sábado, julho 17, 2010

António Ramos Rosa - A rejeição consciente de um lirismo

A arte literária encontrou no Século XVIII e IX a lírica como a mais poética forma de poesia, uma forma descentrada do mundo exterior, conhecido por fora pelos homens, para o mundo interior do próprio poeta. Este passaria a expressar-se perante o mundo com o lirismo da sua observação. O lirismo seria o que transformava as pedras em rosas, e estas em pães. Seria necessário um equilíbrio. Uma tensão entre o que se cantava e o objecto do próprio canto.

António Ramos Rosa, não apenas como grande poeta da língua, mas também grande pensador sobre o fenómeno da poiética e antologiador da valorização da nova poesia portuguesa (anos 60), apontou o lirismo nesta poesia ao escrever sobre poetas (Incisões Oblíquas, A poesia moderna e a interrogação do real I e II.), mas objectivamente e, como tal, conscientemente rejeitou-o, salvo melhor opinião.

O padrão das palavras que ARR emprega não é normativamente lírico, embora esteja nele a expressão pessoal do poeta. Estilo e expressão próprios do poeta. António Ramos Rosa interrogou o real de outro modo. Com uma Poética e uma Poiética pensada e elaborada. A sua palavra não era tributária do lirismo, mas era, segundo o seu próprio pensamento, uma palavra poética. “A verdadeira poesia ignora a afirmação fácil”, escreveu, por vezes a facilidade na poesia reveste-se da superfície do lirismo, este às vezes cega.

Poeta sempre na chamada, por ele próprio, “linha da sombra”, à partida da qual a claridade poética surge, “com a sua margem de indecisão, de interrogação, de acaso, de aleatório”. Exemplos de não submissão ao padrão do lírico? E de uma integração da plena verdade, nua e crua, poética?

“Não trago lâmpadas nem armas/Estou num quarto, não há frio, alongo o ouvido para o silêncio do horizonte / é um dia baço como um pão”

“Escrevo versos ao meio-dia /e amorte ao sol é uma cabeleira/(...)/Estou vivo e escrevo sol”

No entanto, em um dos seus primeiros e mais conhecidos poemas inserto em o Grito Claro, de 1958, (poemas imagísticos no seu todo, mas não líricos), ligados ainda a um condicionalismo lírico-social, o poeta tem estes versos deliciosos em “O Funcionário Cansado”:

“o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
E debitou-me na minha conta de empregado”

E estoutro, de 1990, do livro O Sim e o Não, Um deus adormecido num jardim ( só o título do poema já carregado de lirismo):

“Eu vi o seu sorriso sob a sombra das folhas
E vi-o adormecer. Senti que mergulhava
em plácidas águas.Um tesouro
fulgurava entre as pedras e os limos”

Não ousaria dizê-lo, para terminar, mas sempre digo que a poética de ARR tem na sua magistral e única Poesia a presentificação da disciplina da Filosofia, hegeliana por suposto( basta ler Ocupação do Espaço). Perdoem-me este ensaio.

(Escrito em 17/7/2010, para o Grupo Leitores da Poesia de ARR, no Facebook)

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