domingo, março 31, 2013

NOLI ME TANGERE



 
Não me toques
que o meu corpo é agora inconsumível
nem o beijo dos anjos tocará meu rosto

deixa a tua mão
na fronteira do amor que se desprende
do meu corpo, a minha carne
agora é um cristal.
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sexta-feira, março 29, 2013

ANTIQUALHAS


Do algodão das arcas para outro silêncio
o do olhar conspícuo
saem móveis retro
que já tiveram a flor da idade

azulejos árabes, livros onde o raro
é terem resistido aos bibliófagos, alguns
vidros coloridos de Murano

bustos romanos sem nariz, uma orelha
a menos numa esfínge, um braço a menos
numa réplica de Vénus
porcelanas de reis que tinem e cristais
que mãos delicadas festejaram.

28/3/2013
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sexta-feira, março 22, 2013

O Escritor E.L.Doctorow só agora chegou a Portugal ?



No panorama das edições em Portugal de autores estrangeiros vivos, obedece-se muito a critérios que, não sendo cegos, parecem ter muita falta de memória.

No suplemento Ipsilon, do diário Públic
o de hoje (22/3/2012), a capa traz em parangonas: "E.L.Doctorow vai deixar de ser desconhecido em Portugal"

Não sei se em Portugal, pelo menos no suplemento e na informação literária da redactora em NYC, Isabel Lucas, talvez seja.

O autor perguntou "quantos livros meus estão publicados em Portugal?" Em português, só no Brasil, terá sido a resposta. "Mas mais de 50 anos depois da sua estreia literária - escreve o Ipsilon- está finalmente a chegar às livrarias portuguesas o romance mais recente, através da Porto Editora, "Homer & Langley".

Perguntamos nós, e o romance "A Cidade de Deus", editado pela Europa-América, em 2002?

quinta-feira, março 21, 2013

O POEMA COMEÇA NOS OLHOS



“Le più belle poesie / si scrivono sopra le pietre”
Alda Merini

Os mais belos poemas escrevem-se
nos nossos olhos, começam
por ser um pequeno risco indolor
depois uma pequena cor que se avoluma
pode ser
por dentro de uma lágrima, não importa
a cor está lá, protegida
inquebrável mesmo no escuro da retina
as mais belas poesias começam nuas
depois há uma luz que lhes alonga
a sombra
sobre a suavidade do mármore
só então é que as palavras tocam
como outra carne, os nossos lábios.

21/3/2013
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terça-feira, março 19, 2013

OS SAPATOS DO PESCADOR






Estes sapatos pretos não andarão sobre as águas
Inconformados
Com as pedras, amaciam a sua dureza
Os meus sapatos não se perdem

Em inigmas divinos

Uso os meus próprios sapatos
Pretos, solas habituadas
Ao chão em que os homens caem
E se levantam, os meus pés
Estão à vontade nestes sapatos pretos

Conhecem os meus caminhos, os olhos
Não se envergonham destes sapatos.

19/3/2013
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sexta-feira, março 15, 2013

A GRAVE OF SYLVIA PLATH






Um rectângulo onde gerações de gerânios
e de olhos
têm chorado, um terreno de poesia
onde flores douradas, devagar

serão plantadas e as nuvens
passam no vidro gelado do céu
Um nome de pedra num rectângulo frio.

14/3/2013
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segunda-feira, março 11, 2013

O QUE RESTA



Um capote número 42 pequeno para a morte
que a guerra poupou, agora
semi fechado agasalha o silêncio
um capote que um corpo já não pesa
a manga como a corda que se lança
do convés para um braço triste
as mãos intocáveis do soldado só sonhadas
misturam-se com raízes em qualquer lugar
há um buraco ainda quente, vazio
num boné em que o filho há-de crescer.

11/3/2013
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quarta-feira, março 06, 2013

MULHER DE AZUL


 
Natan Altman, Retrato da poetisa Anna Akhmátova, 1914


Não, mulher de azul, o céu
do teu vestido é um corpo, um coro
de anjos te cantaria, e as rosas
ao fundo como células que crescem benignas
em nenhum outro lugar
haverá perfume, mulher de azul
com o sol a descer pelos teus ombros.

24/2/2013
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terça-feira, março 05, 2013

WESTERN


Duas ou três mãos de póquer
sobre a mesa, meia garrafa de whiskey
persegue-se a si própria, desce
uma pálpebra sobre um olho
a chamar a corista, disparam
na rua principal, noutra mesa
os cinco dados rolam
como pequenos cubos de gelo no cristal.

5/3/2013

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