segunda-feira, agosto 18, 2008

O que viu a mulher de Lot

A terra não acolheu
o repouso da mulher de Lot: de pé
ficou de pé a emergir
das ínfimas moléculas de sal
o sonho branco
afundado no silêncio
não houve manhã seguinte, nem
o emergir da alva.

4-8-2007

quarta-feira, agosto 13, 2008

Encontro


Bernini, Apolo e Dafne

Adeus, Dafne, foi tudo tão breve
um olhar retribuído
pela água verde dos teus olhos
um gesto iluminado
por uma conjunção de cristais
uma palavra
desviada no ar pela limpidez
de uma criança, foi tudo
tão branco
como a inocência da música
tão breve, saindo dos teus lábios.

18-5-2008

sábado, agosto 09, 2008

Morte do poeta palestiniano Mahmoud Darwish

Mahmoud Darwish (13/3/1941 -9/8/2008) was a contemporary Palestinian poet and writer of prose. He has published over thirty volumes of poetry, eight books of prose and has served as the editor of several publications, including: Al-Jadid, Al-Fajr, Shu'un Filistiniyya and Al-Karmel. He is recognized internationally for his poetry, which focuses on his strong affection for his lost homeland. His work has won numerous awards, and has been published in at least twenty-two languages. The majority of his work has not been translated into English.

A propósito da guerra civil entre o Hamas e a Fatah, Darwish escrevera recentemente um poema, cujo início é uma auto-crítica:

BlockquoteTínhamos que cair de tal altura tremenda para ver o sangue
em nossas mãos
para compreender que não somos anjos
como pensávamos?
Tínhamos também que expor nossas falhas ao mundo
para que nossa verdade não permanecesse virgem?
Como mentimos quando dissemos: somos a excepção!

terça-feira, agosto 05, 2008

Gasolina, inéditos sobre Hopper (6)

Room in New York

O sol é o mais alto
sítio de Nova Iorque

Movidas a vazio
as figuras aquecem sofás
bancos de piano
um vestido vermelho lança
para a imaginação o corpo

O interruptor acendeu a solidão.

segunda-feira, agosto 04, 2008

Soljenitsine morre aos 89

Sem poesia

Não fazer poesia sobre acontecimentos, sobretudo quando a realidade ocupa todo um espaço concentracionário.

sexta-feira, agosto 01, 2008

Antigamente em Paris

Antigamente em Paris
podia-se beijar o sol
numa esplanada de café
tranquilamente
deixar escorrer qualquer coisa fresca
pelo prazer abaixo
beber um sonho
sem gás

a vida corria líquida e clara
sem pressas
por dentro das veias

no tempo em que havia tempo
em Paris
podia-se tocar o céu
de olhos fechados.

(Brissos Lino)

in A Ovelha Perdida

quinta-feira, julho 31, 2008

Adrienne Rich



Women

My three sisters are sitting
on rocks of black obsidian.
For the first time, in this light, I can see who they are.
*
My first sister is sewing her costume for the procession.
She is going as the Transparent lady
and all her nerves will be visible.
*
My second sister is also sewing,
at the seam over her heart which has never healed entirely,
At last, she hopes, this tightness in her chest will ease.
*
My third sister is gazing
at a dark-red crust spreading westward far out on the sea.
Her stockings are torn but she is beautiful.

1968

Mulheres

As minhas três irmãs estão sentadas
numa rocha de obsidiana preta.
Nesta luz, pela primeira vez, posso ver quem são.
*
Minha primeira irmã costura um traje de procissão.
Vai como uma Senhora Transparente
e todos os seus nervos ficarão visíveis.
*
Minha segunda irmã também cose sobre
a ferida do coração, que nunca cicatrizou inteiramente,
espera, por fim, tornar impermeável o seu peito.
*
A terceira contempla
uma crosta de púrpura que se espalha para fora do mar.
Suas meias estão rasgadas mas é bela.
(Trad. J.T.Parreira)

quarta-feira, julho 30, 2008

terça-feira, julho 29, 2008

Lição de Poesia

Pensando nas relações entre poesia e linguagem, entre paixão, poesia e linguagem, formulei a coisa de que a poesia seria uma manifestação, sobretudo, de paixão pela linguagem, por causa do próprio caráter substantivo da poesia. Um poema não é como um conto, não é como um romance. Um conto, um romance são transparentes, deixam o olhar passar até o sentido. Na poesia, não. O olhar não passa, o olhar pára nas palavras.
(Paulo Leminski, via aqui textos)

sábado, julho 26, 2008

Arte Musical

Rembrandt, David tocando para Saul
Debaixo dos seus dedos a água corre

Pássaros acendem raios
multicolores, sob os dedos de David

Pendem flores da mesa
na presença dos inimigos
e nos lábios os cálices
transbordam

Pastor de cordas no vento
quando os seus dedos tocam
até que à harpa regressem
os silêncios.

terça-feira, julho 22, 2008

Dois Macacos por Brueghel

Poema de Wislawa Szymborska, 1957

Guardo o sonho de minha tese de licenciatura:
numa janela sentam-se dois macacos acorrentados,
atrás da janela o céu flutua,
e o mar espirra.

Estou a fazer um exame sobre a história
da humanidade:
gaguejo e hesito.

Um macaco, lança-me os olhos, escuta
ironicamente,
o outro parece sonolento--
e quando à pergunta segue o silêncio,
ele incita-me
com o macio tinido da corrente.

(Trad. J.T.Parreira)

domingo, julho 20, 2008

Wislawa Szymborska

Two Monkeys by Brueghel #

I keep dreaming of my graduation exam:
in a window sit two chained monkeys,
beyond the window floats the sky,
and the sea splashes.

I am taking an exam on the history of
mankind:
I stammer and flounder.

One monkey, eyes fixed upon me, listens
ironically,
the other seems to be dozing--
and when silence follows a question,
he prompts me
with a soft jingling of the chain.

(trans. from the Polish by Magnus Kryski)

# Amanhã ( hoje é domingo), a versão em português.

sábado, julho 19, 2008

sexta-feira, julho 18, 2008

Testemunho

BlockquoteLê-lo é sempre um desafio. A sua poesia remete-nos para o Universo do não dito, do oculto. E todavia, as imagens são palpáveis, verificáveis.Gosto de o ler. Bem haja por partilhar.Cordiais saudações.

Mel de Carvalho ("Escrita Criativa")

quinta-feira, julho 17, 2008

Os Escritores

Michael Horovitz e Allen Ginsberg, Londres, verão de 1965


Peça em dois quadros num Acto.

Personagens:
Arlen, um americano, contista conhecido nos meios da revista Literay Kicks, cerca de 40 anos.Specter, perto dos 60. Crítico literário avulso.

Uma mesa de café com dois bules, um com café outro com leite, duas chávenas. Uma espécie de Starbucks de bairro da parte baixa da cidade, meia dúzia de frequentadores, já conhecidos. Os últimos. Algumas cadeiras já arrumadas, umas sobre as outras, como uma torre de Babel. Duas horas da manhã.

Arlen - Bela noite para dar um tiro no ouvido! (Olhou para o seu interlocutor, movimentou a mão direita para os lados, sobre o tampo da mesa e, depois, levou-a à têmpora direita, e com dois dedos em ângulo)- Puff!Pausa. - A personagem parece estar a pedi-lo.

Specter ( olha para Arlen e franze os sobrolhos) - Depois dos diálogos que já lhes ouvi, Arlen, não sei se daria certo. Pausa.-É que há correspondência de estados e de sentimentos entre os diálogos das tuas personagens, Mikhail Baktin não iria gostar. Risos na mesa.

Arlen - Polifonia nos discursos que nem sempre são contradições. Afinal o dialogismo para Baktin vai muito mais além…Pausa

Specter ( interrompendo)- …de textos dentro do texto. Eu sei, mesmo assim, para além do entrecruzar de várias vozes, as tuas personagens parece que estão de acordo.

Arlen - Perante os factos criados no enredo, gostava de poder dizer isso. O tema, contudo, não me parece propício. Às dialogias .

Specter - Óbvio, precisas criar um ambiente pós-traumático às tuas personagens, sendo que cada uma teria a sua maneira de verbalizar o conflito.

Arlen- A recorrente história próxima da América com a Guerra do Vietname, não me deixou outro recurso.

Specter ( emenda-o, com um gesto) - Não, outra fonte. Os teus trabalhos sobre isso, sempre foram muito históricos. É uma fonte a que vais beber.Pausa-Li Chomski, sabes.

Arlen- O Noam fez a crítica da guerra pelo lado do Poder Americano. (Levanta-se, sai fora da luz, como se fosse ao balcão e vem com uma chávena)-Está vazia. (Agarra no bule com leite e verte na chávena). Não quero mais café forte, hoje.
Saem ambos, depois de Arlen beber a mistura e deixar 2 dólares sobre a mesa.
Dia seguinte. Manhã. Esquina de uma Rua com a 6ª, na Village, com vapor a sair de uma grelha no chão.

Specter (com ar lavado, cabelo comprido humedecido) - Estive a reler um poema que escreveste há uns anos para o Departamento de Poesia da New Yorker. Lembras-te?

Arlen ( fazendo um esforço, fala vagamente) - É aquele do cigarro abortado antes da última cinza?

Specter (diz que sim com a cabeça) - Esse, no qual fazes um esforço para contradizeres tudo o que Bakhtin ensinou sobre a presença de outros textos dentro do texto…

Arlen ( interrompe-o de chofre) - Dialogias, não. Logo de manhã. Esse poema é um único texto e sou eu mesmo, do princípio ao fim.

Specter (com ar desconfiado, tira um folha de papel que parece ser de revista do bolso, pára, lê um excerto com ar dramático). - Quando a noite chega e meus olhos / são uma sala vazia, quando a noite chega / e olho meus livros, os meus utensílios /com palavras na penumbra, é a hora da luz / iluminar com a sua água sobre a mesa...

Arlen ( puxando-lhe o braço, interrompe-o) - Esse poema podia hoje aplicá-lo à minha personagem…anda às voltas com a noite.

Specter ( com ironia) - Cá está, outro texto, não apenas uma personagem e um diálogo, mas duas pelo menos: a noite e tu.

Arlen (vitorioso) - Aí está, digo eu agora. A noite é pura e simplesmente antagonista.Ela não responde nada, é alheia ao sujeito poético desse poema. (Tira-lhe da mão a folha de revista.) Deixa-me ler. “Quando chega a noite / estou cercado de perguntas, algumas / respondo, outras cingem-me os ombros “ (Lê em voz bem audível, de uma forma neutral)

Specter ( retoma o passo e arrasta o amigo) - Se incluíres esse poema no conto, em forma de prosa, ou seja como for, terás o caminho aberto para o que disseste ontem à noite.

Arlen ( pára, pensa um pouco, abre ligeiramente os braços) - Matar a personagem com um tiro no ouvido? ( leva a mão direita à têmpora e abre em ângulo dois dedos).
Specter (sibilinamente) - Puff!

(J.T.Parreira)

terça-feira, julho 15, 2008

Pontes de Paris, Nadir Afonso


As águas do Sena
são um manual
de arquitectura

de pontes
rectilíneas em arco
no espelho
do rio, esculpindo
as águas, as pontes
multiplicam-se


sob o céu de vidro
pardo, parado.


11-7-2008

sexta-feira, julho 11, 2008

À espera dos Bárbaros

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! Eles eram uma solução.
Kaváfis
Sonhávamos com os bárbaros
com suas barbas
carregadas de presságios
As nossas terras férteis e o ameno mar
diziam que chegavam hoje
Os seus costumes já não chocam
a nossa sisudez de pedra e cal
já não são as nossas obras
nem a fronteira
entre o bem e o mal
Dizem que os bárbaros
chegam hoje, ou talvez
mais tarde, para continuar
o estudo do silêncio que os precede.