terça-feira, junho 26, 2012

AS BARCAS DE CARONTE



 “navegam em mim barcos assustados”
Julio Saraiva

Algum dia
queimaremos as naves de Caronte
Por agora prossegue a obstinada morte
no alfabeto a letra com que vai
começar o nosso nome
Mas ainda o sangue se renova
nos ramos que partem do nosso coração
Algum dia estaremos sentados a ouvir
os anjos a tirar das suas harpas
os silêncios celestiais
Por agora, como Ulisses amarrados
ao mastro do navio, deixamos que as ondas
nos falem ao ouvido.

24/6/2012

segunda-feira, junho 18, 2012

Observar Vagalumes



Da janela defronte da noite
vejo pirilampos
que se movem e param
renovam
e o negrume está carregado de luzes
de pequenos barcos de pesca
na faina nocturna
nas correntes do ar.


18/6/2012

sábado, junho 16, 2012

ENTRE O MADEIRO E A LANÇA

Entre o madeiro e a lança
a cicatriz no peito, o espanto da água
no sangue
inocências misturadas
a lança no coração até ao infinito
do corpo lavrado
e a morte soluça
Entre o madeiro e a lança
o espírito
vai longe às mãos do Pai
e os lábios têm essa doçura
nas últimas palavras.


15/6/2012

terça-feira, junho 12, 2012

A Tentação


Sobre a aridez sem referências
do deserto, o Filho do homem
falou com o frio da noite, espesso
frio como a escuridão sem lugares
onde encostar os olhos, falou
com o sol sem sombras
como o próprio Deus depois de plantar
o jardim, falou sozinho
até que Satan – não o de Dante
lhe pôs pedras no meio do caminho.

12/6/2012
 

terça-feira, junho 05, 2012

SANCHO



Sancho é um corpo universal”
Nélida Piñon


Sancho é largo, quase rente
ao chão, Sancho
avoluma-se na magreza do Quixote

É um gigante, largo
em trânsito no chão manchego
é, por vezes, os olhos do Quixote

O ritmo de Sancho é lento
a realidade vai atrás do brilho
da armadura do Quixote

O moinhos são os panos do vento
Sancho, vestido de pele
e coração, como os conhece de perto.

5/6/2012