domingo, janeiro 28, 2007

A Guitarra

Começa o choro
da guitarra.
Partem-se os cristais
da madrugada.
Começa o choro
da guitarra.
É inútil calá-la.
É impossível
calá-la.
Chora o mesmo tom
como o choro da água,
como o choro do vento
sobre as noites brancas.(*)
É impossível
calá-la.
Chora por coisas
longínquas.
Areia do Sul quente
que pede camélias brancas.
Chora a flecha sem alvo,
a tarde sem manhã,
e o primeiro pássaro morto
sobre os ramos.
Ó, guitarra!
Coração malferido
por cinco espadas.

(Tradução: J.T.Parreira)

(*) Em 1946, Eugénio de Andrade traduziu «la nevada», em Antologia Poética, como «o nevão».
Já em 1968, em Trinta e Seis poemas e uma Aleluia Erótica, o mesmo poeta usou o termo «a nevada».
Atendendo à poeticidade da expresão «noites brancas» usamos aqui a mesma, talvez como um metonímia para falar de queda de neve, e não no sentido do romance de Dostoievski (Noites Brancas, o dia contínuo.)

2 comentários:

hfm disse...

Gostei muito.

Anónimo disse...

Meu caro, Parreira,

Após lê-lo traduzindo um dos meus ícones poéticos, penso: como fiquei há tanto sem lhe ler? Que desperdício, o meu. Brilhante tradução, poeta.

Abraço