sexta-feira, abril 27, 2012

ESTAÇÃO DOS COMBOIOS

(Estação da CP, Aveiro, foto de Hugo Gamelas)
 
 
 
Não conheço os horários, sei que vem
eu olho e sei nos meus olhos
colocados ao fundo da linha
que chegará, estou em pé na estação
evito
bagagem excessiva
cheguei com minutos suficientes
para esperar esse comboio
que vem sobre as linhas paralelas
do infinito.

27/4/2012


domingo, abril 22, 2012

Quase Naufrágio


As ondas subiam por cima do barco
o barco entrava
no caracol das ondas
o vento subia pelos cabelos
os olhos subiam até às estrelas
os homens lançavam o medo nas vozes


E até a luz da lua
descendo pelas nuvens
fazia desenhos de medo sobre as águas


E no fundo do barco
que pensamentos na cabeça divina
dormem
alheios à tempestade?


21/4/2012



terça-feira, abril 17, 2012

A MULTIDÃO

            


As mãos não tocam no quadro
lançam sinais, roubam
com os olhos a Gioconda
estão a cercá-la de espantos
com os olhos prontos
a levar o sorriso até à fronteira
do mistério
A Gioconda pode repousar
despir-se
do olhar e do sorriso
à noite ficar nua, ninguém
desvenda o segredo atrás do vidro.

17/4/2012

sábado, abril 14, 2012

Tróicas, com um inédito de Brissos Lino



OS NOVOS VAMPIROS

Os antigos atacavam em bandos
pela calada da noite
estes atacam ao meio-dia
em directo na televisão
com um sorriso tímido nos lábios
e um olhar compungido
de mãos postas
como se tivessem dó
das vítimas
e sem nunca sujar o fato caro
nem a gravata fina.
     
11/4/12         
Brissos Lino


TRÓICA (i)  

É um tridente
que nos dói aqui.

TRÓICA (ii)

Eles são muitos
eu pouco.

11/4/2012






sexta-feira, abril 13, 2012

ISTO É UM POEMA?



Diz-se por aí que o Süddeutsche Zeitung (literalmente, Jornal do sul da Alemanha) publicou o mais novo poema de Günther Grass, “Was gesagt werden muss” ("O que deve ser dito"). Neste, Grass critica Israel por seu poderio ...nuclear e pelas ameaças de ataque ao Irão.

É explícito que GG critica Israel, não é assim tão certo, tecnicamente, que se trate de um poema; a não ser que qualquer pedaço de prosa de um Nobel da Literatura, com mais ou menos prosódia, com mais ou menos (no caso, nenhuma) prosopopeia, seja considerado universalmente um poema. Este não é.

A narrativa que aqui temos não é poética, é política.

Obedece a um estilo próprio do autor, é justo referi-lo, no que concerne ao uso de poesia ou prosas poéticas intercaladas nos seus romances. Também ao modo poiético com que o romancista alemão sempre abordou a sua poesia, com poemas datados no sentido do "ano político". GG afirmou-se um dia como "poeta de circunstâncias".

Seja como for, o alegado “poema” do Nobel Gunter Grass, autor dos celebrados e incontornáveis romances “O Tambor” e “O Cão de Hitler”, pelo menos, não suporia vir a ter enquanto artefacto literário, pelo lado da poiética e da ars poetica, qualquer menção especial que não fosse a de puro panfletarismo.

Panfleto prosaico em forma de poema. E deixando correr um rio subterrâneo que leva as águas carregadas de urânio ao moinho do Irão. É o que se lê neste pedaço de prosa, que nem prosa poética é:

“É o suposto direito a um ataque preventivo,
que poderá exterminar o povo iraniano,
conduzido ao júbilo
e organizado por um fanfarrão,
porque na sua jurisdição se suspeita.
do fabrico de uma bomba atômica.”

O autor de “Descascando as cebolas” (uma auto-biografia que também foi polémica), usa o direito inalienável, concordo, da velhice, da idade, para dizer o que, segundo ele, ainda não foi dito:

“Por que motivo só agora digo,
já velho e com a minha última tinta,
que Israel, potência nuclear, coloca em perigo
uma paz mundial já de si frágil?”

À sua própria pergunta, Gunter Grass simultaneamente responde-se numa quase tautologia:

“que Israel, potência nuclear, coloca em perigo
uma paz mundial já de si frágil”

O autor de “O Cão de Hitler”, soberbo romance de tom surrealista que desenvolve a crítica ao período nacional -socialista da Alemanha, vai compondo o seu texto dito poema como se se tratasse de um comunicado de imprensa ou uma peça jornalística, nos quais dirige o leitor para a conclusão prévia sobre a inocência do Irão:

“Agora, contudo, porque o meu país,
acusado uma e outra vez, rotineiramente,
de crimes muito próprios,
sem quaisquer precedentes,
vai entregar a Israel outro submarino
cuja especialidade é dirigir ogivas aniquiladoras
para onde não ficou provada
a existência de uma única bomba, “

Poderíamos continuar, mas basta que se leia o “poema”. E não temos poesia, nem na parte em que se manifesta a garantia de amizade e de união fervorosa ou mística com o “ país de Israel, ao qual estou unido / e quero continuar a estar", nem naquela em que obviamente concordamos : “ da hipocrisia do Ocidente".

Melhor teria sido o próprio autor chamar a este texto o manifesto do romancista Prémio Nobel Gunter Grass. No entanto, é justo dizê-lo, que Grass é poeta e poeta do célebre Grupo 47.

Basta ler poemas, de outro tempo, cujo tom e discurso poemático expressionista tardio, porém afastado da dureza original desse Movimento dos anos 20 alemães, surrealista também, nos interpelam ainda hoje e interpelaram com certeza os alemães desse tempo. O livro “As vantagens das galinhas de vento” (título traduzido do volume em castelhano), de 1956, é paradigmático do que dissemos.

Um poema extraordinário basta, pela sua acutilância, ironia e brevidade comovedora:

Asuntos de Família/ Familiär

En nuestro museo – vamos todos los domingos -,
han inaugurado una sección nueva.
Nuestros hijos abortados, embriones pálidos y serios,
se acurrucan en simples tarros de cristal,
preocupados por el futuro de sus padres.

(Versão em castelhano da obra “Poemas”, Colección Visor de Poesía, Alfaguara, Madrid, 1994)

Assuntos de Família

No nosso museu - vamos todos os domingos-,
inauguraram uma nova secção.
Nossos filhos abortados, embriões pálidos e sérios,
encolhidos em redomas de cristal,
preocupados com o futuro dos seus pais.

(Trad. do alemão e espanhol, por J.T.Parreira)


segunda-feira, abril 09, 2012

A Ressurreição

 
Sem nada por que chorar
senão o túmulo vazio
e dois anjos a arrumarem a casa
vazia para sempre
sem nada sobre o que derramar o seu incenso

as mulheres
recém chegadas ao sepulcro
vão gastar os olhos na vigília

as mulheres sem um corpo onde encostar
o seu olhar silencioso
o fio das suas lágrimas

e regressam, as mulheres
regressam com o vento nas sandálias

as mulheres que vêm com o medo
mas com os cabelos como os ramos
perfumados de alegria.


7/4/2012 

segunda-feira, abril 02, 2012

VINTAGE



O corpo é um espanto na brancura
nu
o olhar se eleva à divindade da matéria
Nos anos vinte a nudez
era a da carne por baixo dos vestidos
e um subtil ardor nos olhos e na boca
um pasmo a espremer um Oh!
Escondido dos olhares
tudo se passava além do vidro.

1/4/2012
"Vintage", fotografia de Robert Doisneau

domingo, abril 01, 2012