"Acaba de ser lançado o livro que inspirou José Saramago a escrever a obra «Levantado do Chão». Trata-se de um livro escrito por um camponês, analfabeto, mas que aprendeu a escrever para contar a vida enquanto trabalhador rural e relatar o sofrimento no campo alentejano. O manuscrito de João Domingos Serra foi parar às mãos de José Saramago quando este foi para Lavre, Montemor-o-Novo com a intenção de escrever um romance."
A Poesia é o assunto do Poema - Wallace Stevens . Este Blog não respeita o Acordo Ortográfico.
sexta-feira, julho 30, 2010
quinta-feira, julho 29, 2010
A Mosca
“no seu peito insuflou a coragem da mosca”
Ilíada 17.570
A águia não apanha moscas
— pois não, nem a poesia
não sabias? não haverá método mais prosaico?
mais indolor?
a mosca, cuja coragem foi outrora clonada no peito de Menelau
ah se tivesse aqui o Luciano — não o meu pai,
o outro, o de Samósata,
pedia-lhe ao menos um discurso
um arrebatado elogio
e um culto e rebuscado encómio
talvez conseguisse comover a sua inteligência
e apelar ao seu bom senso
mas o bicho danado, estúpida filha
de uma… mosca parideira
não deixa de importunar o condutor
de lhe zumbir o ângulo de visão
e lhe volitar à roda da cabeça, penetrar nos ouvidos
e na esfera dos olhos,
de lhe debicar a pele
e o condutor lá tem de descolar as mãos do volante
para atender às solicitações da fulana
pária da vida, invasora dos habitáculos alheios
— Bem, se não temos o Luciano,
temos o Parreira — intervém a Cristina
como é belo o senso prático das mulheres quando é preciso —
se não vai lá com discursos de prosa
dá-se outra estética,
a da mão que brande os versos e mede o livro
uma pancada de metáforas bem escandidas
e já era!
28/07/10
(Rui Miguel Duarte)
segunda-feira, julho 26, 2010
O Cão de Ulisses como outra Penélope
O VELHO CÃO DE ULISSES
o velho cão de Ulisses é outra Penélope
mas com olhos que enxergam
dentro dos olhos de quem olham
olhos que sabem descansar
numa almofada de serenidade
debruada a fidelidade
olhos gastos
que já viram tudo
mas recusam fechar-se
na desistência e não confundem
a casca com o fruto
aguardam com paciência
as alegrias do reencontro.
24/7/10
o velho cão de Ulisses é outra Penélope
mas com olhos que enxergam
dentro dos olhos de quem olham
olhos que sabem descansar
numa almofada de serenidade
debruada a fidelidade
olhos gastos
que já viram tudo
mas recusam fechar-se
na desistência e não confundem
a casca com o fruto
aguardam com paciência
as alegrias do reencontro.
24/7/10
(Brissos Lino)
segunda-feira, julho 19, 2010
Frederic Chopin-Nocturne In E Flat Major, Op.9 Nº 2
sábado, julho 17, 2010
António Ramos Rosa - A rejeição consciente de um lirismo
A arte literária encontrou no Século XVIII e IX a lírica como a mais poética forma de poesia, uma forma descentrada do mundo exterior, conhecido por fora pelos homens, para o mundo interior do próprio poeta. Este passaria a expressar-se perante o mundo com o lirismo da sua observação. O lirismo seria o que transformava as pedras em rosas, e estas em pães. Seria necessário um equilíbrio. Uma tensão entre o que se cantava e o objecto do próprio canto.
António Ramos Rosa, não apenas como grande poeta da língua, mas também grande pensador sobre o fenómeno da poiética e antologiador da valorização da nova poesia portuguesa (anos 60), apontou o lirismo nesta poesia ao escrever sobre poetas (Incisões Oblíquas, A poesia moderna e a interrogação do real I e II.), mas objectivamente e, como tal, conscientemente rejeitou-o, salvo melhor opinião.
O padrão das palavras que ARR emprega não é normativamente lírico, embora esteja nele a expressão pessoal do poeta. Estilo e expressão próprios do poeta. António Ramos Rosa interrogou o real de outro modo. Com uma Poética e uma Poiética pensada e elaborada. A sua palavra não era tributária do lirismo, mas era, segundo o seu próprio pensamento, uma palavra poética. “A verdadeira poesia ignora a afirmação fácil”, escreveu, por vezes a facilidade na poesia reveste-se da superfície do lirismo, este às vezes cega.
Poeta sempre na chamada, por ele próprio, “linha da sombra”, à partida da qual a claridade poética surge, “com a sua margem de indecisão, de interrogação, de acaso, de aleatório”. Exemplos de não submissão ao padrão do lírico? E de uma integração da plena verdade, nua e crua, poética?
“Não trago lâmpadas nem armas/Estou num quarto, não há frio, alongo o ouvido para o silêncio do horizonte / é um dia baço como um pão”
“Escrevo versos ao meio-dia /e amorte ao sol é uma cabeleira/(...)/Estou vivo e escrevo sol”
No entanto, em um dos seus primeiros e mais conhecidos poemas inserto em o Grito Claro, de 1958, (poemas imagísticos no seu todo, mas não líricos), ligados ainda a um condicionalismo lírico-social, o poeta tem estes versos deliciosos em “O Funcionário Cansado”:
“o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
E debitou-me na minha conta de empregado”
E estoutro, de 1990, do livro O Sim e o Não, Um deus adormecido num jardim ( só o título do poema já carregado de lirismo):
“Eu vi o seu sorriso sob a sombra das folhas
E vi-o adormecer. Senti que mergulhava
em plácidas águas.Um tesouro
fulgurava entre as pedras e os limos”
Não ousaria dizê-lo, para terminar, mas sempre digo que a poética de ARR tem na sua magistral e única Poesia a presentificação da disciplina da Filosofia, hegeliana por suposto( basta ler Ocupação do Espaço). Perdoem-me este ensaio.
(Escrito em 17/7/2010, para o Grupo Leitores da Poesia de ARR, no Facebook)
António Ramos Rosa, não apenas como grande poeta da língua, mas também grande pensador sobre o fenómeno da poiética e antologiador da valorização da nova poesia portuguesa (anos 60), apontou o lirismo nesta poesia ao escrever sobre poetas (Incisões Oblíquas, A poesia moderna e a interrogação do real I e II.), mas objectivamente e, como tal, conscientemente rejeitou-o, salvo melhor opinião.
O padrão das palavras que ARR emprega não é normativamente lírico, embora esteja nele a expressão pessoal do poeta. Estilo e expressão próprios do poeta. António Ramos Rosa interrogou o real de outro modo. Com uma Poética e uma Poiética pensada e elaborada. A sua palavra não era tributária do lirismo, mas era, segundo o seu próprio pensamento, uma palavra poética. “A verdadeira poesia ignora a afirmação fácil”, escreveu, por vezes a facilidade na poesia reveste-se da superfície do lirismo, este às vezes cega.
Poeta sempre na chamada, por ele próprio, “linha da sombra”, à partida da qual a claridade poética surge, “com a sua margem de indecisão, de interrogação, de acaso, de aleatório”. Exemplos de não submissão ao padrão do lírico? E de uma integração da plena verdade, nua e crua, poética?
“Não trago lâmpadas nem armas/Estou num quarto, não há frio, alongo o ouvido para o silêncio do horizonte / é um dia baço como um pão”
“Escrevo versos ao meio-dia /e amorte ao sol é uma cabeleira/(...)/Estou vivo e escrevo sol”
No entanto, em um dos seus primeiros e mais conhecidos poemas inserto em o Grito Claro, de 1958, (poemas imagísticos no seu todo, mas não líricos), ligados ainda a um condicionalismo lírico-social, o poeta tem estes versos deliciosos em “O Funcionário Cansado”:
“o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
E debitou-me na minha conta de empregado”
E estoutro, de 1990, do livro O Sim e o Não, Um deus adormecido num jardim ( só o título do poema já carregado de lirismo):
“Eu vi o seu sorriso sob a sombra das folhas
E vi-o adormecer. Senti que mergulhava
em plácidas águas.Um tesouro
fulgurava entre as pedras e os limos”
Não ousaria dizê-lo, para terminar, mas sempre digo que a poética de ARR tem na sua magistral e única Poesia a presentificação da disciplina da Filosofia, hegeliana por suposto( basta ler Ocupação do Espaço). Perdoem-me este ensaio.
(Escrito em 17/7/2010, para o Grupo Leitores da Poesia de ARR, no Facebook)
sexta-feira, julho 09, 2010
As paisagens dramáticas de Turner
Uma breve écfrase à poética da sua pintura
***
Diz-se que Turner interpretou na tela todos os temas de uma forma épica. Diz-se que começou como pintor topográfico e pouco a pouco foi se inclinando para as paisagens, principalmente as marinhas. Escreveu-se dom de transfiguração poética, liberdade de composição, violência tonal (nos tons) para a fase final da sua obra, talvez a mais impressionante e universalmente conhecida.
A verdade é que ao transportar para as suas obras toda uma visão épica, uma minúcia dos topoi, e todo o seu ponto de vista sobre as cenas marítimas, Turner usou sobretudo a dramaticidade dos confrontos, da luz / sombras; calmaria / tempestades; céus prontos para acolher anjos ou demónios, consoante o dramatismo ou o lirismo das suas cores.
Não há estados melancólicos nos seus quadros, nem mesmo nos mais figurativos e livres do clima da aspereza e da tormenta. Paisagens carregadas de dramatismo, colorismo dramático, paisagens com um drama romântico que o próprio romantismo literário utilizou na poesia, embora estivesse a surgir o Realismo, a Revolução Industrial e o Romantismo prestes a ser sepultado.
Um realista? Sim, quando nos conduz ao cerne das tempestades marítimas, por exemplo, mas a sua paleta e a textura arrebatadora da conjugação das suas cores, sob a luz e as sombras, já prenunciava o Impressionismo; a fealdade bela de alguns dos seus quadros, porventura leva-nos um pouco mais longe, até ao expressionismo. E a aplicação da luz sobre as coisas, sejam os elementos da natureza, do céu e do mar, dos barcos ao trem a vapor, do Grand Canale calmo às tormentas, e o amálgama que disso tudo fez com a fulguração das suas cores misturadas e já sem formas definidas o colocaram sob a perspectivação do abstraccionismo avant la lettre, que, disseram críticos de arte, veio a surgir nas formas e nas cores fundidas, como nas obras de Kandinsky e de Paul Klee.
Nas telas de Turner, que nos colocam diante da rudeza dos elementos naturais, os seus redemoinhos não são de água, nem de ventos, são de luz, assim toda a teoria anterior da paisagem convencional estava subvertida. Não haveria já lugar para a mimésis aristotélica, mas para a criação pura e simples de algo novo, a que o vocábulo hebraico “bara” serviria, não fosse o exagero do seu uso neste caso. William Turner foi um intérprete das atitudes agónicas, não se pode afirmar que as suas interpretações pictóricas não sofram de passionalidade. Turner pintou a exaltação da natureza, no que ela tem de mais agreste e de mais anti-paixão.
Foi essencialmente um poeta da cor, dos confrontos entre luz e sombras (não trevas), um poeta das tempestades. Não pintava formas, mas estados de cor, atmosferas exteriores da natureza, névoas com conteúdos.
Publicado como inédito em http://ab-integro.blogspot.com/
***
Diz-se que Turner interpretou na tela todos os temas de uma forma épica. Diz-se que começou como pintor topográfico e pouco a pouco foi se inclinando para as paisagens, principalmente as marinhas. Escreveu-se dom de transfiguração poética, liberdade de composição, violência tonal (nos tons) para a fase final da sua obra, talvez a mais impressionante e universalmente conhecida.
A verdade é que ao transportar para as suas obras toda uma visão épica, uma minúcia dos topoi, e todo o seu ponto de vista sobre as cenas marítimas, Turner usou sobretudo a dramaticidade dos confrontos, da luz / sombras; calmaria / tempestades; céus prontos para acolher anjos ou demónios, consoante o dramatismo ou o lirismo das suas cores.
Não há estados melancólicos nos seus quadros, nem mesmo nos mais figurativos e livres do clima da aspereza e da tormenta. Paisagens carregadas de dramatismo, colorismo dramático, paisagens com um drama romântico que o próprio romantismo literário utilizou na poesia, embora estivesse a surgir o Realismo, a Revolução Industrial e o Romantismo prestes a ser sepultado.
Um realista? Sim, quando nos conduz ao cerne das tempestades marítimas, por exemplo, mas a sua paleta e a textura arrebatadora da conjugação das suas cores, sob a luz e as sombras, já prenunciava o Impressionismo; a fealdade bela de alguns dos seus quadros, porventura leva-nos um pouco mais longe, até ao expressionismo. E a aplicação da luz sobre as coisas, sejam os elementos da natureza, do céu e do mar, dos barcos ao trem a vapor, do Grand Canale calmo às tormentas, e o amálgama que disso tudo fez com a fulguração das suas cores misturadas e já sem formas definidas o colocaram sob a perspectivação do abstraccionismo avant la lettre, que, disseram críticos de arte, veio a surgir nas formas e nas cores fundidas, como nas obras de Kandinsky e de Paul Klee.
Nas telas de Turner, que nos colocam diante da rudeza dos elementos naturais, os seus redemoinhos não são de água, nem de ventos, são de luz, assim toda a teoria anterior da paisagem convencional estava subvertida. Não haveria já lugar para a mimésis aristotélica, mas para a criação pura e simples de algo novo, a que o vocábulo hebraico “bara” serviria, não fosse o exagero do seu uso neste caso. William Turner foi um intérprete das atitudes agónicas, não se pode afirmar que as suas interpretações pictóricas não sofram de passionalidade. Turner pintou a exaltação da natureza, no que ela tem de mais agreste e de mais anti-paixão.
Foi essencialmente um poeta da cor, dos confrontos entre luz e sombras (não trevas), um poeta das tempestades. Não pintava formas, mas estados de cor, atmosferas exteriores da natureza, névoas com conteúdos.
Publicado como inédito em http://ab-integro.blogspot.com/
sábado, julho 03, 2010
Acendo a boca
De gabardina, acendo a boca num cigarro.
(Gregory Corso)
Acendo a boca
num cigarro curto
como quem engatilha o revólver
numa esquina sombria
acendo a boca
num grito mudo
como quem fala para dentro de si
em grego
acendo a boca
num beijo único
alheio à paisagem urbana
mas capaz de tudo
e de nada
acendo a boca
numa gargalhada quente
inesperada
e estremeço a rua como se espirrasse
por via de uma alegria
violentamente incontida.
2/7/10
(Brissos Lino)
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