sexta-feira, janeiro 28, 2011

A Mãe


Era a morte envergonhada
escondida nestes rostos
tão próximos do chão
pequenos corpos, um dia saberemos
como a morte com sapatos precários
caminhou nestes corpos infantis
como a morte se vergou
nestas costas ao peso
do inverno
Era a morte já tão arruinada
nestas roupas, um dia saberemos
como foram lentos os seus passos
a querer retardar a pressa
dos relógios.

27-1-2011

domingo, janeiro 23, 2011

Não estou a chorar, Mãe

Não estou a chorar, Mãe
é a minha alma que cai pelas faces
Sabes, Mãe? Os meus olhos são teimosos
não se fecham com facilidade
nem quando gotas salgadas
se desprendem do vento
ou quando as árvores
rompem em gorjeios
As lágrimas, Mãe, não são o que parecem
são o amor da alma por esse corpo
que se limita a morrer
Não, não estou a chorar, Mãe
é o silêncio que se torna sólido
este teimoso silêncio
da lágrima.

quinta-feira, janeiro 20, 2011

Almoço na Relva

Sentados sobre a relva
dependentes do chão, presos
da flor que mal nasce
morre, na brisa das árvores
pousados como pássaros
dádiva do alto cume azul
enchem os olhos da fragrância
de um corpo desnudado
eles discretos senhores
que conversam
e esperam que o crepúsculo caia
como véu da tarde.

18-1-2011

segunda-feira, janeiro 10, 2011

O Beijo no Bosque

Fecharam os olhos
os duendes do bosque, o beijo
floriu nos arbustos, nos ramos
do sol, no perfume do vento
crepitou nos lábios
um segredo profundo
lançando raízes
o incêndio no bosque
fecharam os olhos
esquilos e aves
recuperam o canto
à volta do lume.

8-1-2011

domingo, janeiro 09, 2011

O Anjo Indispensável

“I am the necessary angel of earth”
Wallace Stevens

“O anjo necessário/entende a voz do chão”
Cassiano Nunes


O anjo indispensável
estendeu a sua voz no chão
como um almoço sobre a relva
e dos pequenos animais ao espírito
do homem, se entendia a frase
porque era colírio, alfazema, a sua voz
porque ela embalava estrelas pueris
nos nossos olhos, desfazia
os gestos trágicos que trazemos
o anjo indispensável
também cantava, como canta o mar
alto ao lançar de si pequenas ondas
e ao cantar, para o ouvir, a noite
se inclinava ao anjo indispensável
com suas palavras lavadas.

3/1/2010

sábado, janeiro 01, 2011

Os Gatos do Hemingway à chuva e ao sol

A bem dizer, visitar a Casa de Hemingway em Key West, é visitar móveis espanhóis do Séc.XVII, mármores de Murano, a máquina de escrever, da qual -dizem- saiu cerca de 70% da obra do escritor, livros, fotografias, autógrafos do criador de "O Velho e o Mar", espaços que contêm memórias e, sobretudo, os gatos.

Os gatos do Escritor, melhor, a descendência ininterrupta dos gatos do Escritor. Dezenas, com vida própria e cemitério, e tudo.
Gatos com nomes: "Spencer Tracy", "Catherine Hepburn", gatos -actores que sabem estar sob a admiração dos olhares dos visitantes, gatos sobre as camas e os sofás, desinteressados de quem os olha, gatos com poses.

Como este gato do "post-card", que bebe a quase cristalina água de mármore que escorre em mil fios, desde sempre.
Há uma presença, a do Escritor, nesta Casa, há... mas é o nosso imaginário que a vai reconstruindo. O eco do tiro de caçadeira fica muito longe, em Idaho, aqui é a Florida, a derradeira ilha com vista para Cuba.