segunda-feira, maio 28, 2012

O CINEMA


 “llega la oscuridad y después las / caras gigantescas”
Charles Bukowski

Às vezes, no cinema
enterrados até ao pescoço
na cadeira, à procura no negrume
da vida real
contam-se as pipocas com dedos infantis
os lábios molham-se
admirados num refresco
os rostos maiores que o nosso no ecrã
corpos gigantes
partem o escuro, falam
e nós passivos
na nossa vida banal.

28/5/2012
 

sexta-feira, maio 18, 2012

Maremoto



 “mon malheur (...)
observe un silence d’océan”
 
René Depestre 



O oceano observa depois
o nosso infortúnio
em silêncio

as espumas iluminam
os areais, após o fio
das navalhas dilacerar
por dentro a terra

depois
do cume das ondas gigantes
que inunda de frio
os homens

por agora quando observamos
o mar
fazemo-lo
em grande silêncio

17/5/2012

quarta-feira, maio 16, 2012

OS COMENTADORES




Deixem Atenas respirar
à borda do Egeu
o ar de vidro transparente
e claro que corre do Egeu
Deixem que goze as sombras brancas
no sol das suas casas claras
poderíamos deixar a Grécia em paz


Que falta faz Platão
para verter grinaldas nas cabeças
dos homens e mulheres
que sabem tanto sobre os gregos
como dormem, comem, gastam
o seu corpo no amor, gastam
o que é nosso – dizem eles


Platão mandá-los-á para fora da cidade
entregues à mimésis uns dos outros.

terça-feira, maio 08, 2012

A Dança de Salomé


Valeu uma cabeça, o corpo
a sair dos véus, a luxúria
enlaçava os braços
nus dançando, os olhos
seduzindo a morte,
como poços negros
convidavam
ao prazer da carne
mais escondido.

Valeu uma cabeça, cada perna
a esgrimir com os desejos
como um florete frio.

Valeu uma cabeça, a bela
cabeleira a fustigar
o ar enlouquecido.

8/5/2012

quinta-feira, maio 03, 2012

JESUS EM MÁS COMPANHIAS


 Jesus em más companhias
- dizia o olho humano
arranhavam as línguas
das víboras

E o vaso quebrado com unguento
Seus pés enxutos
nos cabelos de mulher
E o sábado dessagrado

E a porta larga de Mateus
E a alegria à mesa posta pelos publicanos
disseram

até dos Seus olhos que fugiam
da multidão para os ramos da figueira
onde o Zaqueu crescia.

1/5/2012



 

terça-feira, maio 01, 2012

Nota talvez poética


Já escrevi poemas em Paris e Nova Iorque e pus as datas
Mil novecentos e noventa e pouco, hoje
mais velho e mais humilde
escrevo em casa
e deixo a minha gata passear
sobre eles.

1/5/2012