A Poesia é o assunto do Poema - Wallace Stevens . Este Blog não respeita o Acordo Ortográfico.
terça-feira, dezembro 30, 2008
Ezra Pound, Pedro e Inês
CANTO XXX (Excerto)
Time is the evil. Evil.
A day, and a day
Walked the young Pedro baffled,
a day, and a day
After Ignez was murdered.
Came the Lords in Lisboa
a day, and a day
In homage. Seated there
dead eyes,
Dead hair under crown,
The King still young there beside her.
CANTO XXX
O tempo é o mal. Mal.
Um dia, e um dia
Andava desorientado o jovem Pedro,
um dia, e um dia
Depois de Inês ser morta.
Chegam de Lisboa os Nobres
um dia, e um dia
Em homenagens. Sentada ali
olhos mortos,
Cabelo morto sob a coroa,
E lá o Rei ainda jovem a seu lado.
(Trad.J.T.Parreira)
sexta-feira, dezembro 26, 2008
Harold Pinter, 10/10/1930 — 24/12/2008
A Poesia de Pôr em Cena de Harold Pinter
A obra poética de Pinter, de reduzida dimensão, mistura a dramaticidade com a fala coloquial, quase sem importância, mas com amplos e profundos significados. Diria, quase que esticando um pouco a corda da análise pessoal, que alguns dos seus poemas são em si mesmos trechos de material que se pode encenar. Alguém comentou já que a sua poesia não é poesia, no sentido que atribuímos a esse artefacto literário que é o poema. Essa afirmação não poderá ser tida como definitiva.
A poesia de Harold Pinter carrega em si a mensagem que reflecte um mundo ameaçador e violento, feito das contradições da nossa sociedade e da natureza humana. Como afinal acontece na sua obra dramatúrgica, fazendo da mesma uma das mais importantes do século XX, a meio caminho entre o teatro poético, na poesia da vida quotidiana, e o teatro do absurdo. Pinter não teve de facto as suas personagens à espera de Godot, as suas personagens não esperam nada, o fundamental das mesmas, são as falas sem nenhum significado dos actores. O que nos parece poder intuir-se, salvo melhor opinião, na mediatizada fala de duas personagens, marido e mulher, de uma das suas peças. O marido que pergunta à mulher o que toma, que bebida quer tomar:
-Somos casados há dez anos- responde ela, e apenas isso.
A poesia, alguma poesia de Pinter, também abre várias perspectivas para outros tantos caminhos, apesar de algum laconismo. São poemas para descobrir também os ambientes fechados. Pinter faz com que os poucos poemas que escreveu, comparativamente às suas peças, e tal como estas, revelem o abismo que existe nas conversas ôcas das personagens, nos espaços mais variados das relações humanas em sociedade ou no interior da home. A sua poesia é também «pinteresque», aparentemente usa a língua sem nada comunicar. Mas é o que nos parece... É paradigmático, este já nosso conhecido poema:
Restaurante
Não, você está errado.
Todos são tão belos
como podem possivelmente ser
Particularmente ao almoço
no restaurante que ri
Todos são tão belos
como podem possivelmente ser
e são movidos
pela sua própria beleza
e derramam lágrimas por isso
no fundo do taxi para casa.
(Textos já publicados aqui em Dezº 2006)
To My Wife
I was dead and now I live
You took my hand
I blindly died
You took my hand
You watched me die
And found my life
You were my life
When I was dead
You are my life
And so I live
Harold Pinter
June 2004
A obra poética de Pinter, de reduzida dimensão, mistura a dramaticidade com a fala coloquial, quase sem importância, mas com amplos e profundos significados. Diria, quase que esticando um pouco a corda da análise pessoal, que alguns dos seus poemas são em si mesmos trechos de material que se pode encenar. Alguém comentou já que a sua poesia não é poesia, no sentido que atribuímos a esse artefacto literário que é o poema. Essa afirmação não poderá ser tida como definitiva.
A poesia de Harold Pinter carrega em si a mensagem que reflecte um mundo ameaçador e violento, feito das contradições da nossa sociedade e da natureza humana. Como afinal acontece na sua obra dramatúrgica, fazendo da mesma uma das mais importantes do século XX, a meio caminho entre o teatro poético, na poesia da vida quotidiana, e o teatro do absurdo. Pinter não teve de facto as suas personagens à espera de Godot, as suas personagens não esperam nada, o fundamental das mesmas, são as falas sem nenhum significado dos actores. O que nos parece poder intuir-se, salvo melhor opinião, na mediatizada fala de duas personagens, marido e mulher, de uma das suas peças. O marido que pergunta à mulher o que toma, que bebida quer tomar:
-Somos casados há dez anos- responde ela, e apenas isso.
A poesia, alguma poesia de Pinter, também abre várias perspectivas para outros tantos caminhos, apesar de algum laconismo. São poemas para descobrir também os ambientes fechados. Pinter faz com que os poucos poemas que escreveu, comparativamente às suas peças, e tal como estas, revelem o abismo que existe nas conversas ôcas das personagens, nos espaços mais variados das relações humanas em sociedade ou no interior da home. A sua poesia é também «pinteresque», aparentemente usa a língua sem nada comunicar. Mas é o que nos parece... É paradigmático, este já nosso conhecido poema:
Restaurante
Não, você está errado.
Todos são tão belos
como podem possivelmente ser
Particularmente ao almoço
no restaurante que ri
Todos são tão belos
como podem possivelmente ser
e são movidos
pela sua própria beleza
e derramam lágrimas por isso
no fundo do taxi para casa.
(Textos já publicados aqui em Dezº 2006)
To My Wife
I was dead and now I live
You took my hand
I blindly died
You took my hand
You watched me die
And found my life
You were my life
When I was dead
You are my life
And so I live
Harold Pinter
June 2004
quinta-feira, dezembro 25, 2008
A Festa
Só o boi e o jumento comparecem.
E os anjos em multidão
já não desferem o cântico
- que é o céu caindo na noite.
Na grande hospedaria do azul,
no mundo, ou apenas em metade
do mundo, as manjedouras dormem
vazias.
As mãos dos homens sentem
o que faz o coração, fecham
as janelas de Belém
uma vez mais sobre os ruídos.
Sobre quem passa preso à vida.
1992
segunda-feira, dezembro 22, 2008
Uma poesia de Adrian Mitchell
Beatriz tem três anos
No alto da escada
Peço-lhe a mão. Sim.
Dá-me a mão.
Escondo-a até ao pulso
Com a minha palma,
Um pequeno volume consolador.
Tomamos todo o tempo
Para descer a íngreme
escada alcatifada
Desejando eu em silêncio
Que a escada não tenha fim.
(Traduzida da Revista Prometeo, Medellín, 2001, por JTP)
No alto da escada
Peço-lhe a mão. Sim.
Dá-me a mão.
Escondo-a até ao pulso
Com a minha palma,
Um pequeno volume consolador.
Tomamos todo o tempo
Para descer a íngreme
escada alcatifada
Desejando eu em silêncio
Que a escada não tenha fim.
(Traduzida da Revista Prometeo, Medellín, 2001, por JTP)
domingo, dezembro 21, 2008
Morreu o poeta inglês Adrian Mitchell
O poeta Adrian Mitchell, cujas obras sobre guerra nuclear, Vietname e racismo eram cantadas em manifestações da esquerda, morreu aos 76 anos de idade, informou a AP.
To Whom It May Concern
I was run over by the truth one day.
Ever since the accident I've walked this way
So stick my legs in plaster
Tell me lies about Vietnam.
Heard the alarm clock screaming with pain,
Couldn't find myself so I went back to sleep again
So fill my ears with silver
Stick my legs in plaster
Tell me lies about Vietnam.
(Excerto)
quinta-feira, dezembro 18, 2008
O Cão de Ulisses
terça-feira, dezembro 16, 2008
Colored
domingo, dezembro 14, 2008
O Salmo dos Degraus
Eu vejo-os pelos ombros, cordeiros
atados nas cordas da mudez.
Aguardam a sonolência da morte.
Vão pelas sombras, curvando
a solidão nas suas costas,
sobem não tendo horizontes
senão as nuvens,
não têm poços, nem estrelas
como orvalho que entretece o céu.
Os caminhantes percorrendo os montes
tenho-os visto, pequenos
orifícios nos sapatos
que pisam caminhos sem regresso.
12/12/2008
quinta-feira, dezembro 11, 2008
1922 do nascimento da Literatura da Existência
A segunda década do século XX começaria fragmentada. «Quais são as raízes que estão presas, que ramos crescem\ Neste amontoado de pedras?» perguntava o poeta T.S.Eliot no poema dramático «TERRA SEM VIDA», que, dizem alguns, teria sido originalmente pensado como obra teatral e acabou por ser escrito como uma collage poética; e outros que se trata do mais famoso dos poemas modernos, editado em 1922.
A Primeira Guerra Mundial terminara em 11 de Novembro de 1918, as ruínas da velha Europa foram herdadas e entraram pela nova ainda algum tempo depois.
O grande poema de 433 versos de Eliot é a visão do mítico Tirésias, um velho cego, que vê e nos ensina a ver o passado e o futuro no pensamento, na imaginação, misturando memória e desejo.
Era «Um monte de imagens quebradas, onde o sol bate », a imagem que a Europa oferecia ao filho do homem do fim da primeira década do século XX.
Multidões caminhando em círculo, diz o poeta no verso 55º, é bem a imagem da desorientação do homem num mundo em ruínas, ruínas da moral, do que é suposto ser verdade, das relações, ruínas que são o amálgama religioso com os seus sincretismos, de ontem e de hoje. O poeta precisa a visão dessa multidão de homens: «Uma multidão fluia sobre a Ponte de Londres, tantos, \ Eu não pensava que a morte tivesse destruído tantos.» A Bíblia Sagrada desde a Queda apontou esse tipo de morte na humanidade, homens mortos espiritual e psicologicamente. E tanto o pós-guerra da I como o da II Guerra Mundial, nos apresenta no quotidiano essa humanidade sobrevivente, solitária e «demente» à procura de razões e de valores, em demanda de si própria.
Passadas já mais de oito décadas, causas e feitos continuam as mesmas, sendo que hoje a recusa ao divino e aos valores espirituais, éticos e morais, assumiram moderníssimas e sofisticadas formas.
O SEGUNDO TÍTULO, «ANABASE»
O título desta obra poética de Saint-John Perse, publicada em 1922, é uma palavra grega que em síntese significa «expedição para o interior», ou que se associa a escalada até ao imo de algum lugar.
Este poema inteiriço e disposto em 10 partes é uma peregrinação a partir do mar, das origens, para dentro do próprio homem, do seu entendimento como humanidade. É a arquitectura do ser humano a partir do chão, do solo, onde se fundou. «Estabelecendo-me com honra sobre três grandes estações, auguro bem do solo onde fundei a minha lei », desde o início nos confere, quanto a nós, a dimensão dos primeiros passos do homem na terra, até à sublimidade do projecto para que o homem fora criado, em qualquer circunstância, para viver e se espalhar:
«Homens, gente de poeira e de qualquer figura, gente de negócio e de lazer (...) gente dos vales e dos planaltos e dos mais altos declives deste mundo(...) farejam indícios, sementes e confessam desalentos a oeste; seguem pistas, estações, erguem tendas no vento leve da aurora; ó prospectores de pontos d|água na crosta do mundo(...).
O mundo e a peregrinação do homem, a sua escalada da base de uma solidão afastada do divino por incorrer na desobediência e no primeiro pecado, no Éden, para onde? O início das primeiras ruínas a partir do assassínio de Abel, é o que podemos entrever neste poema como o lugar atingido. Tal peregrinção é, contudo, uma belíssima tentativa não lograda de alcançar um lugar onde o sol esteja mais perto. «Depois de tanto tempo a caminharmos para oeste » o que é que o homem do século XX conseguiu?
ELEGIAS DE DUINO, RAINER MARIA RILKE
Os motivos condutores, como se diz, da obra poética de Rilke, «o último dos poetas imortais», são Deus e a Morte. Estas duas matrizes continuam a revelar-se nas Elegias, que o poeta de expressão alemã compôs no castelo de Duíno, perto de Trieste, sobre o mar Adriático, e revelam-se como em imagens presas que trazia em si há muito, e que a hecatombe da I Guerra Mundial, principalmente, terá feito eclodir em poesia que atingiu o estatuto de mítica. Iniciado em 1910 e completado também em 1922, o conjunto das Elegias repete o canto preocupado do escritor. Publica as suas elegias três anos antes de morrer com leucemia, em 1926.
«Que fazes tu, poeta? Diz! - Eu canto | Mas o mortal e monstruoso espanto | Como o suportas, como aceitas? - Canto.» (Trad. Jorge de Sena )
Clamor solitário ante a hecatombe, como alguém escreveu, os seus poemas a partir daquela data afastam-se, perceptivelmente, do Deus da Bíblia Sagrada, sobre o Qual tão bem canta nos poemas de anos muito anteriores, de antes da Guerra.
Estes são meditações religiosas nas quais se harmonizam um catolicismo do sul, por ser de cultura austríaca, e um protestantismo de Alemanha do Norte, ambos no entanto com uma visão sobre Deus. «Só quando desdobram as asas| é que despertam qualquer vento: | Como se Deus, com as suas largas | mãos de estatuário, passasse | as folhas do escuro Livro do Princípio ». (do poema Os Anjos, trad. Prof.Paulo Quintela) ou do «Livro de Horas» (1902): «ETERNO, a mim vieste revelar-Te.|(...)| Leio então novas de ti: o Evangelista | escreve por toda a parte da tua eternidade.»
As Elegias são, na verdade, de outro lugar, são um espelho interior partido porque reflecte a realidade que o poeta observou. Pedaços de espelho que reflectem, afinal, com estética e com alguma crueza, todos os momentos do real, espaços, mulheres, homens, anjos. Um dos versos mais profundos da primeira elegia, exprime isso, e torna-se mesmo uma dicotomia ligando o belo e o terrível: «o belo apenas é o começo do terrível ».
«ULYSSES», DE JAMES JOYCE, 8OO PÁGINAS DE UMA VISÃO
Escorado numa ficção que recorre aos dias e trabalhos de Ulisses e de outras personagens da Odisseia, de Homero, em pé sobre as mesmas ruínas dos primeiros vinte anos do século XX, James Joyce escreve uma admirável, polémica e, por vezes, impenetrável obra literária, que o ano de 1922 vê à luz enevoada e fria de Fevereiro em Paris, onde o escritor então se radicou. Ulysses é, talvez, a única e verdadeira obra total do século passado, pois abarca o poema, o drama, a comédia, o ensaio, o sermão, a ópera. O mundo pôde ver-se aí retratado, desde as ruínas da I Guerra que deixou a Europa viúva (1917) até ao começo dos anos vinte frivolos e fáceis (1921), datas entre as quais o livro foi escrito.
No entanto, Ulysses nada tem a ver com essa terrível guerra, o seu leitmotiv e suas alusões às ruínas da Europa são outras.
Desde logo as ruínas da hipocrisia anglo-saxónica - o livro foi proibido por ser alegadamente pornográfico. Depois, uma alusão a ruínas de um relacionamento, o do confronto de duas raças que já prosseguia na Europa, a raça judia ( do protagonista Leopold Bloom ) e os europeus. Finalmente, ruinas ocultas na aparente inocência de um dia como outro qualquer dia, um dia vulgar - o dia 16 de Junho de... 1904; o jornal de Dublin, The Irish Times, desse dia anunciava, na realidade, coisas diversas: notícias sobre a guerra Rússia-Japão; a agitação do mercado bolsista na América por causa do aumento de capital de uma grande empresa, a Southern Pacific; 500 pessoas, principalmente crianças, que morreram num incêndio a bordo de um barco a vapor nas águas do East River, no porto de Nova Iorque; um julgamento mediático do crime de adulteração de leite; etc.
Mas é no decurso de um dia semelhante ao mais vulgar dos dias, que a vida de um homem e de uma cidade se desenrola, sem desgraças nem eventos excepcionais, numa profecia dos tempos cinzentos, da apatia e do tédio com a Europa entorpecida a preparar as verdadeiras ruínas da I Guerra e, depois, os anos em que os ovos da serpente do bolchevismo, do fascismo e do nazismo iriam ser postos a chocar. No entanto a volumosa e invulgar obra, do ponto de vista da narrativa convencional, foi escrita na Europa Continental entre 1914 e 1921. James Joyce agarrou a Odisseia de Homero e modernizou-a e deu às suas personagens uma cidade do mundo real, Dublin, que está, como se sabe, numa ilha.
EPÍLOGO
Vastos territórios da literatura da existência, como alguém lhes chamou, estas quatro obras publicadas entre os despojos do mundo saído de uma grande guerra terrível, em 1922 lançaram as bases para o homem se pensar a si próprio, mas não desligado do divino, ainda que a gramática da escrita e do pensamento pudesse indiciar o contrário, isto é, um ateísmo por princípio, que não foi o caso, felizmente para a grande literatura do século XX.
Ano de publicações-chave para a literatura mundial com a qual se contribuiu para uma análise do homem e visão do mundo, do ano de 1922 bem se pode dizer, fazendo côro com T.S.Eliot, que com estes fragmentos de beleza escoramos nossas ruínas. Ainda que para novas ruínas.
A Primeira Guerra Mundial terminara em 11 de Novembro de 1918, as ruínas da velha Europa foram herdadas e entraram pela nova ainda algum tempo depois.
O grande poema de 433 versos de Eliot é a visão do mítico Tirésias, um velho cego, que vê e nos ensina a ver o passado e o futuro no pensamento, na imaginação, misturando memória e desejo.
Era «Um monte de imagens quebradas, onde o sol bate », a imagem que a Europa oferecia ao filho do homem do fim da primeira década do século XX.
Multidões caminhando em círculo, diz o poeta no verso 55º, é bem a imagem da desorientação do homem num mundo em ruínas, ruínas da moral, do que é suposto ser verdade, das relações, ruínas que são o amálgama religioso com os seus sincretismos, de ontem e de hoje. O poeta precisa a visão dessa multidão de homens: «Uma multidão fluia sobre a Ponte de Londres, tantos, \ Eu não pensava que a morte tivesse destruído tantos.» A Bíblia Sagrada desde a Queda apontou esse tipo de morte na humanidade, homens mortos espiritual e psicologicamente. E tanto o pós-guerra da I como o da II Guerra Mundial, nos apresenta no quotidiano essa humanidade sobrevivente, solitária e «demente» à procura de razões e de valores, em demanda de si própria.
Passadas já mais de oito décadas, causas e feitos continuam as mesmas, sendo que hoje a recusa ao divino e aos valores espirituais, éticos e morais, assumiram moderníssimas e sofisticadas formas.
O SEGUNDO TÍTULO, «ANABASE»
O título desta obra poética de Saint-John Perse, publicada em 1922, é uma palavra grega que em síntese significa «expedição para o interior», ou que se associa a escalada até ao imo de algum lugar.
Este poema inteiriço e disposto em 10 partes é uma peregrinação a partir do mar, das origens, para dentro do próprio homem, do seu entendimento como humanidade. É a arquitectura do ser humano a partir do chão, do solo, onde se fundou. «Estabelecendo-me com honra sobre três grandes estações, auguro bem do solo onde fundei a minha lei », desde o início nos confere, quanto a nós, a dimensão dos primeiros passos do homem na terra, até à sublimidade do projecto para que o homem fora criado, em qualquer circunstância, para viver e se espalhar:
«Homens, gente de poeira e de qualquer figura, gente de negócio e de lazer (...) gente dos vales e dos planaltos e dos mais altos declives deste mundo(...) farejam indícios, sementes e confessam desalentos a oeste; seguem pistas, estações, erguem tendas no vento leve da aurora; ó prospectores de pontos d|água na crosta do mundo(...).
O mundo e a peregrinação do homem, a sua escalada da base de uma solidão afastada do divino por incorrer na desobediência e no primeiro pecado, no Éden, para onde? O início das primeiras ruínas a partir do assassínio de Abel, é o que podemos entrever neste poema como o lugar atingido. Tal peregrinção é, contudo, uma belíssima tentativa não lograda de alcançar um lugar onde o sol esteja mais perto. «Depois de tanto tempo a caminharmos para oeste » o que é que o homem do século XX conseguiu?
ELEGIAS DE DUINO, RAINER MARIA RILKE
Os motivos condutores, como se diz, da obra poética de Rilke, «o último dos poetas imortais», são Deus e a Morte. Estas duas matrizes continuam a revelar-se nas Elegias, que o poeta de expressão alemã compôs no castelo de Duíno, perto de Trieste, sobre o mar Adriático, e revelam-se como em imagens presas que trazia em si há muito, e que a hecatombe da I Guerra Mundial, principalmente, terá feito eclodir em poesia que atingiu o estatuto de mítica. Iniciado em 1910 e completado também em 1922, o conjunto das Elegias repete o canto preocupado do escritor. Publica as suas elegias três anos antes de morrer com leucemia, em 1926.
«Que fazes tu, poeta? Diz! - Eu canto | Mas o mortal e monstruoso espanto | Como o suportas, como aceitas? - Canto.» (Trad. Jorge de Sena )
Clamor solitário ante a hecatombe, como alguém escreveu, os seus poemas a partir daquela data afastam-se, perceptivelmente, do Deus da Bíblia Sagrada, sobre o Qual tão bem canta nos poemas de anos muito anteriores, de antes da Guerra.
Estes são meditações religiosas nas quais se harmonizam um catolicismo do sul, por ser de cultura austríaca, e um protestantismo de Alemanha do Norte, ambos no entanto com uma visão sobre Deus. «Só quando desdobram as asas| é que despertam qualquer vento: | Como se Deus, com as suas largas | mãos de estatuário, passasse | as folhas do escuro Livro do Princípio ». (do poema Os Anjos, trad. Prof.Paulo Quintela) ou do «Livro de Horas» (1902): «ETERNO, a mim vieste revelar-Te.|(...)| Leio então novas de ti: o Evangelista | escreve por toda a parte da tua eternidade.»
As Elegias são, na verdade, de outro lugar, são um espelho interior partido porque reflecte a realidade que o poeta observou. Pedaços de espelho que reflectem, afinal, com estética e com alguma crueza, todos os momentos do real, espaços, mulheres, homens, anjos. Um dos versos mais profundos da primeira elegia, exprime isso, e torna-se mesmo uma dicotomia ligando o belo e o terrível: «o belo apenas é o começo do terrível ».
«ULYSSES», DE JAMES JOYCE, 8OO PÁGINAS DE UMA VISÃO
Escorado numa ficção que recorre aos dias e trabalhos de Ulisses e de outras personagens da Odisseia, de Homero, em pé sobre as mesmas ruínas dos primeiros vinte anos do século XX, James Joyce escreve uma admirável, polémica e, por vezes, impenetrável obra literária, que o ano de 1922 vê à luz enevoada e fria de Fevereiro em Paris, onde o escritor então se radicou. Ulysses é, talvez, a única e verdadeira obra total do século passado, pois abarca o poema, o drama, a comédia, o ensaio, o sermão, a ópera. O mundo pôde ver-se aí retratado, desde as ruínas da I Guerra que deixou a Europa viúva (1917) até ao começo dos anos vinte frivolos e fáceis (1921), datas entre as quais o livro foi escrito.
No entanto, Ulysses nada tem a ver com essa terrível guerra, o seu leitmotiv e suas alusões às ruínas da Europa são outras.
Desde logo as ruínas da hipocrisia anglo-saxónica - o livro foi proibido por ser alegadamente pornográfico. Depois, uma alusão a ruínas de um relacionamento, o do confronto de duas raças que já prosseguia na Europa, a raça judia ( do protagonista Leopold Bloom ) e os europeus. Finalmente, ruinas ocultas na aparente inocência de um dia como outro qualquer dia, um dia vulgar - o dia 16 de Junho de... 1904; o jornal de Dublin, The Irish Times, desse dia anunciava, na realidade, coisas diversas: notícias sobre a guerra Rússia-Japão; a agitação do mercado bolsista na América por causa do aumento de capital de uma grande empresa, a Southern Pacific; 500 pessoas, principalmente crianças, que morreram num incêndio a bordo de um barco a vapor nas águas do East River, no porto de Nova Iorque; um julgamento mediático do crime de adulteração de leite; etc.
Mas é no decurso de um dia semelhante ao mais vulgar dos dias, que a vida de um homem e de uma cidade se desenrola, sem desgraças nem eventos excepcionais, numa profecia dos tempos cinzentos, da apatia e do tédio com a Europa entorpecida a preparar as verdadeiras ruínas da I Guerra e, depois, os anos em que os ovos da serpente do bolchevismo, do fascismo e do nazismo iriam ser postos a chocar. No entanto a volumosa e invulgar obra, do ponto de vista da narrativa convencional, foi escrita na Europa Continental entre 1914 e 1921. James Joyce agarrou a Odisseia de Homero e modernizou-a e deu às suas personagens uma cidade do mundo real, Dublin, que está, como se sabe, numa ilha.
EPÍLOGO
Vastos territórios da literatura da existência, como alguém lhes chamou, estas quatro obras publicadas entre os despojos do mundo saído de uma grande guerra terrível, em 1922 lançaram as bases para o homem se pensar a si próprio, mas não desligado do divino, ainda que a gramática da escrita e do pensamento pudesse indiciar o contrário, isto é, um ateísmo por princípio, que não foi o caso, felizmente para a grande literatura do século XX.
Ano de publicações-chave para a literatura mundial com a qual se contribuiu para uma análise do homem e visão do mundo, do ano de 1922 bem se pode dizer, fazendo côro com T.S.Eliot, que com estes fragmentos de beleza escoramos nossas ruínas. Ainda que para novas ruínas.
terça-feira, dezembro 09, 2008
Equivocou-se a pomba
Se equivocó la paloma.
Por ir al norte, fue al sur.
Rafael Alberti
Em círculos brancos,
reflectiu-se na água, voava
a pomba equivocada ,
o seu beiral , o seu balcão,
são agora
o largo mar,
entre o sul e o norte,
no círculo de lume, o sol
a ofuscava.
Se equivocava a pomba
de girassol, voava perto
aquecendo as asas.
8/12/2008
segunda-feira, dezembro 08, 2008
Exercício de escrita
Devo rever os versos
pede-me o mar no corpo
a morrer.
Porque são pobres
os livros junto à boca
nada dizem sobre a árvore
que dentro de mim avança.
Este dia é preciso, como exercício
de paciência,
de outro modo não acharei o voo
certeiro
límpido e veloz
que falta para o som
da mudança.
(Rosa Maria Oliveira)
Poema do livro da autora, O Voo da Enxada, edição da Junta de Freguesia de Vera-Cruz, Aveiro, 2004, pp. 12.
pede-me o mar no corpo
a morrer.
Porque são pobres
os livros junto à boca
nada dizem sobre a árvore
que dentro de mim avança.
Este dia é preciso, como exercício
de paciência,
de outro modo não acharei o voo
certeiro
límpido e veloz
que falta para o som
da mudança.
(Rosa Maria Oliveira)
Poema do livro da autora, O Voo da Enxada, edição da Junta de Freguesia de Vera-Cruz, Aveiro, 2004, pp. 12.
domingo, dezembro 07, 2008
Penélope
Não embarcaste nas naus
de sólida madeira.
Nem foste à fortaleza
de Tróia,
ficaste em casa a dobar
o tempo e a fiar
a malha suave que teu corpo
guarda,
virtuosa rocha de Ítaca.
E puseste véus brilhantes
para esconder nos olhos
a lágrima brilhante
das saudades,
pensavas que em Tróia perdeu
Ulisses
a nave do regresso.
terça-feira, dezembro 02, 2008
A Casa no deserto
A casa estava assim, anos
a fio como o deserto, dançava
nas miragens do sol derramado
às vezes brancura, outras vezes
areia, alguém chamava de longe
depois de meses ao sabor das dunas
alguém erguia os olhos
entre véus de vento, a casa
estava no meio das tempestades
das estrelas, assim nua
e desejada.
(Depois de ler Le Clézio, 11/2008)
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