lc 15:11-32). E, em apoio à sua singularidade, note-se que, ao contrário de outras parábolas, esta aparece apenas no livro de Lucas. Sua mensagem, por ser perfeitamente evangélica, é de simples, universal compreensão; seu impacto é duradouro. Talvez porque diante de um Deus santo de quem nos afastamos e fomos afastados pelo pecado, sejamos todos pródigos a priori (e tantas e tantas vezes, a rematar nossa rebelião, a posteriori).
       É essa figura arquetípica do pródigo que é o Homem, inserida nesta parábola também arquetípica sobre o incomensurável e incondicional amor do Deus-Pai, que JTP elege para objeto de sua reflexão poética.
       Este pequeno e-book colige textos escritos em períodos diversos, mas que em comum trazem a marca da economia e extrema expressividade, tão características da poesia do autor.

Sammis Reachers 

terça-feira, maio 10, 2016

FILHO (CHILD) - Poema de Sylvia Plath



Sylvia Plath  (Estados Unidos, 1932-1963)


O teu olho claro é uma coisa absolutamente bela.
Eu quero enche-lo com patos e cores,
Um zoo de novidades

Em cujos nomes reflectes ---
Campânulas de Abril, flores de cacto,
Pequenas

Hastes sem rugas,
Charco em que as imagens
Sejam grandes e clássicas

Não este turbulento
Retorcer  das mãos, este escuro
Tecto sem uma estrela.


© Versão de J.T.Parreira

quarta-feira, maio 04, 2016

TRAVESSIA DO MAR VERMELHO

(Arte: Ivan Aivazovsky)


O  que nos movia para a margem
do mar vermelho, o desejo com asas
tranquilas e os olhos com a doce lágrima
da liberdade,
mesmo sob a febre do deserto?  Movia-nos
uma terra que não conhecíamos, ainda
perto do egipto e com os cascos dos cavalos
egípcios a partirem o silêncio sagrado do chão  
montadas e cavaleiros confiantes
na perseguição. O que movia um povo,
cujo censo estava nas estrelas, multidão escondida
para a margem do mar? A esperança juvenil dos velhos,
o útero das mulheres jovens
para darem à luz no leite e no mel
da terra prometida?

19-04-2016
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quarta-feira, abril 13, 2016

À Mesa com o Pródigo

Murillo



Já estava sentado à mesa, com os olhos
Do meu pai a verterem alegria, o vinho
Dos odres novos a brilhar no banquete
O bezerro a sair do remoinho das chamas
Depois de anos a andar sem sandálias
E com vestes festivas e um vestígio
Real no dedo, apontava a saudade
Do meu coração para a porta, esperava
Que entrasse com o sol crepuscular
O meu irmão, nos meus olhos
Eu dizia palavras de amor, enquanto
O silêncio da porta deixava passar
A lua plena.


13-04-2016


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sábado, fevereiro 27, 2016

ULISSEIA







O Regresso de Ulisses

Regressa Ulisses  
como proa do seu barco, corta
não as águas, mas o voluptuoso mistério
que passa pelo vento, ainda
que as sereias estejam longe


Ulisses está de pé, de costas
para Nausícaa, para o sol lento que soltava
ouro dos cabelos de Nausícaa
Outra mulher o espera
a fiar e a desfiar o tempo.


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quinta-feira, fevereiro 04, 2016

RECUSA, com uma epígrafe de Countee Cullen





RECUSA


 “We shall not always plant while others reap”
Countee Cullen(New York, 1903-1946)


Nem sempre vamos plantar, para outros colherem
Nem sempre deitar árvores abaixo, para outros 
entalharem na madeira as formas
dos deuses ou demónios que trazem nos dedos
Não será para sempre
que vamos levantar do mar as pérolas
para outros costurarem a beleza
Nem sempre ver
como a Esfinge, o que outros não conhecem
Chega de construções para outros fazerem tabula rasa.

04-02-2016
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