sábado, agosto 30, 2008

O Tempo que passou

No Centenário
Edição de 1973
BlockquotePoeta
Poeta: uma criança em frente do papel.
Poema: os jogos inocentes,
invenções do menino aborrecido e só.
A pena joga com palavras ocas,
atira-as ao ar a ver se ganha ao jogo.
Os dados caem: são o poema. Ganhou.
(Adolfo Casais Monteiro)

quarta-feira, agosto 27, 2008

Intertextualidade

POEMA PARA UMA RECUSA

Hoje não:
amanhã cantarei
Corsino Fortes


Hoje ainda há uma estrada imóvel
diante de pedras
que é preciso vencer
Por isso, amanhã cantarei

Hoje as palavras são ainda
instáveis e assim
há ainda tropeços que enredam a língua

É preciso hoje ainda
moeda de troca, costumes
para transitar incólume na noite

Hoje não:
amanhã cantarei

Como cantar hoje diante dos grãos
inúteis que caem em pedras
como flutuar com o peso
dos pés sobre os espinhos

Por isso hoje não, amanhã

cantarei amanhã a chuva
sem outro mistério que o da água
o azul sem dúvidas metálicas
o mar como a chave
do horizonte

depois de perceber o rosal puro
do ocaso e o leite da aurora
amanhã cantarei.

25/8/2008

segunda-feira, agosto 25, 2008

Mitologias*

O FILHO DE APOLO

Orgulhoso de se saber filho de Apolo
o imberbe Faetonte insistiu em guiar
o carro do Sol do pai
logo que Eos afastou as cortinas
do Oriente

mas os cavalos indomáveis soltaram-se
loucos pelos ares
queimaram bosques
abriram desertos de areia
estalaram a terra nua
consumiram cidades
ferveram lagos
fizeram negros os africanos
e só pararam quando Faetonte
se precipitou nas águas
como estrela cadente
com o cabelo em chamas

hoje há um cisne negro no rio Erídano
um jovem amigo
que recolheu o corpo
do rapaz presunçoso.


Palmela, Maio de 2008

(Brissos Lino)

* Mitologias é série de poemas que este meu querido amigo está a escrever, ao ceder-me o primeiro veio honrar o Poeta Salutor.

sábado, agosto 23, 2008

(Suicídio é comunicação)

A mulher atirou-se do último andar
e ficou suspensa
nos fios do enredo dos postes
— a comunicar telegraficamente ao mundo
a sua beleza
que a angústia
tornava os cabelos mais livres
ao luto do vento...

(José Gomes Ferreira)

sexta-feira, agosto 22, 2008

O Tempo que passou


BlockquoteFernando Pessoa foi sempre movido pela consciência de ser o intermediário entre o divino e a humanidade e que uma missão, recebida, lhe cumpria desempenhar. Esta consciência move-o no seu percurso literário e culmina, amadurecida e trabalhada, na publicação, em 1934, da sua obra Mensagem. (...) Fernando Pessoa concorreu em Outubro de 1934, com esta obra, ao prémio Antero de Quental, do Secretariado da Propaganda Nacional, destindado a premiar uma obra de índole nacionalista. O primeiro prémio foi atribuído a Vasco Reis, mas o júri, presidido por António Ferro, decidiu elevar a quantia atribuída ao segundo prémio. Esta obra, que é geralmente considerada como a expressão do nacionalismo português é lida como uma obra universalista, tal como quase toda a obra pessoana, por estudiosos de inúmeros países. O seu carácter universalista, que o próprio Fernando Pessoa lhe atribuia, não tardou, pois, a ser-lhe reconhecido.
(Texto da responsabilidade da Universidade Fernando Pessoa)
No livro «Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação»(pg. 433), Pessoa afirma que pôs à venda «Mensagem», "propositadamente em 1 de Dezembro" de 1934.

segunda-feira, agosto 18, 2008

O que viu a mulher de Lot

A terra não acolheu
o repouso da mulher de Lot: de pé
ficou de pé a emergir
das ínfimas moléculas de sal
o sonho branco
afundado no silêncio
não houve manhã seguinte, nem
o emergir da alva.

4-8-2007

quarta-feira, agosto 13, 2008

Encontro


Bernini, Apolo e Dafne

Adeus, Dafne, foi tudo tão breve
um olhar retribuído
pela água verde dos teus olhos
um gesto iluminado
por uma conjunção de cristais
uma palavra
desviada no ar pela limpidez
de uma criança, foi tudo
tão branco
como a inocência da música
tão breve, saindo dos teus lábios.

18-5-2008

sábado, agosto 09, 2008

Morte do poeta palestiniano Mahmoud Darwish

Mahmoud Darwish (13/3/1941 -9/8/2008) was a contemporary Palestinian poet and writer of prose. He has published over thirty volumes of poetry, eight books of prose and has served as the editor of several publications, including: Al-Jadid, Al-Fajr, Shu'un Filistiniyya and Al-Karmel. He is recognized internationally for his poetry, which focuses on his strong affection for his lost homeland. His work has won numerous awards, and has been published in at least twenty-two languages. The majority of his work has not been translated into English.

A propósito da guerra civil entre o Hamas e a Fatah, Darwish escrevera recentemente um poema, cujo início é uma auto-crítica:

BlockquoteTínhamos que cair de tal altura tremenda para ver o sangue
em nossas mãos
para compreender que não somos anjos
como pensávamos?
Tínhamos também que expor nossas falhas ao mundo
para que nossa verdade não permanecesse virgem?
Como mentimos quando dissemos: somos a excepção!

terça-feira, agosto 05, 2008

Gasolina, inéditos sobre Hopper (6)

Room in New York

O sol é o mais alto
sítio de Nova Iorque

Movidas a vazio
as figuras aquecem sofás
bancos de piano
um vestido vermelho lança
para a imaginação o corpo

O interruptor acendeu a solidão.

segunda-feira, agosto 04, 2008

Soljenitsine morre aos 89

Sem poesia

Não fazer poesia sobre acontecimentos, sobretudo quando a realidade ocupa todo um espaço concentracionário.

sexta-feira, agosto 01, 2008

Antigamente em Paris

Antigamente em Paris
podia-se beijar o sol
numa esplanada de café
tranquilamente
deixar escorrer qualquer coisa fresca
pelo prazer abaixo
beber um sonho
sem gás

a vida corria líquida e clara
sem pressas
por dentro das veias

no tempo em que havia tempo
em Paris
podia-se tocar o céu
de olhos fechados.

(Brissos Lino)

in A Ovelha Perdida