quinta-feira, julho 29, 2010

A Mosca


“no seu peito insuflou a coragem da mosca”
Ilíada 17.570

A águia não apanha moscas
— pois não, nem a poesia
não sabias? não haverá método mais prosaico?
mais indolor?
a mosca, cuja coragem foi outrora clonada no peito de Menelau
ah se tivesse aqui o Luciano — não o meu pai,
o outro, o de Samósata,
pedia-lhe ao menos um discurso
um arrebatado elogio
e um culto e rebuscado encómio
talvez conseguisse comover a sua inteligência
e apelar ao seu bom senso
mas o bicho danado, estúpida filha
de uma… mosca parideira
não deixa de importunar o condutor
de lhe zumbir o ângulo de visão
e lhe volitar à roda da cabeça, penetrar nos ouvidos
e na esfera dos olhos,
de lhe debicar a pele
e o condutor lá tem de descolar as mãos do volante
para atender às solicitações da fulana
pária da vida, invasora dos habitáculos alheios

— Bem, se não temos o Luciano,
temos o Parreira — intervém a Cristina
como é belo o senso prático das mulheres quando é preciso —
se não vai lá com discursos de prosa
dá-se outra estética,
a da mão que brande os versos e mede o livro
uma pancada de metáforas bem escandidas
e já era!
28/07/10
(Rui Miguel Duarte)

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