segunda-feira, julho 31, 2006

Um pequena luz na bruma

Uma pequena luz serena
nítida, contida
num círculo claro,
ao fundo
deste tubo que é
a nossa dor redonda,
brilha, sobre o negrume
do abismo
salvamo-nos
pela firmeza dessa luz?
Quantos olhares
ainda teremos que gastar
até nossas retinas descansarem
na luz que não vacila,
brilha e ilumina?
Um pequeno espaço ao fundo
no extremo
da nossa agitação
no final para a serenidade.
Aí, onde tudo bate
nessa pequena luz ao fundo
que segura o nosso olhar.

20-7-2006

sábado, julho 29, 2006

Email recibido hoje da poeta Virna Teixeira

A propósito da nossa tradução, em dueto, do poema Confession de Charles Bukowski, publicado pela Virna no seu www.papelderascunho.net

Bloco de textojoão,

publiquei no blog, e me estimulou para um duelo, ou dueto.
gostaria de um tempo bônus, pois tenho trabalhado demais e não tenho conseguido conciliar minhas atividades e o blog. mas tenho participado de alguns eventos literários por aqui, é um bom retorno.
gostei muito da sua versão para este poema, umas das traduções mais interessantes que você fez.

um abraço,

virna

sexta-feira, julho 28, 2006

Os Cafés Literários inventados na escrita


«Estou no café mais medonho que tenho encontrado na minha vida », escrevia de Paris, em 1949, António Maria Lisboa. Os destinatários eram alguns dos mais destacados poetas surrealistas da década, Cesariny, Pedro Oom, Cruzeiro Seixas.

A correspondência entre o poeta surrealista AML e os seus amigos, do grupo apelidado de «guerrilhas surrealistas», passava a palavra pelos cafés reencontrados, na escrita literária, em Lisboa ou em Paris.«Estou no café mais medonho...», e o poeta referia-se ao café Dupon ( «ou tout est bon», o café pelo menos não presta, a cerveja é fraca- dizia Lisboa ), utilizando a ironia como um dos aspectos referenciais do surrealismo.

Os cafés estiveram sempre presentes nas obras de muitos escritores, como local de encontro para uma tertúlia literária, como espaço de criação em que a solitùdine se faz rodear do cosmopolitismo.

Há mesmo cafés que pertecem, na Europa, à História da Literatura dos séculos XIX e XX, o Antico Café Greco, em Roma, o Le Flore, em Paris, talvez os mais conhecidos. Outros, porventura, menos falados, a não ser na própria Poesia: no Café Glorieta de Bilbao se sentava o poeta espanhol Antonio Machado.

Mário de Sá-Carneiro ao escrever um poema sobre as horas - o fluir do tempo- nos Cafés e sobre o próprio mobiliário, particular e único-a mesa do café-, apreciou esse espaço por inteiro. E escreveu versos imortais na literatura portuguesa, sobre a posse dessa sua mesa no Café tão subsidiária da vida. Quadra tão misteriosa, na sua aparente clareza, como os próprios veludos e cetins que o mármore por vezes exibe, com o seu frio colorido...

Minha mesa no Café,

Quero-lhe tanto... A garrida

Toda de pedra brunida

Que linda e que fresca é !

Fernando Pessoa também esperava a vida nos cafés. Numa carta dirigida a Armando Cortês-Rodrigues, em 28-6-1914, construída na sua essencialidade epistolar sobre floreados, ironias, classicismo, e até sobre ideias espíritas, dirigindo-se ao seu destinatário como «Irmão em Além», o Poeta pede ao interlocutor que venha com «a sua presença carnal- sem prolongamento gesticulante de bengala agressiva - à vil cova ou jazigo de utilidades e propósitos artísticos que dá pelo nome humano de Brasileira do Chiado».

Cafés de Lisboa, mais modernos, serviram no final da década de 40 do século passado como um palco para «perfomances» apreciáveis, já em pleno Neo-Realismo. Nas cartas mencionadas do poeta António Maria Lisboa, são referidas duas ou três Pastelarias (ou Cafés) da capital, sendo mesmo revisitadas não só como «material» epistolar, mas sobretudo como tendo sido historicamente ponto de encontro de uma Cultura, melhor uma Contra-Cultura, e de um labor intelectual.Nesses espaços, os escritores trocavam experiências, permutavam volumes, corrigiam provas e trovas, cumpriam palavras dadas.

Vou na terça-feira a Lisboa. Não posso ir mais cedo do que as 5 horas estar contigo e o Pedro Oom. Portanto às 5 horas da tarde estou na Mexicana.

Vou amanhã sábado a Lisboa. Só hoje me apetece escrever. Em algumas coisas cheguei a sínteses engraçadas. Estou no Café Chiado às 2,30 horas da tarde. Se não te encontrar estou na Smarta.

Muito do que a nossa História da Literatura do século XX regista, foi criado à mesa do café, fora das torres de marfim.

Bom fim de semana!

quarta-feira, julho 26, 2006

Um rio chamado tristeza


Narciso, a partir de Caravaggio
Ramiro Sacco, (1979-), Buenos Aires


Um rio chamado tristeza

Na margem sentado, molho os pés
na tristeza

as águas turvam
o meu reflexo

-eu estampado
na seda das águas? recolho,
com o copo
das mãos,

a espuma
do meu rosto.

25-7-2006

segunda-feira, julho 24, 2006

Culinária

Bolo de limão

Minha oração era em volta da pia,
os filhos sentados nas banquetas brancas.
Não sou hábil com bolo, nem com Deus,
mas Ele estava ali, num fim de tarde,
em meio às raspas de limão.

in Máquina do Mundo

(Débora Tavares, poeta brasileira)

sábado, julho 22, 2006

Palavras de Ouro, poesia dita por Luis Gaspar

Palavras de Ouro 53

Neste programa, voltamos, a pedido, às lendas de povos antigos e recordamos palavras de ouro de dois poetas: J.T. Parreira e Jorge Sousa Braga.A música que acompanha a lenda é, como sempre, de Luís Pedro Fonseca e a que ilustra a poesia do “magnatune.com”.

Faça o download do MP3 (21:51min, 20MB)

sexta-feira, julho 21, 2006

Confissão / Confession

Confissão

À espera da morte
como um gato
que vai saltar na
cama

estou muito pesaroso
pela minha mulher

ela verá este
corpo
duro
e branco

uma vez e
talvez outra
o abanará

«Henri!»

o Henri não
responderá.

Não é a minha morte que
me preocupa, é minha mulher
sozinha com esta
pira de nada

não obstante
eu quero
que ela saiba
que dormir
todas as noites
ao seu lado

e mesmo os mais inábeis
argumentos
foram coisas
sempre esplêndidas

e as palavras
difíceis
que temi sempre
dizer
podem agora ser
ditas:

Amo
te.

(Tradução: J.T.Parreira)

Confession

waiting for death
like a cat
that will jump on the
bed

I am so very sorry for
my wife

she will see this
stiff
white
body

shake it once, then
maybe
again:

“Hank!”

Hank won’t
answer.

it’s not my death that
worries me, it’s my wife
left with this
pile of nothing.

I want to
let her know
though
that all the nights
sleeping
beside her

even the useless
arguments
were things
ever splendid

and the hard
words
I ever feared to
say
can now be
said:

I love
you.

(Charles Bukowski)

segunda-feira, julho 17, 2006

Das teclas tristes da máquina de escrever

Vagabundos

A planta dos pés na terra, um passo
atrás do outro, os olhos
humilhados onde passam
conhecem só
o calor húmido do chão
e as formas de uma nuvem
que o ímpeto das águas
rompe de repente
Hoje como ontem
o sol sobre os ombros
um dia após o outro
ligados ao fundo
por estrelas
nos celestes caminhos
A noite vem deitar os corpos
nos sonhos aguardados
no coração dos andarilhos
com paciência, a treva
que vem voando cega.

domingo, julho 16, 2006

Alentejo


Uma paisagem aridamente amarela
A única presença verde
Nas cabeças dos sobreiros
E a seus pés
Sob a sombra
Refrescante
Que tenta cortar o ar pesado
O branco quente
De rebanhos de ovelhas

13/ 07/ 2006

(Raquel Miriã)

quinta-feira, julho 13, 2006

Vida Literária

Vida Literária

Escuto a máquina de escrever
da primeira tecla que bate
um pássaro dá meia-volta

voa para longe, das seguintes
um menino leva os dedos
à boca e chora

no meio de tinta azul
pintava um céu em círculos
à volta de um sol tranquilo

o pássaro que saiu voando
e o menino que ensaiou
na língua uma palavra azul

são o que hoje soa
da máquina de escrever
Amanhã por uma esquina

do teclado sairá
um homem que esconde
a sua noite por um prédio

num desvão calado
-E a poesia encerrará
as suas teclas mais tristes?

12-7-2006

quinta-feira, julho 06, 2006

Cavalo Ardendo

Poema de Charles Bukowski


Trazer, trazer
coisas concretas
como um cavalo ardendo.

Disse Ezra
escrever
de tal forma que um homem na Afrika
Ocidental o entenda
e ele pôs-se a escrever os Cantos,
cheios de línguas mortas,
recortes de jornais
e cenas de amor no hospício;
trazer, trazer
coisas concretas: luz de pássaro,
o medo de um rato,
braçadas de erva, grandes cabeças de pedra;
e ao ler o Canto 90
baixou o jornal,
Ez fê-lo, ( seus olhos estavam húmidos)
e disse a ela
«entre os maiores poemas de amor
jamais escritos»

Ezra, há muitas classes de traidores,
entre os quais
os políticos são de menor relevância
mas o auto-elogio,
na poesia e no amor,
tem deixado em destaque os ignorantes
mais do que os rebeldes.

(Tradução: J.T.Parreira)

In Madrigales de la Pensión

segunda-feira, julho 03, 2006

Os Desaparecidos

Famílias inteiras
de rostos em retratos
esperam jovens

todas as noites
suas casas envelhecem
um pouco mais o sonho

famílias inteiras
que urdem nos retratos
os fios do nevoeiro

que vai
correndo
com a morte.

2.7.2006