Uma avó negra que tive em silêncio
avó de branco
riso que nunca poisou em mim
o algodão do seu olhar
avó de negros
olhos fazendo luz
entre a noite transparente
sob o luar dos fogos
Avó negra
que invocavas deuses
deuses fechados como os sons
que à selva se reservam
toda a minha alma
é cruzada por ti
como a noite traspassada pela chama.
A Poesia é o assunto do Poema - Wallace Stevens . Este Blog não respeita o Acordo Ortográfico.
quarta-feira, agosto 30, 2006
andar21.net - Revista poética en rede
Quando eu perco a fé!(23/08/2006) Elaine Tavares desde o Brasilmáis
Um rio chamado tristeza: João Tomaz Parreira(24/08/2006) Versos de João Tomaz Parreira desde Lisboamáis
Tres poemas: Óscar Antón Pérez García(23/08/2006) Versos de Óscar Antón Pérez García (Oirán, 1976) 1 > 3máis
A Defesa do Poeta: Natália Correia(16/08/2006) Versos de Natália Correia (São Miguel, Açores, 1923- Lisboa, 1993)máis
etc.etc.
Poesia galega, poesia internacional em www.andar21.net
Um rio chamado tristeza: João Tomaz Parreira(24/08/2006) Versos de João Tomaz Parreira desde Lisboamáis
Tres poemas: Óscar Antón Pérez García(23/08/2006) Versos de Óscar Antón Pérez García (Oirán, 1976) 1 > 3máis
A Defesa do Poeta: Natália Correia(16/08/2006) Versos de Natália Correia (São Miguel, Açores, 1923- Lisboa, 1993)máis
etc.etc.
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terça-feira, agosto 29, 2006
O gato de Chagall
segunda-feira, agosto 28, 2006
Etiquetas
Continuando... o jogo da PalavraPuxaPalavra, as etiquetas seguintes são, todos elas sem excepção em língua portuguesa, valiosos blogues onde a ars poetica é assunto no feminino, desde a escolha das imagens às palavras:
www.linhadecabotagem.blogspot.com - Viagens pela fotografia e na poesis de um olhar
www.lupanardopensamento.blogspot.com - Um modo de pensar a poesia a partir do interior
www.aluzdovoo.blogspot.com - Imagens com legendas poéticas
www.romadevidro.blogspot.com -A poesia concentrada e, às vezes, surrealizada
www.papelderascunho.net - Uma das melhores dicções da poesia brasileira moderna, quer na criação original quer na tradução.
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domingo, agosto 27, 2006
Um pouco do melhor
3 Irmãos - Antologia - Gióia Júnior - Joanyr de Oliveira - J. T. Parreira - Sammis Reachers (org)© 2006 - Sammis Reachers (org) "Antologia, reunindo poemas de três dos maiores poetas evangélicos em língua portuguesa, os brasileiros Gióia Júnior e Joanyr de Oliveira, e o lusitano J. T. Parreira. No objetivo maior de glorificar a Deus, e de divulgar de uma forma mais efetiva e franca o melhor da poesia evangélica em nossa língua, vem a lume esta breve antologia, englobando 3 de nossos mais consagrados poetas."
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Pode ser consultada em http://www.ebooksbrasil.org/nacionais/index.html#antologiaevangelica
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Pode ser consultada em http://www.ebooksbrasil.org/nacionais/index.html#antologiaevangelica
quinta-feira, agosto 24, 2006
Ele, Tirésias
Ele, Tirésias
revolve as gavetas da noite
tem o toque
da deusa nos ouvidos
nos seus sonhos não passam
rios azuis
nos olhos de Tirésias
a névoa toma as formas
no futuro, a cinza
cai do rio de lume de Tirésias
de Tirésias
os olhos adiantam-se.
###############
Hoje estou na primeira página do Blocos, Portal de Literatura e Cultura, com um poema já conhecido, Vida Literária, que a poeta Leila Míccolis publicou.
http://www.blocosonline.com.br/home/index.php
quarta-feira, agosto 23, 2006
Vilegiatura
Edição de 1964
O Poeta Marítimo
A noite vem de Bornéu
Clotilde se enrola no astracã
A tempestade lava os ombros da pedra
O grande navio ancora nos peixes dourados
Um menino serve-se da história de Robinson
Alguém grita
Pedindo uma outra vida um outro sonho
Um outro crime
Entre o amor e o álcool
Entre o amor e o mar.
Ouve-se distintamente
O respirar das hélices
O céu inventou o vento
A sereia enrola o mar com o rabo.
(Murilo Mendes)
domingo, agosto 20, 2006
A crítica do velho Buk (owski)
A bela resistência de Ezra
Há uns milhares de ingleses licenciados em literatura
que pensam tomar o lugar de Ezra
ou cummings ou Eliot
quando a melhor coisa que lhes
acontecerá
é acabarem como caixas
nas Lojas Safeway
e a perguntar
(sob as directrizes da gerência)
«Como está o sr. hoje?»
e não obterem resposta
nenhuma.
(Tradução: J.T.Parreira)
Há uns milhares de ingleses licenciados em literatura
que pensam tomar o lugar de Ezra
ou cummings ou Eliot
quando a melhor coisa que lhes
acontecerá
é acabarem como caixas
nas Lojas Safeway
e a perguntar
(sob as directrizes da gerência)
«Como está o sr. hoje?»
e não obterem resposta
nenhuma.
(Tradução: J.T.Parreira)
sexta-feira, agosto 18, 2006
A Lição de Giuseppe Ungaretti
Desde Tristan Tzara a António Maria Lisboa, para falarmos de criadores de movimentos literários, em universos distintos do início do século XX, que os poetas foram compelidos a impor uma etiqueta à geração, ao grupo, ao movimento em que se integravam, e às técnicas apresentadas.
Tiveram que elaborar manifestos, umas vezes para dar visibilidade aos seus postulados poéticos, outras para conferir a estes compreensibilidade, quer diante do momento, quer perante o julgamento da história. Para além dos textos normativos desses argumentos, que determinavam o modo de escrever - a escrita automática, por exemplo -, nomeadamente no primeiro manifesto surrealista de 1924, misturavam-se teorias literárias e até da área da psicanálise que surgia com Freud.
Embora fosse companheiro de época literária e dos ismos em que se integravam aqueles dois poetas, que hoje têm em comum o esquecimento, o poeta italiano Giuseppe Ungaretti pronunciou em toda a sua vida literária uma lição, que valeu como um manifesto. Como um dos grandes poetas do nosso tempo, do século XX, Ungaretti afirmou os seus argumentos em dois curtíssimos versos, ao escrever : Deslumbro-me/ de imenso. Poeta dos mínimos nadas e dos grandes segredos, que lhe valeram a classificação de ter uma linguagem poética hermética, escreveu ainda em versos de tamanho pequeno, outro manifesto: Tra un fiore colto e l’altro donato/ l’inesprimibile nulla ( “Entre uma flor colhida e outra dada / o inexprimível nada” ).
Para este poeta nascido no Egipto no ano em que nasceu Pessoa ou T.S. Eliot, 1888, que ensinou literatura em Roma e em São Paulo, e seguiu as pisadas do futurismo, do surrealismo e do hermetismo, não se podia ir mais além em poesia.
A busca do despojamento e do próprio segredo do eterno, com versos densos de mistério, mas também com poemas nítidos, cujas palavras nada escondem e nos fazem ver ou quase tocar nas coisas mais simples, como nos versos finais de um poema sobre o Natal: “Estou / com as quatro / cabriolas / de fumo / do velho lar”. Ou nestes outros versos sobre a capacidade que o mar tem de nos seduzir: “Com o mar / tenho feito para mim / um ataúde / de frescura.”
Certamente por esta capacidade de a poesia, por vezes, ser palpável, o poeta escreveu que “ já não escutaremos a poesia; poderemos apalpá-la, olhá-la.”
No que concerne à sua obra poética, no nosso país, só poderemos tocar num volume esgotadíssimo, editado pela Dom Quixote, em 1971, nos Cadernos de Poesia. O Sentimento do Tempo, que é a par de Vida de um Homem, Hiena, 1985, as únicas colectâneas de poemas de Ungaretti excpecionalmente traduzidas para português, em livro autónomo. Em 1978, Jorge de Sena também enriqueceria a sua obra quase monumental Poesia do Século XX, com onze poemas de Ungaretti.
SOU UMA CRIATURA
Como esta pedra
de S.Miguel
assim fria
assim dura
assim enxuta
tão ausente
tão inteiramente
desalentada
Como esta pedra
é o meu pranto
que não se vê
A morte
abate-se
vivendo.
(Tradução: J.T.Parreira)
SONO UNA CREATURA
Come questa pietra
del S.Michele
così freda
così dura
così prosciugata
così refrattaria
così totalmente
disanimata
Come questa pietra
è il mio pianto
che no si vede
La morte
si sconta
vivendo.
( Giuseppe Ungaretti)
Tiveram que elaborar manifestos, umas vezes para dar visibilidade aos seus postulados poéticos, outras para conferir a estes compreensibilidade, quer diante do momento, quer perante o julgamento da história. Para além dos textos normativos desses argumentos, que determinavam o modo de escrever - a escrita automática, por exemplo -, nomeadamente no primeiro manifesto surrealista de 1924, misturavam-se teorias literárias e até da área da psicanálise que surgia com Freud.
Embora fosse companheiro de época literária e dos ismos em que se integravam aqueles dois poetas, que hoje têm em comum o esquecimento, o poeta italiano Giuseppe Ungaretti pronunciou em toda a sua vida literária uma lição, que valeu como um manifesto. Como um dos grandes poetas do nosso tempo, do século XX, Ungaretti afirmou os seus argumentos em dois curtíssimos versos, ao escrever : Deslumbro-me/ de imenso. Poeta dos mínimos nadas e dos grandes segredos, que lhe valeram a classificação de ter uma linguagem poética hermética, escreveu ainda em versos de tamanho pequeno, outro manifesto: Tra un fiore colto e l’altro donato/ l’inesprimibile nulla ( “Entre uma flor colhida e outra dada / o inexprimível nada” ).
Para este poeta nascido no Egipto no ano em que nasceu Pessoa ou T.S. Eliot, 1888, que ensinou literatura em Roma e em São Paulo, e seguiu as pisadas do futurismo, do surrealismo e do hermetismo, não se podia ir mais além em poesia.
A busca do despojamento e do próprio segredo do eterno, com versos densos de mistério, mas também com poemas nítidos, cujas palavras nada escondem e nos fazem ver ou quase tocar nas coisas mais simples, como nos versos finais de um poema sobre o Natal: “Estou / com as quatro / cabriolas / de fumo / do velho lar”. Ou nestes outros versos sobre a capacidade que o mar tem de nos seduzir: “Com o mar / tenho feito para mim / um ataúde / de frescura.”
Certamente por esta capacidade de a poesia, por vezes, ser palpável, o poeta escreveu que “ já não escutaremos a poesia; poderemos apalpá-la, olhá-la.”
No que concerne à sua obra poética, no nosso país, só poderemos tocar num volume esgotadíssimo, editado pela Dom Quixote, em 1971, nos Cadernos de Poesia. O Sentimento do Tempo, que é a par de Vida de um Homem, Hiena, 1985, as únicas colectâneas de poemas de Ungaretti excpecionalmente traduzidas para português, em livro autónomo. Em 1978, Jorge de Sena também enriqueceria a sua obra quase monumental Poesia do Século XX, com onze poemas de Ungaretti.
SOU UMA CRIATURA
Como esta pedra
de S.Miguel
assim fria
assim dura
assim enxuta
tão ausente
tão inteiramente
desalentada
Como esta pedra
é o meu pranto
que não se vê
A morte
abate-se
vivendo.
(Tradução: J.T.Parreira)
SONO UNA CREATURA
Come questa pietra
del S.Michele
così freda
così dura
così prosciugata
così refrattaria
così totalmente
disanimata
Come questa pietra
è il mio pianto
che no si vede
La morte
si sconta
vivendo.
( Giuseppe Ungaretti)
quarta-feira, agosto 16, 2006
Análise Crítica de «Nada, nem mesmo a chuva»
NADA, NEM MESMO A CHUVA
Um texto de J.T.Parreira
(Análise crítica)
Maria José Limeira
(Maria José Limeira é escritora e doce jornalista democrática de João Pessoa-PB)
NADA, NEM MESMO A CHUVA
para e.e.cummings
Nada, nem mesmo a chuva
tem tão pequenas gotas
como as lágrimas que se movem
dentro do coração
E as pequenas mãos
que sobem pelo rosto
das mães? Ninguém
como elas tem a chave
para tão pequenas nuvens
Ninguém, nem mesmo o silêncio
tem tão pequenas mãos
para abrir
tão fechado domínio.
(Transcrito de Oficina Literária)
Um texto de J.T.Parreira
(Análise crítica)
Maria José Limeira
Gostei muito desse texto “Nada, nem mesmo a chuva”, de J.T.Parreira, por causa das palavras simples que o autor utiliza para falar de coisas simples.
Quem poderia contestar as “pequenas gotas como as lágrimas que se movem dentro do coração”? Um mundo de coisas que este trecho exprime, de uma maneira tão singela e comovente... Todos entendem como se processa essa emoção, e é por isto que esse poema ganha o foro universal.
Vemos adiante as “mãos” das “mães” que “guardam as chaves das pequenas nuvens”. Que bonito, não? Falar em nuvens é olhar um céu nublado de onde desabam essas lágrimas-chuvas que o autor enfoca e, no final, abre-se a outras contemplações.
É um texto meditativo sobre os gestos que a Natureza esboça, com um narrador impessoal, que dá elegância ao discurso poético.Quando o domínio se fecha, as mãos se abrem.Muito bom!
(Maria José Limeira é escritora e doce jornalista democrática de João Pessoa-PB)
NADA, NEM MESMO A CHUVA
para e.e.cummings
Nada, nem mesmo a chuva
tem tão pequenas gotas
como as lágrimas que se movem
dentro do coração
E as pequenas mãos
que sobem pelo rosto
das mães? Ninguém
como elas tem a chave
para tão pequenas nuvens
Ninguém, nem mesmo o silêncio
tem tão pequenas mãos
para abrir
tão fechado domínio.
(Transcrito de Oficina Literária)
domingo, agosto 13, 2006
As pontes de Paris
quinta-feira, agosto 10, 2006
Poesia nos Blogs: 35
O virtual passou ao mais antigo suporte: o papel. Lançada em Julho, esta antologia é uma amostra dos sítios que na blogsfera vão divulgando poesia e poetas. A primeira edição esgotou, a Apenas Livros estará a preparar a 2ª para esses 35 Blogs de autor.
Quaisquer contactos, para reserva de um exemplar, devem ser feitos através de www.apenas-livros.com ou do sete-mares.blogspot.com
sábado, agosto 05, 2006
Construção Civil
A casa espera
Luiza Neto Jorge
Os olhos seguem o tijolo
no alçar dos tectos
hastearam paredes, estenderam
para o alto os muros
zelosos
da sombra de si mesmos
subiram pelo ar
as varandas
vão exibir gestos, lenços
seios entreabertos
buracos negros
as janelas
escurecem
-é a noite que tem
onde ficar
no lugar dos vidros
as manhãs irão abrir
do sol
a imensa mão
entretanto a luz do dia
tropeça no ventre
da casa em construção
5/8/2006
Luiza Neto Jorge
Os olhos seguem o tijolo
no alçar dos tectos
hastearam paredes, estenderam
para o alto os muros
zelosos
da sombra de si mesmos
subiram pelo ar
as varandas
vão exibir gestos, lenços
seios entreabertos
buracos negros
as janelas
escurecem
-é a noite que tem
onde ficar
no lugar dos vidros
as manhãs irão abrir
do sol
a imensa mão
entretanto a luz do dia
tropeça no ventre
da casa em construção
5/8/2006
quarta-feira, agosto 02, 2006
A ironia social de Álvaro de Campos?
Quem cruzou com o Álvaro de Campos numa rua da Baixa? A sua sombra, o seu alter-ego em depressão? Aquele homem mal vestido, andrajoso, «pedinte por profissão que se lhe vê na cara», quem era? Ou todo o referente inicial do poema, atribuído sem dúvida alguma a AC, mas sem data, não foi mais do que um pré-texto para o poeta se auto-analisar? «Já disse sou lúcido... Sou lúcido... Sou lúcido.»
Concebido como um libelo social, é um dos grandes poemas contra-cultura, avant la lettre de movimentos literários anti-sociais que vieram depois, como o Dada ou a Beat-Generation, para usar dois exemplos díspares, distantes cronológica e geograficamente.
Sem veleidades de instrumentalizar a literatura comparada, cito Neruda que em 1953 afirmou «não há material antipoético, se se trata das nossas realidades», é verdade que a propósito do seu Canto geral sobre a América, mas idêntica observação serve ao poema de Campos.
Ele trata de uma realidade, diria social. Ao contrário do Canto General do poeta chileno, salvaguardadas as devidas proporções, no poema de Campos não há plantas, nem flores, nem vulcões nem rios. Há outra crónica, a da ironia sobre a sociedade que faz nascer os seus próprios pobres para depois exercer os mecanismos sentimentais e organizacionais da caridade.
De uma certa maneira, Álvaro de Campos, sobranceiro à vida, no entanto dir-se-ia que saiu de casa para, fortuitamente, se cruzar carnalmente, fisicamente com a sociedade. Também foi um cronista deste momento social sobre aquele homem mal vestido, a quem o poeta num gesto magnânimo, gesto largo e transbordante, deu tudo quanto tinha, no bolso em que tinha pouco. Queria o heterónimo Campos, esse «infeliz amigo» de Pessoa, falar realisticamente dos pobres, dos nossos pobres? E dos limites da caridade, e da filantropia de «repetição do tipo», isto é, daquela filantropia social do chamado jet set que exibe tiques de caridade para com os pobrezinhos, por reacção?
Concebido como um libelo social, é um dos grandes poemas contra-cultura, avant la lettre de movimentos literários anti-sociais que vieram depois, como o Dada ou a Beat-Generation, para usar dois exemplos díspares, distantes cronológica e geograficamente.
Sem veleidades de instrumentalizar a literatura comparada, cito Neruda que em 1953 afirmou «não há material antipoético, se se trata das nossas realidades», é verdade que a propósito do seu Canto geral sobre a América, mas idêntica observação serve ao poema de Campos.
Ele trata de uma realidade, diria social. Ao contrário do Canto General do poeta chileno, salvaguardadas as devidas proporções, no poema de Campos não há plantas, nem flores, nem vulcões nem rios. Há outra crónica, a da ironia sobre a sociedade que faz nascer os seus próprios pobres para depois exercer os mecanismos sentimentais e organizacionais da caridade.
De uma certa maneira, Álvaro de Campos, sobranceiro à vida, no entanto dir-se-ia que saiu de casa para, fortuitamente, se cruzar carnalmente, fisicamente com a sociedade. Também foi um cronista deste momento social sobre aquele homem mal vestido, a quem o poeta num gesto magnânimo, gesto largo e transbordante, deu tudo quanto tinha, no bolso em que tinha pouco. Queria o heterónimo Campos, esse «infeliz amigo» de Pessoa, falar realisticamente dos pobres, dos nossos pobres? E dos limites da caridade, e da filantropia de «repetição do tipo», isto é, daquela filantropia social do chamado jet set que exibe tiques de caridade para com os pobrezinhos, por reacção?
Perante um poema que marca limites à literatura ( russa ), à sociedade e, até, à auto-análise psicológica, não sei responder-me.
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