Em Casablanca com o deserto a arder
e a guerra dentro de todos, esperar
esperar é o que dizem os olhos
do amor, os corações são um eco
os mais felizes
têm Lisboa depois do tumulto
sob as nuvens, Casablanca
parece uma canção em voz branda.
31/12/2012
A Poesia é o assunto do Poema - Wallace Stevens . Este Blog não respeita o Acordo Ortográfico.
segunda-feira, dezembro 31, 2012
quinta-feira, dezembro 27, 2012
Para uma noite de Natal em algum lado
Todos sentados à volta da mesa, ou quase
todos a olhar para as iguarias, todos
pedem e dão algo no Natal
todos os anos se repete
a mesma palavra familiar
mas por vezes falta um rosto
e há lentas sílabas
pronunciadas a custo
a eternidade
que volta sempre ao mesmo sítio
mortes que se levantam do silêncio.
21/12/2012
sexta-feira, dezembro 14, 2012
Poema de Ezra Pound : SOIREE
(Ezra Pound's head, Gaudier-Brzeska)
Ao saber que a mãe escrevia versos,
E que o pai escrevia versos,
E que o filho mais novo estava numa editora,
E que o amigo da segunda filha estava
a iniciar uma novela,
O jovem expatriado Americano
Exclamou:
“Ó que ramo danado de inteligências!”
© nossa versão
E que o filho mais novo estava numa editora,
E que o amigo da segunda filha estava
a iniciar uma novela,
O jovem expatriado Americano
Exclamou:
“Ó que ramo danado de inteligências!”
© nossa versão
segunda-feira, dezembro 10, 2012
O ÚLTIMO SALMO (CL)
Não iria demorar-se muito
o silêncio
nos cantos dos lábios
as palavras como o som
de uma fonte alegre
o fôlego nas trombetas
e os dedoslímpidos nas liras, será hoje
uma respiração diferente.
10/12/2012
domingo, dezembro 02, 2012
POR ESTAS RUAS
Por estas pedras vai-se à casa em frente
a sentir o som da terra
com estes ombros carregamos a fome
dos animais, esta cabra
única vai guiando os nossos olhos
já cansados
por estas paredes o tempo escorre
e espera, vai
esperando que se abram as janelas.
4/10/2012
sábado, dezembro 01, 2012
POEMA DA EXISTÊNCIA
Ao sair à rua
vejo que Deus existe
pode passar num perfume
da chuva, passar no rosto que bate
com os olhos no chão
na criança que borboleteia
mesmo na mulher que se reflecte no vidro
e gostaria
de vestir o que está na montra
Deus existe, e caminha na minha rua
deixo ficar a Sua mão no meu ombro.
30/11/2012
quinta-feira, novembro 29, 2012
PODIAS TER SIDO UM OUTRO ASTRO, WOODY ALLEN
Poema inédito de Brissos Lino
Podias ter sido um outro astro no azul
da comédia americana
Woddy Allen
um Charlot em Nova Iorque
ou uma estrela de jazz
a soprar um clarinete em New Orleans
mas a cabeça fértil nunca deixou
ia-te exigindo a criação de novos mundos
no escuro do cinema
pela virtude de saberes desnudar
o coração dos homens
mas a rir.
28/11/2012
© Brissos Lino
domingo, novembro 18, 2012
CARTA DE AMOR
“Adeus a todos...” (Ofélia, de Hamlet)
Já tens água de mais, ó
pobre Ofélia
as tuas lágrimastemo que no regato, à beira do salgueiro
os cristais dos teus olhos estejam baços
temo que no ribeiro as flores iludam
o leito profundo da morte, a água
enleando de sedas os teus pés
a tua boca
afogada no encalço da última palavra
senão já com amor, com o lodo
do silêncio.
© 18/11/2012
segunda-feira, novembro 12, 2012
JACOB
Essa pedra a que o sonho deu
a gravidade zero, testemunha
que nos degraus da noite, a escada
era leve para o céu, a porta
eram os anjos, e estes que desciam
a reunir vestígios do mundo
e voltavam a subir, nessa pedra
onde encostou Jacob o sono, só
por fora a dormir.
6/11/2012
terça-feira, novembro 06, 2012
segunda-feira, novembro 05, 2012
HOMENS DE PEDRA
Homens de pedra que custam a dobrar joelhos
corações de pedra insensíveis ao lençol
de lágrimas do outro lado da janela
cabeças de pedra
duras como ideias fora de prazo
mas que se contém dentro dos finos limites
do aço da realidade. Bonecos que só se vergam
perante a inocência
de uma criança inquiridora.
2/11/ 2012
Poema inédito de Brissos Lino
terça-feira, outubro 30, 2012
TRÂNSITO
todos nascemos com um rio pelas mãos
e aloendro batendo nos lábios
com a noite em busca de si mesma
imaginando ter ela um avesso
uma face oculta clara
que nos esclareça os sonhos que vamos
deixando germinar
quando nascemos canta o céu
e chora a terra, porque logo
nos esquecemos
que só a lama é o poiso dos pés
e se batemos asas nem às copas
das árvores subimos, não temos
envergadura nem ternura na voz
que cheguem para a majestade
quando nascemos somos duros,
dói-nos o ferro da pele, não sabemos nada
nem que o rio a cada um de nós dado
é vidro polido nas nossas mãos
e nos mergulha, solitários, não na placenta materna
mas na água limpa das novas madrugadas
onde não se vê noite, nem o dia tem rosto
mas só a corrente tem sentido
29/10/12
Inédito de Rui Miguel Duarte
sábado, outubro 27, 2012
MOBY DICK- UM ENSAIO DO PRINCÍPIO
intimamente ligadas"
Herman Melville
O meu nome é Ismael. Catão lançou seu corpo
tranquilamente vou para o mar. Nenhum amor
me prende à terra firme, a parte aquática do mundo
é que me chama. Chega ao meu coração
como um aroma. É o modo
que tenho de fugir ao suicídio, sempre
que a alma é um nevoeiro espesso
e se fecha como um Novembro brumoso
Chega a altura de voltar
com pressa para o mar. Antes que dê
por mim a seguir o rasto aos funerais, a arrancar
na cidade os chapéus aos transeuntes, a cair
no tédio de já nem conseguir rir-me do espelho
Preciso de um espelho marinho, onde lance os olhos
do topo de um mastro. Uma só gota de mar
é colírio para evitar a noite nos meus olhos.
27/10/2012
quarta-feira, outubro 24, 2012
HÁ LIVROS QUE MERECEM SORRISOS
(Rohinton Mistry)
Há
livros que merecem sorrisos e lágrimas
cascatas
de gargalhadas francas levam-nos pela mão a outros mundos
em viagens fascinantes
ao interior
desenham rostos e dramas
insinuam corpos e medos ancestrais
reinventam as paisagens do desejo
deflagram sentimentos que nos invadem
os olhos
e a alma à espera
livros que vivem unindo passados
e possibilidades remotas
entre o chão e o sonho
numa nuvem de prazeres.
20/10/12
Brissos
Lino
sábado, outubro 20, 2012
O ANJO SENTADO NA CADEIRA DE VAN GOGH
“Uma vez um anjo apaixonou-se por van gogh e veio vê-lo
van gogh pintou-o naquela cadeira”
Manuel António Pina (1943-2012)
Sentado na cadeira de Van Gogh
um anjo calça as botas de camponês
insubstancial, o seu corpo
atravessou o cansaço das galaxias
uma sombra branca, chega
o olhar de Van Gogh para o ver
com as terrenas cores
com que sonhamos, nunca
pinta o anjo mas o silêncio do seu corpo.
20/10/2012
terça-feira, outubro 16, 2012
Do outro lado do ribeiro de Cedrom
Preciso das vossas mãos para velarem comigo
porque tenho o peso do mundo
no meu coração, as mãos que trabalharam as redes
as vossas mãos rudes que amaram o mar
para segurarem o cálice, e dos vossos olhos
para desvelarem comigo a cortina da noite
a minha alma está pronta, o corpo
não, é uma rosa triste, madura
uma rosa de terra perante a morte.
12/10/2012
quarta-feira, outubro 10, 2012
GLEEN GOULD
Estendia as mãos para o silêncio
E Bach
voltava
a respirar
quando tocava
Era uma escultura da música.
8/10/2012
segunda-feira, outubro 08, 2012
Desembarque
Alguns
morreram, muitos
morreram, quase todos
como um poema rasgado
que não viu a luz ao fundo
da última palavra.
20/9/2012
sábado, outubro 06, 2012
Feira do Livro e de Poesia e BD
Organizada pela Inês Ramos
A Feira do Livro de Poesia e Banda Desenhada realiza-se todos os sábados, das 10H00 às 18H00, no espaço Guilherme Cossoul de Campolide: Rua Professor Sousa da Câmara, 156 – Campolide (às Amoreiras).
http://feiradolivrodepoesia.blogspot.pt/2012/10/novidades-da-proxima-feira.html
A Feira do Livro de Poesia e Banda Desenhada realiza-se todos os sábados, das 10H00 às 18H00, no espaço Guilherme Cossoul de Campolide: Rua Professor Sousa da Câmara, 156 – Campolide (às Amoreiras).
http://feiradolivrodepoesia.blogspot.pt/2012/10/novidades-da-proxima-feira.html
terça-feira, outubro 02, 2012
MARYLIN
A sua nudez não foi suficiente
não surpreendeu
a morte, os seus olhos
não penetraram nada
adormeceu, ou foi
adormecendo.
30/9/2012
sexta-feira, setembro 28, 2012
Vi a tua sombra na calçada
(Foto do poeta tirada num jardim em Vila Viçosa)
Poema inédito de Brissos Lino
Vi
a tua sombra na calçada e era um rio
com
o teu preciso recorte
pressenti
a respiração ofegante que queria ouvir
mas
apenas a brisa me beijou o pescoço
como
que a pedir desculpa
talvez
fosse apenas uma árvore
no
seu jogo da tarde com os pássaros
ou
uma nuvem debruçada no céu
a
fazer das suas.
27/9/12
Poema inédito de Brissos Lino
domingo, setembro 23, 2012
HAMLET
“Acordei com esta cabeça de mármore nas mãos”
Yorgos Seferis
Acordo com esta cabeça
com estes buracos no lugar dos olhos
e o seu silêncio pesa-me nas mãos
acordo todas as manhãs
e o dilema e as perguntas
pesam-me no espírito
Será mais nobre sofrer na alma, não
pegar em armas
ou sofrer os dentes do destino?
A cada palavra um eco vem
que se perde a caminho de nada
dentro desta caveira, sem servidão
indomável, ninguém.
22/9/2012
domingo, setembro 16, 2012
Para Bailar un Tango
Un tango se danza con un cuchillo
en la mirada
y zapatos acolchados de silencio
Un tango rompe
todo lo que está cerca
el aire donde el cuerpo se contonea
donde las manos ahogan
manos o en la cintura
navegan como si fuese
un río de plata
Tradução de Adriana F.Lagoa
sexta-feira, setembro 14, 2012
Do que quer falar o poeta
Por vezes da alegria. Num dia triste
que começa a quebrar-se
com as vozes aos pulos, contentes
das crianças. Tantas vezes
do mar, não exactamente do mar que se vê
mas daquele que banha de lume turquesa
as ilhas mais distantes
Outras vezes da morte, não explícita
mas dos cristais que se partem nos olhos
de quem morre
Quase sempre a encher-se de silêncio
para encontrar uma palavra, aquela
mesma, pequenina, amedrontada
caída da árvore
no meio de palavras enormes.
13/9/2012
sexta-feira, setembro 07, 2012
NAUFRÁGIO
Desabitado, o convés
ao largo aguarda a visita das marés
e dos olhos
que vêm à praia, rasos de água
ninguém
espera mais nada
senão os apetrechos do barco
lentamente repartidos.
7/9/2012
sábado, setembro 01, 2012
VIVER EM ÍTACA
Vivo em Ítaca ausente
Octávio Mora
Com a memória nos olhos em fuga
por mundos claros, viver em Ítaca
depois de Tróia
na noite por demais conhecida
e nos gestos da manhã, os mesmos
passos pela casa, o mesmo galo
a lançar ao sol os agudos do seu cântico
começo agora a viajar pela Ásia
corro atrás da minha gata
siamesa, é assim
viver em Ítaca depois de regressar
com o mar calado em meus ouvidos.
30/8/2012
quinta-feira, agosto 23, 2012
As estórias em acrílico de Duy Huynh
Duy Huynh (pronuncia-se Yee Wun) é vietnamita radicado nos Estados Unidos da América desde os anos 80.
A sua pintura em acrílico
é poética e contemplativa, assume-se em todos os formatos como a
obra pictórica de um contador de estórias. As imagens repetem-se,
saem do mundo físico para o onírico. E esta mistura confere beleza
– que é a primeira palavra que me ocorre – a quase tudo que o
pintor narra nas suas telas.
Não sei, contudo, se Duy
Huynh é um seguidor consciente de René Magritte, mas as estórias
que conta na sua pintura, suscitam-me esse criador belga.
Pelo onirismo de cada
proposta, pela diegese da sua poesia pictórica, pela escrita de uma
poesia pura nas formas e cores. É uma pintura que seria quase
tangível – pelos materiais que usa, a tinta acrílica é mais
rugosa, saliente – não fora tratar-se de Sonho.
Se a poesia é estar
dentro da realidade e escrever a imagem, a pintura deste artista
vietnamita estrutura-se do mesmo modo: ele pinta a imagem da
realidade dentro da realidade.
Tão surrealista quando
trata de referentes que poderiam ser dos contos de fadas ou dos
mitos, como Magritte. Tão realista quando dá forma onírica ao que
nos revela, sendo que pela sua própria natureza, um sonho é íntimo.
sexta-feira, agosto 17, 2012
OS BARCOS DE INHAMBANE
Velas arriadas, remos
descansando o gume
os barcos ao sol a secar as águas
e o peixe
é um cheiro sem a cor
nas redes
Então o pôr-do-sol
derrama mel na noite.
17/8/2012
é um cheiro sem a cor
nas redes
Então o pôr-do-sol
derrama mel na noite.
17/8/2012
terça-feira, agosto 14, 2012
terça-feira, agosto 07, 2012
JAZZ NA RUA 52
Depois tudo
depois do fumo, iria subir
os degraus dos clubes da Rua 52
gente desfolhando-se ao vento
folhas dos ramos de uma velha árvore
A Rua 52
tem o silêncio próprio das ruas
com trânsito, em porta alguma há
hoje o cheiro
da música de Parker, a sua pressa
contida no saxe alto.
7/8/2012
segunda-feira, julho 30, 2012
REGRESSO A CASA
Les Sirens, Leon Belly, Séc XIX, França
“E se eu implorar (...) que me liberteis,
Odisseia
O doce canto desnudando o
coração
o desejo nu, bem amarrado
ao mastro
Ulisses não podia
atirar às ondas de
Sereias
os
seus braços.
30/7/2012
segunda-feira, julho 16, 2012
Encontro com James Joyce em Zurique
Perdoa-me, Ezra Pound, que imperturbável
te receba
o meu jardim estiola sobre um epitáfio
lavrado no chão e estou cansado
desta morte
na forma de liga de metal
perdoa-me que olhe para ti
pela cegueira do infinito
Vieste visitar-me, meu velho poeta
meu filho crescido
no bolso do sobretudo é bom que tragas
para desvendar os Cantos de Pisa
os instrumentos para o meu Leopold Bloom
esse homem vacilante do Ulysses
aprender a tua firme sabedoria
Perdoa-me Ezra, que não me levante
mesmo que os meus olhos não consigam
apanhar o teu tão alto tamanho.
16/7/2012
sábado, julho 14, 2012
CONVERSA NOS JOELHOS
Uma noite, sentei a Beleza em meus
joelhos.— E encontrei-a amarga. — E insultei-a
Rimbaud
pelo leve sopro de flauta imaginada
por uma asa num verso de poesia
um tigre
que me dá a pata com ternura
uma pomba ornando um telhado
ou uma estrela fugida do tumulto
das galáxias, conversamos:
por que demorou tanto
agora que estou quase a acabar
por que vinha com roupas
impronunciáveis
disse: mas sempre me encontraste
Rimbaud
Sentei
nos joelhos a suposta inspiração
esperei
décadas pelo seu talentopelo leve sopro de flauta imaginada
por uma asa num verso de poesia
um tigre
que me dá a pata com ternura
uma pomba ornando um telhado
ou uma estrela fugida do tumulto
das galáxias, conversamos:
por que demorou tanto
agora que estou quase a acabar
por que vinha com roupas
impronunciáveis
disse: mas sempre me encontraste
nos
silêncios.
13/7/2012
sexta-feira, julho 06, 2012
Vou-me Embora
Há por acaso alguma
nova Tróia para incendiar?
É
preciso movermo-nos na imaginaçãoque, tal como as pernas, está a ficar mármore
Haverá alguma coluna ainda ou algum arco a abater
para o futuro, para render o olhar
abismado sobre Roma?
Então nada a fazer
vou-me embora
para a pequena aldeia onde o vento
passe plácido como um regato verde
no pináculo dos pinheiros.
5/7/2012
quinta-feira, julho 05, 2012
O Caminho
Desde sempre caminhamos para o nevoeiro
com a morte, invisível
às costas
desde sempre à sua maneira
a morte vai penetrando
e num domingo que se apaga cedo
ou numa terça-feira de sol
aperta o vértice do ângulo
-Não
e não temos letras suficientes
para um tão ínfimo vocábulo.
4/7/2012
Foto de Flor Garduño, México, 1957 -Ver mais
terça-feira, junho 26, 2012
AS BARCAS DE CARONTE
“navegam em mim barcos assustados”
Julio Saraiva
Algum dia
queimaremos as naves de Caronte
Por agora prossegue a obstinada morte
no alfabeto a letra com que vai
começar o nosso nome
Mas ainda o sangue se renova
nos ramos que partem do nosso coração
Algum dia estaremos sentados a ouvir
os anjos a tirar das suas harpas
os silêncios celestiais
Por agora, como Ulisses amarrados
ao mastro do navio, deixamos que as ondas
nos falem ao ouvido.
24/6/2012
segunda-feira, junho 18, 2012
Observar Vagalumes
Da janela defronte da noite
vejo pirilampos
que se movem e param
renovam
e o negrume está carregado de luzes
de pequenos barcos de pesca
na faina nocturna
nas correntes do ar.
18/6/2012
sábado, junho 16, 2012
ENTRE O MADEIRO E A LANÇA
Entre o madeiro e a
lança
a cicatriz no peito, o espanto da água
no sangue
inocências misturadas
a lança no coração até ao infinito
do corpo lavrado
e a morte soluça
Entre o madeiro e a lança
o espírito
vai longe às mãos do Pai
e os lábios têm essa doçura
nas últimas palavras.
a cicatriz no peito, o espanto da água
no sangue
inocências misturadas
a lança no coração até ao infinito
do corpo lavrado
e a morte soluça
Entre o madeiro e a lança
o espírito
vai longe às mãos do Pai
e os lábios têm essa doçura
nas últimas palavras.
15/6/2012
terça-feira, junho 12, 2012
A Tentação
Sobre a aridez sem referências
do deserto, o Filho do homem
falou com o frio da noite, espesso
frio como a escuridão sem lugares
onde encostar os olhos, falou
com o sol sem sombras
como o próprio Deus depois de plantar
o jardim, falou sozinho
até que Satan – não o de Dante
lhe pôs pedras no meio do caminho.
12/6/2012
terça-feira, junho 05, 2012
SANCHO
“Sancho é um corpo universal”
Sancho é largo, quase rente
avoluma-se na magreza do Quixote
É um
gigante, largo
em
trânsito no chão manchegoé, por vezes, os olhos do Quixote
O
ritmo de Sancho é lento
a
realidade vai atrás do brilhoda armadura do Quixote
O
moinhos são os panos do vento
Sancho,
vestido de pele
e coração, como os conhece de perto.
5/6/2012
segunda-feira, maio 28, 2012
O CINEMA
“llega la oscuridad y después las / caras gigantescas”
Charles Bukowski
Às vezes, no cinema
enterrados até ao pescoço
na cadeira, à procura no negrume
da vida real
contam-se as pipocas com dedos infantis
os lábios molham-se
admirados num refresco
os rostos maiores que o nosso no ecrã
corpos gigantes
partem o escuro, falam
e nós passivos
na nossa vida banal.
28/5/2012
enterrados até ao pescoço
na cadeira, à procura no negrume
da vida real
contam-se as pipocas com dedos infantis
os lábios molham-se
admirados num refresco
os rostos maiores que o nosso no ecrã
corpos gigantes
partem o escuro, falam
e nós passivos
na nossa vida banal.
28/5/2012
sexta-feira, maio 18, 2012
Maremoto
“mon malheur (...)
observe un silence d’océan”
René Depestre
O oceano observa depois
o nosso infortúnio
em silêncio
as espumas iluminam
os areais, após o fio
das navalhas dilacerar
por dentro a terra
depois
do cume das ondas gigantes
que inunda de frio
os homens
por agora quando observamos
o mar
fazemo-lo
em grande silêncio
17/5/2012
quarta-feira, maio 16, 2012
OS COMENTADORES
Deixem Atenas respirar
à borda do Egeu
o ar de vidro transparente
e claro que corre do Egeu
Deixem que goze as sombras brancas
no sol das suas casas claras
poderíamos deixar a Grécia em paz
Que falta faz Platão
para verter grinaldas nas cabeças
dos homens e mulheres
que sabem tanto sobre os gregos
como dormem, comem, gastam
o seu corpo no amor, gastam
o que é nosso – dizem eles
Platão mandá-los-á para fora da cidade
entregues à mimésis uns dos outros.
terça-feira, maio 08, 2012
A Dança de Salomé
Valeu uma cabeça, o corpo
a sair dos véus, a luxúria
enlaçava os braços
nus dançando, os olhos
seduzindo a morte,
como poços negros
convidavam
ao prazer da carne
mais escondido.
Valeu uma cabeça, cada perna
a esgrimir com os desejos
como um florete frio.
Valeu uma cabeça, a bela
cabeleira a fustigar
o ar enlouquecido.
8/5/2012
quinta-feira, maio 03, 2012
JESUS EM MÁS COMPANHIAS
Jesus em más companhias
- dizia o olho humano
arranhavam as línguas
das víboras
E o vaso quebrado com unguento
Seus pés enxutos
nos cabelos de mulher
E o sábado dessagrado
E a porta larga de Mateus
E a alegria à mesa posta pelos publicanos
disseram
até dos Seus olhos que fugiam
da multidão para os ramos da figueira
onde o Zaqueu crescia.
1/5/2012
terça-feira, maio 01, 2012
Nota talvez poética
Já escrevi poemas em Paris e Nova Iorque e pus as datas
Mil novecentos e noventa e pouco, hoje
mais velho e mais humilde
escrevo em casa
e deixo a minha gata passear
sobre eles.
1/5/2012
sexta-feira, abril 27, 2012
ESTAÇÃO DOS COMBOIOS
(Estação da CP, Aveiro, foto de Hugo Gamelas)
Não conheço os horários, sei que vem
eu olho e sei nos meus olhos
colocados ao fundo da linha
que chegará, estou em pé na estação
evito
bagagem excessiva
cheguei com minutos suficientes
para esperar esse comboio
que vem sobre as linhas paralelas
do infinito.
27/4/2012
colocados ao fundo da linha
que chegará, estou em pé na estação
evito
bagagem excessiva
cheguei com minutos suficientes
para esperar esse comboio
que vem sobre as linhas paralelas
do infinito.
27/4/2012
domingo, abril 22, 2012
Quase Naufrágio
As ondas subiam por cima do barco
o barco entrava
no caracol das ondas
o vento subia pelos cabelos
os olhos subiam até às estrelas
os homens lançavam o medo nas vozes
E até a luz da lua
fazia desenhos de medo sobre as águas
E no fundo do barco
dormem
alheios à tempestade?
21/4/2012
terça-feira, abril 17, 2012
A MULTIDÃO
As mãos não tocam no quadro
com os olhos a Gioconda
estão a cercá-la de espantos
com os olhos prontos
a levar o sorriso até à fronteira
do mistério
A Gioconda pode repousar
despir-se
do olhar e do sorriso
à noite ficar nua, ninguém
desvenda o segredo atrás do vidro.
17/4/2012
sábado, abril 14, 2012
Tróicas, com um inédito de Brissos Lino
OS NOVOS VAMPIROS
Os antigos atacavam em bandos
pela calada da noite
estes atacam ao meio-dia
em directo na televisão
com um sorriso tímido nos lábios
e um olhar compungido
de mãos postas
como se tivessem dó
das vítimas
e sem nunca sujar o fato caro
nem a gravata fina.
11/4/12
Brissos Lino
TRÓICA (i)
É um tridente
que nos dói aqui.
TRÓICA (ii)
Eles são muitos
eu pouco.
11/4/2012
sexta-feira, abril 13, 2012
ISTO É UM POEMA?
Diz-se por aí que o Süddeutsche Zeitung (literalmente, Jornal do sul da Alemanha) publicou o mais novo poema de Günther Grass, “Was gesagt werden muss” ("O que deve ser dito"). Neste, Grass critica Israel por seu poderio ...nuclear e pelas ameaças de ataque ao Irão.
É explícito que GG critica Israel, não é assim tão certo, tecnicamente, que se trate de um poema; a não ser que qualquer pedaço de prosa de um Nobel da Literatura, com mais ou menos prosódia, com mais ou menos (no caso, nenhuma) prosopopeia, seja considerado universalmente um poema. Este não é.
A narrativa que aqui temos não é poética, é política.
Obedece a um estilo próprio do autor, é justo referi-lo, no que concerne ao uso de poesia ou prosas poéticas intercaladas nos seus romances. Também ao modo poiético com que o romancista alemão sempre abordou a sua poesia, com poemas datados no sentido do "ano político". GG afirmou-se um dia como "poeta de circunstâncias".
Seja como for, o alegado “poema” do Nobel Gunter Grass, autor dos celebrados e incontornáveis romances “O Tambor” e “O Cão de Hitler”, pelo menos, não suporia vir a ter enquanto artefacto literário, pelo lado da poiética e da ars poetica, qualquer menção especial que não fosse a de puro panfletarismo.
Panfleto prosaico em forma de poema. E deixando correr um rio subterrâneo que leva as águas carregadas de urânio ao moinho do Irão. É o que se lê neste pedaço de prosa, que nem prosa poética é:
“É o suposto direito a um ataque preventivo,
que poderá exterminar o povo iraniano,
conduzido ao júbilo
e organizado por um fanfarrão,
porque na sua jurisdição se suspeita.
do fabrico de uma bomba atômica.”
O autor de “Descascando as cebolas” (uma auto-biografia que também foi polémica), usa o direito inalienável, concordo, da velhice, da idade, para dizer o que, segundo ele, ainda não foi dito:
“Por que motivo só agora digo,
já velho e com a minha última tinta,
que Israel, potência nuclear, coloca em perigo
uma paz mundial já de si frágil?”
À sua própria pergunta, Gunter Grass simultaneamente responde-se numa quase tautologia:
“que Israel, potência nuclear, coloca em perigo
uma paz mundial já de si frágil”
O autor de “O Cão de Hitler”, soberbo romance de tom surrealista que desenvolve a crítica ao período nacional -socialista da Alemanha, vai compondo o seu texto dito poema como se se tratasse de um comunicado de imprensa ou uma peça jornalística, nos quais dirige o leitor para a conclusão prévia sobre a inocência do Irão:
“Agora, contudo, porque o meu país,
acusado uma e outra vez, rotineiramente,
de crimes muito próprios,
sem quaisquer precedentes,
vai entregar a Israel outro submarino
cuja especialidade é dirigir ogivas aniquiladoras
para onde não ficou provada
a existência de uma única bomba, “
Poderíamos continuar, mas basta que se leia o “poema”. E não temos poesia, nem na parte em que se manifesta a garantia de amizade e de união fervorosa ou mística com o “ país de Israel, ao qual estou unido / e quero continuar a estar", nem naquela em que obviamente concordamos : “ da hipocrisia do Ocidente".
Melhor teria sido o próprio autor chamar a este texto o manifesto do romancista Prémio Nobel Gunter Grass. No entanto, é justo dizê-lo, que Grass é poeta e poeta do célebre Grupo 47.
Basta ler poemas, de outro tempo, cujo tom e discurso poemático expressionista tardio, porém afastado da dureza original desse Movimento dos anos 20 alemães, surrealista também, nos interpelam ainda hoje e interpelaram com certeza os alemães desse tempo. O livro “As vantagens das galinhas de vento” (título traduzido do volume em castelhano), de 1956, é paradigmático do que dissemos.
Um poema extraordinário basta, pela sua acutilância, ironia e brevidade comovedora:
Asuntos de Família/ Familiär
En nuestro museo – vamos todos los domingos -,
han inaugurado una sección nueva.
Nuestros hijos abortados, embriones pálidos y serios,
se acurrucan en simples tarros de cristal,
preocupados por el futuro de sus padres.
(Versão em castelhano da obra “Poemas”, Colección Visor de Poesía, Alfaguara, Madrid, 1994)
Assuntos de Família
No nosso museu - vamos todos os domingos-,
inauguraram uma nova secção.
Nossos filhos abortados, embriões pálidos e sérios,
encolhidos em redomas de cristal,
preocupados com o futuro dos seus pais.
(Trad. do alemão e espanhol, por J.T.Parreira)
segunda-feira, abril 09, 2012
A Ressurreição
Sem nada por que chorar
senão o túmulo vazio
e dois anjos a arrumarem a casa
vazia para sempre
sem nada sobre o que derramar o seu incenso
as mulheres
recém chegadas ao sepulcro
vão gastar os olhos na vigília
as mulheres sem um corpo onde encostar
o seu olhar silencioso
o fio das suas lágrimas
e regressam, as mulheres
regressam com o vento nas sandálias
as mulheres que vêm com o medo
mas com os cabelos como os ramos
perfumados de alegria.
7/4/2012
senão o túmulo vazio
e dois anjos a arrumarem a casa
vazia para sempre
sem nada sobre o que derramar o seu incenso
as mulheres
recém chegadas ao sepulcro
vão gastar os olhos na vigília
as mulheres sem um corpo onde encostar
o seu olhar silencioso
o fio das suas lágrimas
e regressam, as mulheres
regressam com o vento nas sandálias
as mulheres que vêm com o medo
mas com os cabelos como os ramos
perfumados de alegria.
7/4/2012
segunda-feira, abril 02, 2012
VINTAGE
O corpo é um espanto na brancura
nu
o olhar se eleva à divindade da matéria
Nos anos vinte a nudez
era a da carne por baixo dos vestidos
e um subtil ardor nos olhos e na boca
um pasmo a espremer um Oh!
Escondido dos olhares
tudo se passava além do vidro.
1/4/2012
"Vintage", fotografia de Robert Doisneau
domingo, abril 01, 2012
terça-feira, março 27, 2012
OUTRA JERUSALÉM
“Construam casas para nelas habitarem; plantem hortas e comam do seu fruto.”
Jeremias 29:5
disseram-nos
que construíssemos casas
e as adornássemos de pomares
a toda a volta da nossa vista
aí, dia a dia, faríamos amor
até bisnetos nos nascerem
disseram-nos
que nessa terra ao plantarmos hortas
colheríamos paz, que muros
não haveria que estancassem
os nossos sonhos
nem o flagelo da fome nos puniria
e assim fizemos:
mesmo embutidos entre os rios
toda a terra
é outra Jerusalém
Poema inédito de Rui Miguel Duarte
Jeremias 29:5
disseram-nos
que construíssemos casas
e as adornássemos de pomares
a toda a volta da nossa vista
aí, dia a dia, faríamos amor
até bisnetos nos nascerem
disseram-nos
que nessa terra ao plantarmos hortas
colheríamos paz, que muros
não haveria que estancassem
os nossos sonhos
nem o flagelo da fome nos puniria
e assim fizemos:
mesmo embutidos entre os rios
toda a terra
é outra Jerusalém
Poema inédito de Rui Miguel Duarte
sábado, março 24, 2012
“DIRTY REALISM”: UM PARADIGMA
In English dictionary: “a style of writing, originating in the US in the 1980s, which depicts in great detail the seamier or more mundane aspects of ordinary life” |
Um movimento literário, como tantos outros que enriqueceram esteticamente a Europa. Todavia, este é originário dos Estados Unidos, da década de 80, e também poderia ser da de 40, no Brasil, com o poema-chave da nova poética de Manuel Bandeira: “Vou lançar a teoria do poeta sórdido”.
E ultrapassa os objectivos da Beat-Generation, que face ao “Dirty Realism” era um movimento de anjos pela estrada fora, embora os anjos não façam literatura, remetem-se apenas, celestialmente, a cantar o milagre celeste dos Salmos. O Realismo Sujo capta inocentes e culpados. Nesta escrita, poética ou em prosa, a narrativa é despida até ao osso. Bandeira antecipou e definiu bem, escrevendo que o poeta sórdido é “aquele em cuja poesia há a marca suja da vida”.
Às vezes, quase sempre, não são os autores que nomeiam o seu movimento, em regra têm sido os jornalistas ( como o Impressionismo assim foi, em 1870). O editor da revista sobre a escrita nova, Granta, Bill Buford baptizou o movimento, como literatura em que a narrativa é despojada de suas características fundamentais.
O Dirty realism nos Estados Unidos reuniu autores como Raimond Carver e Charles Bukowsky, teve mesmo ancestrais próximos como Ernest Hemingway e Henry Miller, sobretudo a prosa despojada, sem receio da crítica da moral, do autor do “Trópico de Câncer”.
A técnica usada, resume-se a utilizar uma escrita na qual se iluminam sobretudo coisas que não se dizem em público. Sobrepõe-se também às regras prescritivas na gramática. Com a economia de palavras. Minimalista. Usa a mecânica de sublinhar a vida, que pode ser o fato branco onde cai uma nódoa. Que quase sempre é assim.
Realismo sujo é a ficção na qual se escreve o que ocorre na voracidade da vida contemporânea - um marido abandonado, uma mãe solteira, um ladrão de carros, um carteirista, um viciado em drogas - mas escreve-se sobre tudo isso com distanciamento perturbador, às vezes beirando a comédia- dizia, na introdução histórica do movimento, a revista Granta.
Alguns dos autores do movimento, esconderam-se atrás das suas personagens. Paradigmaticamente, o poeta Charles Bukowski. Em alemão, a isto chamava-se Maskenfreiheit, a liberdade conferida pelas máscaras. Ezra Pound, muito antes, chamou-lhes Personae.
Dois excertos do poema “Noite Imbecil” e “Pássaro Azul”, de Bukowski,
noite imbecil,
(...)
o dia foi um contínuo inferno
e agora vens
arrastando-te pelos canos
esvaziando a bexiga
por onde vais,
bebi 9 garrafas de cerveja
uma caneca de vodka
fumei 18 cigarros
e ainda te sentas em cima de mim
---------
Há um pássaro azul no meu coração que
quer sair
mas deito-lhe whisky em cima e levo
-lhe o fumo dos cigarros,
e as prostitutas e os criados
(...)nunca ficam a saber
que ele está lá dentro
Aqui estão presentes, em detalhe, descrições numa linha semântica de objectos do quotidiano nos seus aspectos “mais sórdidos ou mundanos da vida comum” - como define o dicionário.
(Traduções dos poemas da versão castelhana )
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