quinta-feira, agosto 23, 2007

Movimento Literário


You send me your poems,
I’ll send you mine

Robert Creeley



Vamos trocar nossos poemas
Como quem troca os olhos

Com cumplicidades
Uma veloz palavra

Tenderá a sair do círculo
Deixará para trás

Ângulos obtusos e a tautologia
Das quatro paredes

Trocaremos nossos silêncios, ínfimos
Nadas com profundidades

Mandem vossos poemas
Em especial os que rimam

Contra a corrente
Mandarei os meus.

segunda-feira, agosto 20, 2007

A Bicicleta Verde

«They said, you have a blue guitar,
you do not play things as they are.»
Wallace Stevens

A menina curvou o olhar sobre a bicicleta,
Uma menina com imaginação, nos seus olhos
O verde pintou a Terra.
A menina aproveitou o vento
Que brandia as folhas e disse
-Vou pintar de verde a bicicleta,
Terei uma bicicleta verde
Para ser inteira com a natureza,
Se passar pelas folhas
Serei um vento mais
-Não será um raio azul, nem uma estrela
Amarela, nem sequer uma sombra vermelha,
Será um riso verde quando passar rolando.

18-8-2007

sábado, agosto 18, 2007

«On the Road», 1957




Edições portuguesa, de 1960, e ucraniana, 1995


Jack Kerouac disse um dia a propósito das várias edições estrangeiras da sua obra «On the Road»: «Quando for velho, sabem o que vou fazer? Vou estudar línguas para ler todas as traduções do meu «Pela Estrada Fora».
Mas Kerouac não chegou à velhice – morreu em 1969 com 47 anos. Mas as edições traduzidas , especialmente do seu romance ícone, continuam a multiplicar-se.
Quando da edição original do livro, em 1957,o «The New York Times » de 5 de Setembro desse ano, publicava um texto na secção «Os Livros do Times», cujo autor dizia de «On The Road», em síntese, o seguinte: « É a segunda novela de Jack Kerouac e a sua publicação é um histórico momento não distante da exposição de uma autêntica obra de arte.
Absorvente, intrigante, picaresca.
É uma obra que requer uma exegese, porque é uma grande ocasião para se entender este tempo (finais da década de 50) em que as atenções estão fragmentadas e as sensibilidades embotadas pelos superlativos da moda.»

quinta-feira, agosto 16, 2007

Paris, Janeiro 1994



Paris nessa noite tinha a luz
distribuída pelas gotas da chuva.

Sartre e Beauvoir não estavam lá.

No Café de Flore, três ou quatro
colheres de açúcar afogavam
o amargo do café. Beberam-no
primeiro os meus olhos
como um ritual, os lábios
depois, na minha língua
mais tarde escreveria
um poema previsível.

Outras vezes, Paris era um bocado
de ar azulado.

segunda-feira, agosto 13, 2007

Um diálogo com o Narciso

Tens um rosto na memória
o teu rosto no fundo da água

Entorna os olhos
sobre o lago, como duas contas
de vidro

Como o poeta, eu Narciso
indago em mim mesmo
na transparência das águas

os versos e os dias
à flor da melancolia.

1-8-2007

sábado, agosto 04, 2007

Recomendações para o Exílio




Poema de Adam Zagajewski


Viajar sem equipagem, dormir no comboio,
num duro banco de madeira,
esquecer o país natal,
emergir de pequenas estações
à primeira luz do dia.

(Trad.J.T.Parreira)


Boas Férias!

quinta-feira, agosto 02, 2007

Oásis

do poeta sevilhano Manuel Machado(irmão de Antonio Machado)

Sonha o leão.
Junto às três palmeiras
amansa-se o sol. Existe
a água. E Deus deixa um momento
que os pobres camelos se ajoelhem...
Junto às três palmeiras,
o árabe, estendido, por fim, sorri
e suspira... Damasco
distante ainda o espera. Os confins
do horizonte acesos brilham.
Um silêncio terrível
enche o ar... Na areia
treme a sombra elástica de um tigre.

(Trad. J.T.Parreira)

segunda-feira, julho 30, 2007

domingo, julho 29, 2007

O Sorriso de Gioconda

O sorriso de Gioconda ornamenta
o museu, ninguém o moldará
de novo, o sorriso burocrático
de Gioconda é a porta
atrás da qual não há nada
alma? paisagens? o silêncio
um umbigo da alma
a sorrir para dentro.



terça-feira, julho 24, 2007

O Galo e Marc Chagall




O GALO

Un gallo
cantò; altri risposero qua e lá.
Umberto Saba


Um galo
cantou e outro respondeu
que está lá
no seu posto móvel
no vento
qualquer coisa negra
começa a desfazer-se
em claridade, a noite
repassa as outras latitudes
qualquer coisa começa
a restaurar-se nas janelas
as casas respondem
outros animais
retomam nos quintais
a domesticada vida
numa repetição sem tédio
nem deleite, um galo
avançou com a rotina
em todo o seu canto
que procede
do silêncio.

sexta-feira, julho 20, 2007

A Demolição


Gabriel Orozco, México, Instalação


Ruiu a casa velha para o fundo
para dentro de si própria
ontem era ainda
um retrato de azulejos
do passado, caiu
abaixo do silêncio
contra o qual a fachada
ao longo destes anos resistiu.
Silenciou as cortinas pobres
das vidraças, que mal se sustinham
já de pé. A sua sombra
jamais espalhará
toda a casa na calçada.

quarta-feira, julho 11, 2007

Gostaria de dizer

Gostaria de dizer
que nasci numa cidade pequena
na casa do largo principal

num universo
com paredes
ancestrais

Gostaria de dizer
que nasci numa casa de província
com o cheiro do fogo

a sair com o frio pelas janelas
mas não
e numa cidadezinha com um rio

como um espelho em frente
de cada porta, plano
e macio?

terça-feira, julho 10, 2007

SÍSIFO



Ilustração de Julio Saens


Antes que a montanha volte
a inclinar-se, se torne móvel
pelo rolar da rocha e o chão
repita a sua distância
do azul

Antes que teu rosto junto
à rocha, tão perto do magma
apagado do interior do nada,
olhe o píncaro
ao fundo do céu,
antes que esse céu imobilize
o voo dos pássaros

e encostes da pele
a intimidade
ao coração da pedra
sabe que há olhares enternecidos
que estão ainda à tua espera
e da estrela inacessível.

18-3-2007

quinta-feira, julho 05, 2007

Rua suja

A rua deixa adormecer o canto
dos seus heróis, aqui os sonhos
não se dão nos quartos, nem as rosas
respiram as gotas de água
num boquet


De dia turistas aumentam o medo
do olho atrás da lente
tudo se foca nesta rua
sufoca-se no verão
entre roupa acenando nos varais

Depois
que os moradores saem
para as rotinas
das pequenas colinas
de frente para o rio.

segunda-feira, julho 02, 2007

A tarefa do poeta

« Le poète a fini sa tâche »
Paul Verlaine




O poeta acabou a sua tarefa.
A época não foi de rosas
nem de sonetos que batem
como o coração das amadas
nem de salmos que são a língua
instrumental dos anjos.

A tarefa do poeta não é o desenho
de uma harpa no vento
de uma rosa no papel
irrespirável.

O poeta acabou o seu tempo.
Cansaço dos sonhos que irrigam
o cérebro, com as alegrias
alguns desencontros? o poeta
acolhe o fim com as mãos lentas
da tranquilidade.

O poeta pousou as armas.
Embora o dia continue a subir
na revolução ardente do sol
embora a poesia
continue a nascer, o poeta
cansado, pousou as palavras.

sábado, junho 30, 2007

Morte da Poeta da «Poesia Livre» em Árabe


NAZIK AL-MALAIKA

"Súplicas, salmos, ex-votos brindámos nessa hora
Pão, vinho e tâmaras da Babel embriagante
E de rosa o encanto
Logo aos teus olhos orando, oferenda imolámos
Da lágrima ardente em dilúvio as gotas juntámos –
Um rosário de pranto." – Cânticos à Dor, de Nazik Al-Malaika


Aos 84 anos, morreu Nazik Al-Malaika, uma das mais solitárias vozes poéticas iraquianas e do conjunto da literatura árabe. No Cairo, a 20 de Junho de 2007.
Desta poetisa, nascida em Bagdade em 1923, a poesia tomou o rumo dos caminhos da introspecção ontológica, levando o pessimismo poético quase ao limite de uma linguagem filosoficamente estóica, de suporte de uma dor intensa, mas também intensamente lírica.
Nazik era a poetisa da tragédia da vida. No entanto, quando publicou a sua primeira antologia há mais de 50 anos, ao utilizar o vocábulo "noite", tornou-o símbolo de poesia, imaginação, sonho, beleza das estrelas, do prodígio do luar sobre o bruxuleante Tigre.
Nazil Al-Malaika representou uma nova tendência como poeta, expressando-a, defendendo-a e auto-analisando-a firme e solitariamente, como pioneira, fosse na crítica literária, na arte poética ou mesmo na sua condição de Mulher, num mundo eminentemente masculino, de supremacia do género.
Por esta razão, podemos afirmar que a sua obra influenciou gerações de poetas. Outros poetas do Iraque, a maioria vivendo no exílio – diz-se que na década de 90 ficaram apenas cinco a residir no país – contudo escrevem uma poesia que caracterizou o estilo poético iraquiano, o qual é classificado desde o tradicional ao moderno, passando pelos limites do experimental, com temas que cobrem territórios comunicacionais como o amor, a guerra, as antigas sanções da ONU, o fascismo, a tortura, a prisão, o exílio, etc. E agora a orfandade da sua Poeta maior, Nazil Al-Malaika, que publicou a última obra em 1997 no Cairo, um conjunto de relatos em que fala do Sol abaixo do seu próprio apogeu. Uma premonição para o estado a que chegou a sua terra, outrora fértil e agora devastada.