quinta-feira, novembro 06, 2008

Na ausência de espelhos



Havia já muito tempo que ninguém
em Auschwitz tinha um espelho
não reconheceriam a sageza
no rosto, nem as covas
onde lançaram os olhos
nem os lábios, como uma linha
de medos
ninguém tinha pensado nisso antes
nos espelhos.
Sem os espelhos qualquer um
era igual ao outro, via-se
no outro, os espelhos
poderiam ser usados contra o próprio.
Em Auschwitz, por falta de espelhos
ninguém continuou a ser pessoa.

4/11/2008

1 comentário:

rui miguel duarte disse...

Gostei desta imagem da ausência de espelhos, para descrever a despersonalização, a desumanização do campo de concentração. A ausência de espelho redunda na falta de confronto consigo mesmo – e este seria um derradeiro estertor de humanidade. Assim, cada um via-se no outro, sem se ver porém a si mesmo.
E podia esquecer-se de si mesmo, de perder a consciência de si mesmo. E caminhar mais mecanicamente para a morte.
Abraço