domingo, dezembro 31, 2006

"Os Sem Papéis"

Imagem extraída do diário El Mundo

Viajam com as cabeças de fora
cortam a espuma
do vento nas ondas

cortam o rosto com sal
viajam com o corpo
uns dos outros

movem-se
nos olhos
uns dos outros

não perguntes
de onde
vêm

vêm
em direcção a ti-
terra

vêm
como
Ninguém.


30/12/2006

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Intertextualidades:Poema de John Berryman

Separação

O sol corria no céu, o táxi voou;
havia uma espécie de febre no relógio
nessa manhã. Chegamos a Waterloo
sobrando-me tempo, soube encontrar o meu rumo.

O café amargo num pequeno restaurant
permitiu-nos a conversa. Quando o comboio
começou a andar,vi a tua meia-volta
e desapareceste, e as veias do meu cérebro

estouraram, o comboio rugiu, os outros passageiros
saltaram velozes, o ar inconstante
che si cruccia,ouvi os demónios maldizer
e chiar de alegria nesse lugar longe da súplica.

(Tradução de J.T.Parreira)

terça-feira, dezembro 26, 2006

O esplendor em Paris-Orly

O táxi corria contra o caudal
das ruas, um rio volumoso
saltando das margens, peões
carros febris, todos
os relógios contra o seu.

Chegaram ao Paris Orly. Ainda
com tempo para o fogo
interior, amargo
de um café, como fogueira
no centro de um campo de sonhos.

Quando a última voz chamou
os viajantes para o voo, o adeus
e os beijos morreram nos lábios
e lembram-se da meia-volta final
antes de se tornarem voláteis.


23/12/2006

quinta-feira, dezembro 21, 2006

O retorno ao Mito - e.e.cummings


Ao analisar as estatísticas das referências procuradas neste Blog, neste último mês, colocam-se em destaque o poeta e.e.cummings e, designadamente, o poema i carry your heart. Aqui fica uma nossa tradução mais antiga, que extraímos do site Escrita Criativa, e uma curiosidade de 1920.

Buffalo Bill's
Poema de e.e.cummings
Tradução de J.T.Parreira

Buffalo Bill
o defunto
que costumava
montar um garanhão
de prata como água macia
e rebentar umdoistrêsquatrocincotiposdeumavez
oh céus
era um homem bonito
e o que eu desejo saber é
o que lhe parece esse rapaz de olho azul
Senhor Morte

domingo, dezembro 17, 2006

A (minha)posição surrealista

Como um beduíno que vive
ondulando com as dunas,
desprovido de cintilações
de oiro, o meu vestido gasta-se
na minha tenda
acocorada no deserto.
Sou um beduíno, no vento
traspasso-me de areias
curvo-me
para receber o sol
e a sombra,
da oculta mão.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Poema 20

(Fragmento)
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: «A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros, ao longe».

O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a, e às vezes ela também me amou.

Em noites como esta tive-a nos meus braços.
Tantas vezes a beijei sob o céu infinito.

Ela me amou, às vezes eu também a amava.
Como não amar seus grandes olhos fixos.

(Tradução de J.T.Parreira)

terça-feira, dezembro 12, 2006

The Urban Night / A Noite Urbana

Windshine, and the vigilant
lights of lampposts;
spent bonfires
in the washed gray night; window treatments
on a window that coughs
and flails
while twin shadows slip away
still tied
to a last glance. On each balcony
and verandah
there is someone
on the look out
for the naked intimacy
freefalling
from a dark room.

(Tradução de Sergio Facchini)

Brilham no vento as luzes vigilantes
dos candeeiros públicos,
fogueiras
para as noites húmidas,
agitam-se as cortinas
da janela que tosse,
enquanto dois vultos
se esquivam enlaçados
aos últimos olhares,
entre as varandas dos prédios
há quem procure
num quarto nu a intimidade.

sábado, dezembro 09, 2006

A Poesia de Pôr em Cena de Harold Pinter

A obra poética de Pinter, de reduzida dimensão, mistura a dramaticidade com a fala coloquial, quase sem importância, mas com amplos e profundos significados. Diria, quase que esticando um pouco a corda da análise pessoal, que alguns dos seus poemas são em si mesmos trechos de material que se pode encenar. Alguém comentou já que a sua poesia não é poesia, no sentido que atribuímos a esse artefacto literário que é o poema. Essa afirmação não poderá ser tida como definitiva.
A poesia de Harold Pinter carrega em si a mensagem que reflecte um mundo ameaçador e violento, feito das contradições da nossa sociedade e da natureza humana. Como afinal acontece na sua obra dramatúrgica, fazendo da mesma uma das mais importantes do século XX, a meio caminho entre o teatro poético, na poesia da vida quotidiana, e o teatro do absurdo. Pinter não teve de facto as suas personagens à espera de Godot, as suas personagens não esperam nada, o fundamental das mesmas, são as falas sem nenhum significado dos actores. O que nos parece poder intuir-se, salvo melhor opinião, na mediatizada fala de duas personagens, marido e mulher, de uma das suas peças. O marido que pergunta à mulher o que toma, que bebida quer tomar:
-Somos casados há dez anos- responde ela, e apenas isso.
A poesia, alguma poesia de Pinter, também abre várias perspectivas para outros tantos caminhos, apesar de algum laconismo. São poemas para descobrir também os ambientes fechados. Pinter faz com que os poucos poemas que escreveu, comparativamente às suas peças, e tal como estas, revelem o abismo que existe nas conversas ôcas das personagens, nos espaços mais variados das relações humanas em sociedade ou no interior da home. A sua poesia é também «pinteresque», aparentemente usa a língua sem nada comunicar. Mas é o que nos parece... É paradigmático, este já nosso conhecido poema:

Restaurante

Não, você está errado.

Todos são tão belos
como podem possivelmente ser

Particularmente ao almoço
no restaurante que ri

Todos são tão belos
como podem possivelmente ser

e são movidos
pela sua própria beleza

e derramam lágrimas por isso
no fundo do taxi para casa.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Para um retrato de Modigliani

Saltaram dos teus olhos imersos em azul
os meus olhos
para o teu colo esguio

Deviam descer pelo curso
do pescoço como um rio
infinito?

Mas ficariam retidos
no castelo da tua mão
com ameias vigilantes!

domingo, dezembro 03, 2006

Procura



Procurei, procurei, virei-me de olhos para o ar, e enfim, lá estava ele no fundo de 1973, numa das estantes, entre milhares de outras palavras da minha biblioteca. Custou-me então 40$00.

sábado, dezembro 02, 2006

À chuva num campo de milho

Perdeu o orgulho, o cavalo-
à chuva que flutua
mais do que em queda
- montado no vento das suas patas,
baixa a cabeça, a
cabeleira
é agora um inútil
cometa.
Mas não perde a elegância
da figura
há mesmo um certo aprumo
na ruína equestre
de um cavalo à chuva.

29-11-2006

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Antologia de Poesia Cristã em Língua Portuguesa

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Após dois anos de diligente pesquisa, Sammis Reachers concluiu e tornou disponível a todos gratuitamente a Antologia de Poesia Cristã em Língua Portuguesa, reunindo poemas de caráter genuinamente cristão de grandes nomes da literatura lusófona, desde Camões até os dias atuais, passando por escritores e poetas como Machado de Assis, Fernando Pessoa, Alexandre Herculano e muitos outros. Poemas de mais de 80 autores, dentre brasileiros, portugueses e africanos. Textos belíssimos, selecionados a partir de uma perspectiva evangélica. Um verdadeiro presente aos leitores, sejam eles cristãos ou não.