sábado, junho 02, 2007

As Ceifeiras de Pessoa e Wordsworth

Um século com as suas crises de romantismo, simbolismo e futurismo se entrepõe entre a romantizada ceifeira de William Wordsworth e a ceifeira modernista de Fernando Pessoa.
A primeira, vê-se sob a luz do bucolismo da viagem do poeta inglês à Escócia, em 1803; a segunda é vista na imaginação de Pessoa, a partir da urbanidade de Lisboa, datada antes de 19-1-1915.
Uma é toda realidade bucólica, a outra é argumento para o pensamento filosófico sobre o Ser; a «escocesa» é apenas uma ceifeira, a «portuguesa» é ícone para o mistério ontológico. Claro que a primeira é um retrato poético de um poeta romântico, a segunda é um poema de Pessoa, que -parafraseando o próprio- tem mais razões para escrever que a vida.

ONDE PESSOA FOI BUSCAR A SUA CEIFEIRA?

Nas várias obras que o poeta português exibia nas estantes da sua posteriormente chamada Biblioteca Fernandina, como nas incalculáveis e diversificadas leituras que foi fazendo enquanto duraram os seus óculos.
Nessa mistura de livros avultam as obras críticas e as obras de poesia do romantismo inglês.
A relação entre a obra poética heterónima e ortónima de Pessoa com os livros que leu, o que o poeta terá ou não assimilado, torna-se hoje impossível pelo lado do acesso a esses volumes. É sabido, nos meios pessoanos, que Pessoa «vendeu livros para aquisição de outros, ofereceu livros a amigos, perdeu alguns como resultado de mudanças de residência e arrumações apressadas.»
Há, no entanto, mais do que uma simples relação entre leituras, ou uma predisposição para estar simplesmente ao serviço das musas da inspiração sobre qualquer coisa como ceifeiras, salvo melhor opinião.
Entre os versos iniciais do poema pessoano (vd. Poesias, Ática, 1973, pág. 110 ) «Ela canta, pobre ceifeira, \ Julgando-se feliz talvez», e os 5º e 6º versos da primeira estrofe do poema de Wordsworth, «Sozinha ceifa no mundo \ E canta melancolia», não é apenas a mobilidade do tempo que transcorre, mas uma mistura de características que se presume unirem para identificar a actividade, a atitude e o estado psicológico da «mesma» ceifeira. Em ambos os poetas a personagem passa pelo mundo com idêntica melancolia e em ambos os retratos existe, no fundo, igual tendência para a filosofia.
De facto, tanto em Fernando Pessoa como no poeta romântico inglês, ambos os poemas se iniciam com o recurso a bucolismos, para partirem finalmente rumo à filosofia da tristeza, à análise do ser, ao estado de solidão, ao auto-convencimento de que se é «feliz talvez ». Em qualquer dos casos, sobe-se da beleza bucólica do campo para um patamar de suposto pessimismo quanto à vida.
Porém, este aspecto tendente à filosofia está mais presente no autor português. Nos versos da «Ceifeira», como em quase toda a sua poesia, a poética pessoana nunca foi, não é ainda e nem será jamais isolada da filosofia, tanto no fundo como na forma.
Assim é esta poesia que começa por uma exclamação admirativa, não tanto do cantar da ceifeira, mas de que pesando as circunstâncias «Ela canta, pobre ceifeira.»

1 comentário:

João Filipe Ferreira disse...

ola poeta:)
gostei de um texto que escreveu no luso poemas..e como tal vim visitá-lo no seu cantinho

muitos parabens, volte a participar em www.luso-poemas.net

muitas felicidades