“Construam casas para nelas habitarem; plantem hortas e comam do seu fruto.”
Jeremias 29:5
disseram-nos
que construíssemos casas
e as adornássemos de pomares
a toda a volta da nossa vista
aí, dia a dia, faríamos amor
até bisnetos nos nascerem
disseram-nos
que nessa terra ao plantarmos hortas
colheríamos paz, que muros
não haveria que estancassem
os nossos sonhos
nem o flagelo da fome nos puniria
e assim fizemos:
mesmo embutidos entre os rios
toda a terra
é outra Jerusalém
Poema inédito de Rui Miguel Duarte
A Poesia é o assunto do Poema - Wallace Stevens . Este Blog não respeita o Acordo Ortográfico.
terça-feira, março 27, 2012
sábado, março 24, 2012
“DIRTY REALISM”: UM PARADIGMA
In English dictionary: “a style of writing, originating in the US in the 1980s, which depicts in great detail the seamier or more mundane aspects of ordinary life” |
Um movimento literário, como tantos outros que enriqueceram esteticamente a Europa. Todavia, este é originário dos Estados Unidos, da década de 80, e também poderia ser da de 40, no Brasil, com o poema-chave da nova poética de Manuel Bandeira: “Vou lançar a teoria do poeta sórdido”.
E ultrapassa os objectivos da Beat-Generation, que face ao “Dirty Realism” era um movimento de anjos pela estrada fora, embora os anjos não façam literatura, remetem-se apenas, celestialmente, a cantar o milagre celeste dos Salmos. O Realismo Sujo capta inocentes e culpados. Nesta escrita, poética ou em prosa, a narrativa é despida até ao osso. Bandeira antecipou e definiu bem, escrevendo que o poeta sórdido é “aquele em cuja poesia há a marca suja da vida”.
Às vezes, quase sempre, não são os autores que nomeiam o seu movimento, em regra têm sido os jornalistas ( como o Impressionismo assim foi, em 1870). O editor da revista sobre a escrita nova, Granta, Bill Buford baptizou o movimento, como literatura em que a narrativa é despojada de suas características fundamentais.
O Dirty realism nos Estados Unidos reuniu autores como Raimond Carver e Charles Bukowsky, teve mesmo ancestrais próximos como Ernest Hemingway e Henry Miller, sobretudo a prosa despojada, sem receio da crítica da moral, do autor do “Trópico de Câncer”.
A técnica usada, resume-se a utilizar uma escrita na qual se iluminam sobretudo coisas que não se dizem em público. Sobrepõe-se também às regras prescritivas na gramática. Com a economia de palavras. Minimalista. Usa a mecânica de sublinhar a vida, que pode ser o fato branco onde cai uma nódoa. Que quase sempre é assim.
Realismo sujo é a ficção na qual se escreve o que ocorre na voracidade da vida contemporânea - um marido abandonado, uma mãe solteira, um ladrão de carros, um carteirista, um viciado em drogas - mas escreve-se sobre tudo isso com distanciamento perturbador, às vezes beirando a comédia- dizia, na introdução histórica do movimento, a revista Granta.
Alguns dos autores do movimento, esconderam-se atrás das suas personagens. Paradigmaticamente, o poeta Charles Bukowski. Em alemão, a isto chamava-se Maskenfreiheit, a liberdade conferida pelas máscaras. Ezra Pound, muito antes, chamou-lhes Personae.
Dois excertos do poema “Noite Imbecil” e “Pássaro Azul”, de Bukowski,
noite imbecil,
(...)
o dia foi um contínuo inferno
e agora vens
arrastando-te pelos canos
esvaziando a bexiga
por onde vais,
bebi 9 garrafas de cerveja
uma caneca de vodka
fumei 18 cigarros
e ainda te sentas em cima de mim
---------
Há um pássaro azul no meu coração que
quer sair
mas deito-lhe whisky em cima e levo
-lhe o fumo dos cigarros,
e as prostitutas e os criados
(...)nunca ficam a saber
que ele está lá dentro
Aqui estão presentes, em detalhe, descrições numa linha semântica de objectos do quotidiano nos seus aspectos “mais sórdidos ou mundanos da vida comum” - como define o dicionário.
(Traduções dos poemas da versão castelhana )
quinta-feira, março 22, 2012
Poema de Gregory Corso
AOS 25 ANOS
Com um amor e uma loucura por Shelley
Chatterton Rimbaud
o lamento imprudente da minha juventude
foi de ouvido em ouvido:
EU ODEIO OS POETAS VELHOS!
Especialmente aqueles que se desdizem
que consultam outros poetas velhos
que recordam sua mocidade em suspiros,
e dizem: eu escrevi alguns desses
mas isso foi dantes
foi dantes -
Ah eu gostaria de acalmar os velhos
dizendo-lhes: - Sou vosso amigo
o que alguma vez fostes, através de mim
voltareis a ser -
Então uma noite, quando me confiassem suas casas
rasgaria as desculpas da sua língua
e roubaria seus poemas.
in Gasoline
Com um amor e uma loucura por Shelley
Chatterton Rimbaud
o lamento imprudente da minha juventude
foi de ouvido em ouvido:
EU ODEIO OS POETAS VELHOS!
Especialmente aqueles que se desdizem
que consultam outros poetas velhos
que recordam sua mocidade em suspiros,
e dizem: eu escrevi alguns desses
mas isso foi dantes
foi dantes -
Ah eu gostaria de acalmar os velhos
dizendo-lhes: - Sou vosso amigo
o que alguma vez fostes, através de mim
voltareis a ser -
Então uma noite, quando me confiassem suas casas
rasgaria as desculpas da sua língua
e roubaria seus poemas.
in Gasoline
(Trad. J.T.Parreira)
domingo, março 18, 2012
A vista do Cais de Álvaro de Campos
(Foto de Adelino Lyon de Castro, 1952)
“Fiquei a vê-lo: primeiro junto ao cais
com um certo ar simpático”
Mário Cesariny de Vasconcelos
À vista do cais do Álvaro de Campos
na linha do horizonte, há um paquete
um ponto vago a fazer, ao que parece
exercícios de equilíbrio
Começa a ficar nítido o costado
pequeno, negro e sozinho
à sua maneira contra o mar vasto
deixa no ar o Verão com uma nuvem de fumo
Sob o olhar clássico de quem olha
de um cais com a saudade em pedra
e vidro das lágrimas partidas
traz a vida marítima de longe
a bordo para o cais, é real, sozinho
e deixa para trás um mistério.
16/3/2012
“Fiquei a vê-lo: primeiro junto ao cais
com um certo ar simpático”
Mário Cesariny de Vasconcelos
À vista do cais do Álvaro de Campos
na linha do horizonte, há um paquete
um ponto vago a fazer, ao que parece
exercícios de equilíbrio
Começa a ficar nítido o costado
pequeno, negro e sozinho
à sua maneira contra o mar vasto
deixa no ar o Verão com uma nuvem de fumo
Sob o olhar clássico de quem olha
de um cais com a saudade em pedra
e vidro das lágrimas partidas
traz a vida marítima de longe
a bordo para o cais, é real, sozinho
e deixa para trás um mistério.
16/3/2012
quinta-feira, março 15, 2012
A QUEDA
Nus, não nos rompia a vida
nem se rasgava nas arestas
dos ramos das árvores do Jardim
os pássaros eram corpos celestes
menores que os astros
nada ficava esquecido, nada
se esperava, estendia-se a mão
e ardia a mão na mão de Deus
nus, embora deste mundo, os nossos olhos
viam mais além do sol
até aquele dia em que a água
de um fruto nos regou os lábios
para a flor da morte.
11/2011
segunda-feira, março 12, 2012
Numa estação de província
Tentava recordar o rosto
que vinha, fechado na composição
nas palavras a dizer,
que vinha, fechado na composição
nas palavras a dizer,
os olhos que deixara
a crescer noutra cidade, talvez
do outro lado do mar,
o coração,
bateria o coração do mesmo modo
que outrora?
Tentava recordar o que a saudade
deixara crescer no peito
Seria o mesmo, seria outro?
Tentava antecipar o que diria
com o olhar
exausto de descrever a paisagem
e com a voz,
posta em silêncio
do cansaço distante da viagem.
10/3/2012
segunda-feira, março 05, 2012
O SILÊNCIO DE DEUS
O silêncio de Deus é ouro
nos céus, por vezes, aqui na terra
passamos pelo silêncio divino
como pelo escuro, passamos depressa
e não nos surpreende a claridade
das coisas onde Deus detém os olhos
levamos anos
a entender esse silêncio
por exemplo o que levou
minutos a cair do lado esquerdo do Seu Filho
o silêncio
que as pálpebras divinas, fechadas
demoraram, o silêncio de Deus
é como Deus, é como o papel de veludo
amarrotado dos altos oceanos.
5/3/2012
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