A Poesia é o assunto do Poema - Wallace Stevens . Este Blog não respeita o Acordo Ortográfico.
terça-feira, dezembro 30, 2008
Ezra Pound, Pedro e Inês
CANTO XXX (Excerto)
Time is the evil. Evil.
A day, and a day
Walked the young Pedro baffled,
a day, and a day
After Ignez was murdered.
Came the Lords in Lisboa
a day, and a day
In homage. Seated there
dead eyes,
Dead hair under crown,
The King still young there beside her.
CANTO XXX
O tempo é o mal. Mal.
Um dia, e um dia
Andava desorientado o jovem Pedro,
um dia, e um dia
Depois de Inês ser morta.
Chegam de Lisboa os Nobres
um dia, e um dia
Em homenagens. Sentada ali
olhos mortos,
Cabelo morto sob a coroa,
E lá o Rei ainda jovem a seu lado.
(Trad.J.T.Parreira)
sexta-feira, dezembro 26, 2008
Harold Pinter, 10/10/1930 — 24/12/2008
A obra poética de Pinter, de reduzida dimensão, mistura a dramaticidade com a fala coloquial, quase sem importância, mas com amplos e profundos significados. Diria, quase que esticando um pouco a corda da análise pessoal, que alguns dos seus poemas são em si mesmos trechos de material que se pode encenar. Alguém comentou já que a sua poesia não é poesia, no sentido que atribuímos a esse artefacto literário que é o poema. Essa afirmação não poderá ser tida como definitiva.
A poesia de Harold Pinter carrega em si a mensagem que reflecte um mundo ameaçador e violento, feito das contradições da nossa sociedade e da natureza humana. Como afinal acontece na sua obra dramatúrgica, fazendo da mesma uma das mais importantes do século XX, a meio caminho entre o teatro poético, na poesia da vida quotidiana, e o teatro do absurdo. Pinter não teve de facto as suas personagens à espera de Godot, as suas personagens não esperam nada, o fundamental das mesmas, são as falas sem nenhum significado dos actores. O que nos parece poder intuir-se, salvo melhor opinião, na mediatizada fala de duas personagens, marido e mulher, de uma das suas peças. O marido que pergunta à mulher o que toma, que bebida quer tomar:
-Somos casados há dez anos- responde ela, e apenas isso.
A poesia, alguma poesia de Pinter, também abre várias perspectivas para outros tantos caminhos, apesar de algum laconismo. São poemas para descobrir também os ambientes fechados. Pinter faz com que os poucos poemas que escreveu, comparativamente às suas peças, e tal como estas, revelem o abismo que existe nas conversas ôcas das personagens, nos espaços mais variados das relações humanas em sociedade ou no interior da home. A sua poesia é também «pinteresque», aparentemente usa a língua sem nada comunicar. Mas é o que nos parece... É paradigmático, este já nosso conhecido poema:
Restaurante
Não, você está errado.
Todos são tão belos
como podem possivelmente ser
Particularmente ao almoço
no restaurante que ri
Todos são tão belos
como podem possivelmente ser
e são movidos
pela sua própria beleza
e derramam lágrimas por isso
no fundo do taxi para casa.
(Textos já publicados aqui em Dezº 2006)
To My Wife
I was dead and now I live
You took my hand
I blindly died
You took my hand
You watched me die
And found my life
You were my life
When I was dead
You are my life
And so I live
Harold Pinter
June 2004
quinta-feira, dezembro 25, 2008
A Festa
Só o boi e o jumento comparecem.
E os anjos em multidão
já não desferem o cântico
- que é o céu caindo na noite.
Na grande hospedaria do azul,
no mundo, ou apenas em metade
do mundo, as manjedouras dormem
vazias.
As mãos dos homens sentem
o que faz o coração, fecham
as janelas de Belém
uma vez mais sobre os ruídos.
Sobre quem passa preso à vida.
1992
segunda-feira, dezembro 22, 2008
Uma poesia de Adrian Mitchell
No alto da escada
Peço-lhe a mão. Sim.
Dá-me a mão.
Escondo-a até ao pulso
Com a minha palma,
Um pequeno volume consolador.
Tomamos todo o tempo
Para descer a íngreme
escada alcatifada
Desejando eu em silêncio
Que a escada não tenha fim.
(Traduzida da Revista Prometeo, Medellín, 2001, por JTP)
domingo, dezembro 21, 2008
Morreu o poeta inglês Adrian Mitchell
O poeta Adrian Mitchell, cujas obras sobre guerra nuclear, Vietname e racismo eram cantadas em manifestações da esquerda, morreu aos 76 anos de idade, informou a AP.
To Whom It May Concern
I was run over by the truth one day.
Ever since the accident I've walked this way
So stick my legs in plaster
Tell me lies about Vietnam.
Heard the alarm clock screaming with pain,
Couldn't find myself so I went back to sleep again
So fill my ears with silver
Stick my legs in plaster
Tell me lies about Vietnam.
(Excerto)
quinta-feira, dezembro 18, 2008
O Cão de Ulisses
terça-feira, dezembro 16, 2008
Colored
domingo, dezembro 14, 2008
O Salmo dos Degraus
Eu vejo-os pelos ombros, cordeiros
atados nas cordas da mudez.
Aguardam a sonolência da morte.
Vão pelas sombras, curvando
a solidão nas suas costas,
sobem não tendo horizontes
senão as nuvens,
não têm poços, nem estrelas
como orvalho que entretece o céu.
Os caminhantes percorrendo os montes
tenho-os visto, pequenos
orifícios nos sapatos
que pisam caminhos sem regresso.
12/12/2008
quinta-feira, dezembro 11, 2008
1922 do nascimento da Literatura da Existência
A Primeira Guerra Mundial terminara em 11 de Novembro de 1918, as ruínas da velha Europa foram herdadas e entraram pela nova ainda algum tempo depois.
O grande poema de 433 versos de Eliot é a visão do mítico Tirésias, um velho cego, que vê e nos ensina a ver o passado e o futuro no pensamento, na imaginação, misturando memória e desejo.
Era «Um monte de imagens quebradas, onde o sol bate », a imagem que a Europa oferecia ao filho do homem do fim da primeira década do século XX.
Multidões caminhando em círculo, diz o poeta no verso 55º, é bem a imagem da desorientação do homem num mundo em ruínas, ruínas da moral, do que é suposto ser verdade, das relações, ruínas que são o amálgama religioso com os seus sincretismos, de ontem e de hoje. O poeta precisa a visão dessa multidão de homens: «Uma multidão fluia sobre a Ponte de Londres, tantos, \ Eu não pensava que a morte tivesse destruído tantos.» A Bíblia Sagrada desde a Queda apontou esse tipo de morte na humanidade, homens mortos espiritual e psicologicamente. E tanto o pós-guerra da I como o da II Guerra Mundial, nos apresenta no quotidiano essa humanidade sobrevivente, solitária e «demente» à procura de razões e de valores, em demanda de si própria.
Passadas já mais de oito décadas, causas e feitos continuam as mesmas, sendo que hoje a recusa ao divino e aos valores espirituais, éticos e morais, assumiram moderníssimas e sofisticadas formas.
O SEGUNDO TÍTULO, «ANABASE»
O título desta obra poética de Saint-John Perse, publicada em 1922, é uma palavra grega que em síntese significa «expedição para o interior», ou que se associa a escalada até ao imo de algum lugar.
Este poema inteiriço e disposto em 10 partes é uma peregrinação a partir do mar, das origens, para dentro do próprio homem, do seu entendimento como humanidade. É a arquitectura do ser humano a partir do chão, do solo, onde se fundou. «Estabelecendo-me com honra sobre três grandes estações, auguro bem do solo onde fundei a minha lei », desde o início nos confere, quanto a nós, a dimensão dos primeiros passos do homem na terra, até à sublimidade do projecto para que o homem fora criado, em qualquer circunstância, para viver e se espalhar:
«Homens, gente de poeira e de qualquer figura, gente de negócio e de lazer (...) gente dos vales e dos planaltos e dos mais altos declives deste mundo(...) farejam indícios, sementes e confessam desalentos a oeste; seguem pistas, estações, erguem tendas no vento leve da aurora; ó prospectores de pontos d|água na crosta do mundo(...).
O mundo e a peregrinação do homem, a sua escalada da base de uma solidão afastada do divino por incorrer na desobediência e no primeiro pecado, no Éden, para onde? O início das primeiras ruínas a partir do assassínio de Abel, é o que podemos entrever neste poema como o lugar atingido. Tal peregrinção é, contudo, uma belíssima tentativa não lograda de alcançar um lugar onde o sol esteja mais perto. «Depois de tanto tempo a caminharmos para oeste » o que é que o homem do século XX conseguiu?
ELEGIAS DE DUINO, RAINER MARIA RILKE
Os motivos condutores, como se diz, da obra poética de Rilke, «o último dos poetas imortais», são Deus e a Morte. Estas duas matrizes continuam a revelar-se nas Elegias, que o poeta de expressão alemã compôs no castelo de Duíno, perto de Trieste, sobre o mar Adriático, e revelam-se como em imagens presas que trazia em si há muito, e que a hecatombe da I Guerra Mundial, principalmente, terá feito eclodir em poesia que atingiu o estatuto de mítica. Iniciado em 1910 e completado também em 1922, o conjunto das Elegias repete o canto preocupado do escritor. Publica as suas elegias três anos antes de morrer com leucemia, em 1926.
«Que fazes tu, poeta? Diz! - Eu canto | Mas o mortal e monstruoso espanto | Como o suportas, como aceitas? - Canto.» (Trad. Jorge de Sena )
Clamor solitário ante a hecatombe, como alguém escreveu, os seus poemas a partir daquela data afastam-se, perceptivelmente, do Deus da Bíblia Sagrada, sobre o Qual tão bem canta nos poemas de anos muito anteriores, de antes da Guerra.
Estes são meditações religiosas nas quais se harmonizam um catolicismo do sul, por ser de cultura austríaca, e um protestantismo de Alemanha do Norte, ambos no entanto com uma visão sobre Deus. «Só quando desdobram as asas| é que despertam qualquer vento: | Como se Deus, com as suas largas | mãos de estatuário, passasse | as folhas do escuro Livro do Princípio ». (do poema Os Anjos, trad. Prof.Paulo Quintela) ou do «Livro de Horas» (1902): «ETERNO, a mim vieste revelar-Te.|(...)| Leio então novas de ti: o Evangelista | escreve por toda a parte da tua eternidade.»
As Elegias são, na verdade, de outro lugar, são um espelho interior partido porque reflecte a realidade que o poeta observou. Pedaços de espelho que reflectem, afinal, com estética e com alguma crueza, todos os momentos do real, espaços, mulheres, homens, anjos. Um dos versos mais profundos da primeira elegia, exprime isso, e torna-se mesmo uma dicotomia ligando o belo e o terrível: «o belo apenas é o começo do terrível ».
«ULYSSES», DE JAMES JOYCE, 8OO PÁGINAS DE UMA VISÃO
Escorado numa ficção que recorre aos dias e trabalhos de Ulisses e de outras personagens da Odisseia, de Homero, em pé sobre as mesmas ruínas dos primeiros vinte anos do século XX, James Joyce escreve uma admirável, polémica e, por vezes, impenetrável obra literária, que o ano de 1922 vê à luz enevoada e fria de Fevereiro em Paris, onde o escritor então se radicou. Ulysses é, talvez, a única e verdadeira obra total do século passado, pois abarca o poema, o drama, a comédia, o ensaio, o sermão, a ópera. O mundo pôde ver-se aí retratado, desde as ruínas da I Guerra que deixou a Europa viúva (1917) até ao começo dos anos vinte frivolos e fáceis (1921), datas entre as quais o livro foi escrito.
No entanto, Ulysses nada tem a ver com essa terrível guerra, o seu leitmotiv e suas alusões às ruínas da Europa são outras.
Desde logo as ruínas da hipocrisia anglo-saxónica - o livro foi proibido por ser alegadamente pornográfico. Depois, uma alusão a ruínas de um relacionamento, o do confronto de duas raças que já prosseguia na Europa, a raça judia ( do protagonista Leopold Bloom ) e os europeus. Finalmente, ruinas ocultas na aparente inocência de um dia como outro qualquer dia, um dia vulgar - o dia 16 de Junho de... 1904; o jornal de Dublin, The Irish Times, desse dia anunciava, na realidade, coisas diversas: notícias sobre a guerra Rússia-Japão; a agitação do mercado bolsista na América por causa do aumento de capital de uma grande empresa, a Southern Pacific; 500 pessoas, principalmente crianças, que morreram num incêndio a bordo de um barco a vapor nas águas do East River, no porto de Nova Iorque; um julgamento mediático do crime de adulteração de leite; etc.
Mas é no decurso de um dia semelhante ao mais vulgar dos dias, que a vida de um homem e de uma cidade se desenrola, sem desgraças nem eventos excepcionais, numa profecia dos tempos cinzentos, da apatia e do tédio com a Europa entorpecida a preparar as verdadeiras ruínas da I Guerra e, depois, os anos em que os ovos da serpente do bolchevismo, do fascismo e do nazismo iriam ser postos a chocar. No entanto a volumosa e invulgar obra, do ponto de vista da narrativa convencional, foi escrita na Europa Continental entre 1914 e 1921. James Joyce agarrou a Odisseia de Homero e modernizou-a e deu às suas personagens uma cidade do mundo real, Dublin, que está, como se sabe, numa ilha.
EPÍLOGO
Vastos territórios da literatura da existência, como alguém lhes chamou, estas quatro obras publicadas entre os despojos do mundo saído de uma grande guerra terrível, em 1922 lançaram as bases para o homem se pensar a si próprio, mas não desligado do divino, ainda que a gramática da escrita e do pensamento pudesse indiciar o contrário, isto é, um ateísmo por princípio, que não foi o caso, felizmente para a grande literatura do século XX.
Ano de publicações-chave para a literatura mundial com a qual se contribuiu para uma análise do homem e visão do mundo, do ano de 1922 bem se pode dizer, fazendo côro com T.S.Eliot, que com estes fragmentos de beleza escoramos nossas ruínas. Ainda que para novas ruínas.
terça-feira, dezembro 09, 2008
Equivocou-se a pomba
Se equivocó la paloma.
Por ir al norte, fue al sur.
Rafael Alberti
Em círculos brancos,
reflectiu-se na água, voava
a pomba equivocada ,
o seu beiral , o seu balcão,
são agora
o largo mar,
entre o sul e o norte,
no círculo de lume, o sol
a ofuscava.
Se equivocava a pomba
de girassol, voava perto
aquecendo as asas.
8/12/2008
segunda-feira, dezembro 08, 2008
Exercício de escrita
pede-me o mar no corpo
a morrer.
Porque são pobres
os livros junto à boca
nada dizem sobre a árvore
que dentro de mim avança.
Este dia é preciso, como exercício
de paciência,
de outro modo não acharei o voo
certeiro
límpido e veloz
que falta para o som
da mudança.
(Rosa Maria Oliveira)
Poema do livro da autora, O Voo da Enxada, edição da Junta de Freguesia de Vera-Cruz, Aveiro, 2004, pp. 12.
domingo, dezembro 07, 2008
Penélope
Não embarcaste nas naus
de sólida madeira.
Nem foste à fortaleza
de Tróia,
ficaste em casa a dobar
o tempo e a fiar
a malha suave que teu corpo
guarda,
virtuosa rocha de Ítaca.
E puseste véus brilhantes
para esconder nos olhos
a lágrima brilhante
das saudades,
pensavas que em Tróia perdeu
Ulisses
a nave do regresso.
terça-feira, dezembro 02, 2008
A Casa no deserto
A casa estava assim, anos
a fio como o deserto, dançava
nas miragens do sol derramado
às vezes brancura, outras vezes
areia, alguém chamava de longe
depois de meses ao sabor das dunas
alguém erguia os olhos
entre véus de vento, a casa
estava no meio das tempestades
das estrelas, assim nua
e desejada.
(Depois de ler Le Clézio, 11/2008)
domingo, novembro 30, 2008
sábado, novembro 29, 2008
Gasolina, inéditos sobre Hopper (8)
MORNING SUN
Se um dia partires
de Ítaca, que seja por romperes
o manto que fizeste nos teus olhos
Sobre os telhados o ar
será mais leve
Nem Lestrigões nem Ciclopes
estarão à espreita nos degraus
do sonho
Se um dia partires de Ítaca
que não seja pelo desânimo,
que não seja
mais que pela riqueza do caminho.
28-11-2008
quinta-feira, novembro 27, 2008
Mulheres da Índia
a esperança e a boca
por detrás do sari colorido
ornamentam as horas
com pechisbeques
em forma de pulseira
e os olhos negros, sofredores
estranham qualquer outro olhar
até mesmo o beijo solar
na testa o pequeno tilak
na alma o ferrete
da sua condição.
(Brissos Lino)
in A Ovelha Perdida
terça-feira, novembro 25, 2008
O que não se sabe
O Espelho, Magritte
El viento no lo sabe
Dámaso Alonso
A onda não o sabe.
O coração do mar
que não aconchega o amor
pelas terras doloridas,
e o vento,
que arma ciladas à vela do navio
nas noites sem ternura.
Nada sabem. O raio
que força os arcanos
da floresta, não o sabe
como beijo de um céu em fogo.
E o trovão, que ensurdece
por completo o silêncio,
não o sabe também.
E a roda do sol
que ofusca o céu vazio,
e o deserto que modela a noite
no dorso das suas dunas,
não o sabem. Nem as chuvas
que tinem nas cordas invisíveis
das vidraças.
1-11-2008
sábado, novembro 22, 2008
Haiku de Jack Kerouac
DOIS HAIKU DE KEROUAC
Haiku (Birds singing...)
Birds singing
in the dark
—Rainy dawn.
Pássaros cantando
no escuro
–Chuvoso despontar.
Haiku (The low yellow...)
The low yellow
moon above the
Quiet lamplit house.
A palidez
da lua sobre a
Quietude da casa iluminada.
(Trad.J.T.Parreira)
E UM ESPÚRIO
Sob a palidez
da luz da lua
a iluminação pública.
22/11/2008
terça-feira, novembro 18, 2008
Anjos sobre os ombros
ya no se me ven las alas.
Rafael Alberti
Anjos sobre os seus ombros
uma pluma de cisne a vogar
no sol-posto sobre a água
No cabide dos seus ossos
como o peso das nuvens
ou sandálias de algodão
Leva anjos sobre os seus ombros
não quer o desequilíbrio de nenhum
quando passa, sobre o fio do mundo.
17/11/2008
segunda-feira, novembro 17, 2008
Passagens de nível na imaginação
sexta-feira, novembro 14, 2008
Há tardes
(Florentino Lavrador, Abidjan, Côte d'Ivoire)
quinta-feira, novembro 13, 2008
O original, a tradução e o make it new
Na margem sentado, molho os pés
na tristeza
as águas turvam
o meu reflexo
-eu impresso
na seda das águas?,reuno
com o copo
das mãos
a espuma
do meu rosto.
__________________________________________
A river called sadness
by JTParreira
2008 November 12
Remember? We sat on a border, wetting
the feet in sadness
The troubled waters
shaking our reflexes
We are printed
in water's silk inside? Let's reunite
on the hands of glass
the foam
of our face.
in Literary Kicks
________________________________________
UM RIO A QUE CHAMAM TRISTEZA
Lembras-te? Estavamos sentados na margem, molhando
os pés na tristeza
as águas tumultuosas
agitavam o nosso reflexo
Nós impressos
dentro da seda das águas? Reunamos
no copo das mãos
a espuma
do nosso rosto.
12/11/2008
terça-feira, novembro 11, 2008
Na mesa do Shabbath
Há aconchego na mesa
do Shabbath
entre os pães asmos e a luz do Menorah
uma devoção suave habita
entre o vinho da comunhão
o azeite kosher
e as orações da família
dos adoradores
na mesa do Shabbath
cultiva-se o favor do Senhor
Shamah, Israel.
(Brissos Lino)
11/08
Poema inédito que o Poeta, meu velho amigo, fez chegar ao Blog. Reflecte uma relação intimamente religiosa, mas também quer recordar um tempo da história contemporânea que não deve ser esquecido, sobretudo na Europa.
sexta-feira, novembro 07, 2008
Um poema de Barack Obama
Em 1981, Barack Obama publicou dois poemas na revista literária do Occidental College, Feast; a revista The New Yorker recuperou-os e veio a publicá-los em 2007. Com a devida vénia, publicamos um.
Underground
Under water grottos, caverns
Filled with apes
That eat figs.
Stepping on the figs
That the apes
Eat, they crunch.
The apes howl, bare
Their fangs, dance,
Tumble in the
Rushing water,
Musty, wet pelts
Glistening in the blue.
(Barack Obama, Presidente eleito dos E.U.A)
quinta-feira, novembro 06, 2008
Na ausência de espelhos
Havia já muito tempo que ninguém
em Auschwitz tinha um espelho
não reconheceriam a sageza
no rosto, nem as covas
onde lançaram os olhos
nem os lábios, como uma linha
de medos
ninguém tinha pensado nisso antes
nos espelhos.
Sem os espelhos qualquer um
era igual ao outro, via-se
no outro, os espelhos
poderiam ser usados contra o próprio.
Em Auschwitz, por falta de espelhos
ninguém continuou a ser pessoa.
4/11/2008
quarta-feira, novembro 05, 2008
A América muda de pele.
"Barack Obama nosso próximo Presidente"- afirma o Chicago Tribune.
Em 1961, a América mudou de rosto, com John Kennedy; hoje muda de pele com Obama, está a caminho de se tornar Bela, mas ainda falta muito para, como desejava Allen Ginsberg, poder entrar no supermercado e comprar tudo o que precisa com a sua beleza.
segunda-feira, novembro 03, 2008
Dámaso Alonso, a Indagação da Poesia
A indagação foi a arma lírica que Dámaso Alonso (Madrid, 1898-1990) incorporou na sua poesia, comprometido com a realidade espanhola, mas também com Deus, no sentido de dizer das suas preocupações filosóficas sobre a natureza e os atributos do Criador.
Poeta de inquirições metafísicas, o autor de Hijos de la Ira soube transpor as mesmas para a linguagem poética, utilizando significantes, díriamos formas comuns tanto urbanas quanto rurais, por exemplo:
Madri; grandes rosales; tristes azucenas; horto; adubo; úberes quentes; vaca; los rebãnos; manso río; el otõnal paisage; polvorienta huella del camino; ou estes versos de magistral ruralidade: y en el reloj del muro el Sol ponía/ la irreparable hora del descanso.
Nem todos os seus poemas, na totalidade da sua obra, indagam. No que o próprio poeta madrileno qualifica de poemas puros existem observações, mas não perguntas.
Oh Dios,
No me atormentes más.
Dime qué significan
Estos espantos que me rodean.
Não aquelas que ao interpelar vão ao fundo da matéria poética e revolvem no magma o cerne da sustentação da compreensibilidade do universo, como os poemas das livros Hijos de la Ira e Oscura noticia, nos quais se coloca a problemática religiosa do querer crer.
Embora em 1921 começasse um poema sob o exordo de Juan Ramón Jimenéz, Cómo era, Dios mío, como era?, que parece ser acerca da memória, qualquer coisa (uma porta?) sem forma e que não cabe numa forma. Esses poemas do princípio estavam distantes das questões metafísicas, também só na aparência pareciam longínquos da existência quotidiana. Ainda eram polidos e rigorosos, sem angústias, e alguns deles pura arte poética, sobre a matéria prima de que se compõe o poema: as palavras. Visões da vida idealizada em conflito com o que era já uma propensão para o realismo.
As suas perguntas resultaram do choque da sua concepção religiosa da vida, por um lado, e, por outro, de um conceito existêncial avant la lettre, sem nada que ver com o conhecido existencialismo da leitura de Jean-Paul Sartre.
Insomnio
(...)
Y paso largas horas preguntándole a Dios, preguntándole
por qué se pudre lentamente mi alma.
A descrição inicial de Madrid como uma cidade de mais de um milhão de cadáveres - Madri es una ciudad de más de un millón de cadáveres( según las últimas estadísticas) - no poema datado de 1940, quando uma estatística oficial apontava esse número como população madrilena , liga o poeta à cidade no seu exílio interior e fá-lo revolver-se na noite e incorporar-se nesse nicho em que havia 45 anos apodrecia, não dá apenas um local para o homem público da Espanha da guerra civil sofrer as suas perplexidades e seus medos. Vai introduzi-lo como protagonista - e nunca a palavra teve tanto significado a partir da agonia- num espaço mais vasto, o Universo, numa existência em que faz sentido a pergunta angustiada perante a vida.
De resto, Dámaso Alonso pertenceu áquele pequeno grupo de poetas, da Geração de 27 claro, mas, sobretudo, dos poetas a que chamaram do «desarraigo existencial», os desenraizados existencialmente ou do exílio interior a partir da década de 30 e que chegavam desde Unamuno, um dos Mestres modernos da poesia espanhola do Século XX.
Em concreto, o poema Insomnio é um poema que relança imagens e metáforas relacionadas com a morte e a procura de sentido para a vida humana, no meio da catástrofe que se abatia sobre a Europa. E apesar de outras leituras está na linha poética do existencialismo, a alegada ausência de Deus e a solidão do homem na cidade destruída, que é sobremodo toda a linha de conteúdo do livro Hijos de la Ira.
Todavia a despeito da sua dureza, este poema, perfeitamente datado e localizado historicamente, não erradica do ponto de vista da idealidade a procura de visões esperançadas de Deus.
Dime, qué huerto quieres abonar con nuestra podredumbre?
Temes que se te sequen los grandes rosales del día,
las tristes azucenas letales de tus noches?
Esta indagação carrega em si o anseio de compreender, ainda que sobrenade em pessimismo e cepticismo alonsinos. Por seu turno porta também na sua linguagem metafórica e altamente poética (da poesia pura), dentro dos efeitos da linguagem quotidiana, um rasgo de compreensão pelo que o poeta supõe ser de igual maneira a solidão divina.
Dámaso Alonso, contrariamente a outros poetas espanhóis da sua célebre geração ( a de 1927), foi um poeta afinal solidário com Deus, sem que fosse estritamente metafísico. Foi mesmo num ou noutro poema, bíblico. Desde logo pela epígrafe inicial do livro em latim, as palavras do apóstolo Paulo: E éramos por natureza filhos da ira, como os outros também. Ef, II,3.
sexta-feira, outubro 31, 2008
"É a hora !"
quinta-feira, outubro 30, 2008
Pescador
domingo, outubro 26, 2008
Gasolina, inéditos sobre Hopper (7)
sábado, outubro 25, 2008
Desdobramentos (1)
Fernando Pessoa não só se desdobrou, diria intratextualizou em poetas, com os heterónimos, como se desdobrou também tanto quanto se sabe em leituras várias. Numa designada lista bibliográfica -livros citados ou detidos pelo Poeta- ficamos a saber desse pormenor. António Pina Coelho que estuda e divulga os livros lidos pelo Poeta em «Os Fundamentos Filosóficos de Obra de Fernando Pessoa », introduz-nos nesse universo.
Sabe-se, portanto, que terá lido Platão e Aristóteles, Kant e Nietzche.
Ainda que seguindo um impulso de subjectividade quanto a alguns poemas do Pessoa ortónimo e heterónimo, o conteúdo e a própria forma de alguns deles levam-nos a pensar em outros textos de outros poetas. O pensamento lírico, sobretudo, com que os textos se relacionam.
Existe de facto uma intertextualidade em Pessoa. Referências (subjectivas), alusões, paráfrases, epígrafes são algumas das formas de intertextualidade, que cruzam os textos de muitos autores. É um diálogo, por vezes não procurado, outras será o resultado da natureza universal da poesia, enunciado há quase três séculos por Shelley, no seu clássico Defesa da Poesia: «O grande poema que todos os poetas (...) têm vindo construir desde o começo do mundo».
Fragmentos ou bocados isolados - no dizer de Shelley- criam vasos comunicantes culturais, produzem um sentido dialógico segundo o qual estamos a ler um autor-outro dentro do autor escolhido. Este recurso vale-se de poder ser, na literatura e não só, consciente ou inconsciente.
Julia Kristeva, que divulga os estudos de Bakhtin, tem um clássico conceito de intertextualidade, que é «todo o texto se constrói como mosaico de citações, todo o texto é absorção e transformação de outro texto.» (Kristeva, 1974, pág.64).
Pessoa e Sartre
Náusea. Vontade de nada.
Existir por não morrer.
Poesias Inéditas, 1930-1935, Ática, 1978
Aqui em sentido estricto, a palavra de Pessoa, escrita em 1933, remete para o pensamento existencialista de Sartre, contido numa palavra: Náusea. Contudo, FP não foi um existencialista, embora tivesse penetrado fundo nos mistérios do existir, sentisse nesse clima do mistério do ser, o transcendentalismo tanto quanto o cepticismo e o niilismo. A vontade de Nada.
Na lista de documentos inéditos que deixou, que inclui livros e leituras, até onde sabemos não constam os nomes de Kierkegaard e Heidegger; o que não quer dizer que os não tenha lido, pelo menos, o primeiro. Mas leu Nietzsche, terá andado perto de Husserl? Todavia, naturalmente, não pôde ler Sartre.
O sentimento do Nada em Pessoa, sobretudo no Ricardo Reis, vem da ideia da morte: «Tudo que cessa é morte» (pág. 114)
Em Jean-Paul Sartre vem de existir. E aqui está o diálogo entre ambos os textos:
«A Náusea não está dentro de mim: sinto-a além, na parede, nos suspensórios, em toda a parte à minha volta. Constitui um todo com o café; sou eu que estou dentro dela.» ( pág.41).
Mais adiante Roquentin afirma que a Náusea não o abandonou, e não crê que o abandone tão cedo. «A Náusea sou eu» - assevera. (pág. 216)
Basta, se é que basta hoje com tanta «literatura light», isotérica e de auto-ajuda por esse país fora, basta ler - dizia- o romance A Náusea escrito em 1938.
Só por este aspecto «existencial» e cronológico da existência, Fernando Pessoa não o leu.
quinta-feira, outubro 23, 2008
Os dois jogadores
A luz anda devagar, em um café de aldeia.
Então dois jogadores inventam lances,
os braços são os êmbolos da noite.
É o silêncio como o ar
em movimento, às vezes os dois
jogadores baixam os gestos,
refazem os gestos, seus olhos nadam,
de fora vê-se o vidro
das suas mãos discretas.
Vão de uma hora a outra hora,
na rua as névoas descem
sobre as luzes,
a luz ondula dentro como um líquido.
Os dois jogadores entram
na sua própria sombra,
sentados à mesa que importa a morte?
Que importa o mundo contínuo
como a passagem da vida?
Se os dois jogadores fitando
o seu jogo conduzem a sorte.
14-10-2008
quarta-feira, outubro 22, 2008
Os Sapatos de Auschwitz
terça-feira, outubro 21, 2008
El Taller del Poeta. Pontevedra. Ver Aqui.
Lançado hoje ao público através do site El Taller del Poeta.
Detalhes amanhã aqui.
sábado, outubro 18, 2008
Telas de Hopper na Cronópios
O poeta e jornalista português João Tomaz Parreira envia-nos poemas concebidos para Edward Hopper.
Confira!
quinta-feira, outubro 16, 2008
Sylvia Pl(de)ath
Salmo, Op.137
está vazio, nenhum acena
suas folhas, o que toca o vento
são as harpas penduradas
Mas nos salgueiros não acontece
nada, ninguém sabe o que fazer
ao silêncio que espera
sob as cordas
Ninguém sabe o que fazer
da rosa que está ao meio do peito
de todos que olhamos os salgueiros
Sim ninguém pode trazer o coração
à luz do dia, à luz que sobe
de entre as margens destes rios.
terça-feira, outubro 14, 2008
Le Clézio: o ruído da água
Descobriu um. Conhecia dois títulos, por visitar com assiduidade livrarias e alfarrabistas. O nome do escritor também. Mas não era o seu autor francês, tinha outros desde muito novo, este não. Pronto. Mas acabou por ir à procura dele, tinha por norma ler sempre o Nobel.
Na Antiqualha, em Aveiro, estava um, na literatura francesa. J.M.G Le Clézio, Estrela Errante, e seus olhos iluminaram-se.
"Sabia que o Inverno tinha acabado quando ouvia o ruído da água". A frase inicial do romance abria todos os caminhos à Poesia, mesmo que depois o terrível começasse a desenhar-se naquele Verão de 1943. Como sabia, por experiência própria Rilke: o Belo não é senão o começo do terrível.
sábado, outubro 11, 2008
Concerto para violino e orquestra, Op. 35, na vitrola
sexta-feira, outubro 10, 2008
Os Anestesistas
e dão de novo:
não esperam,
nunca esperaram
pelo juízo final.
(António Osório)
quinta-feira, outubro 09, 2008
The 2008 Nobel Prize in Literature
The 2008 Nobel Prize in Literature
The Nobel Prize in Literature goes to Jean-Marie Gustave Le Clézio, "author of new departures, poetic adventure and sensual ecstasy, explorer of a humanity beyond and below the reigning civilization".
in Nobelprize.Org
Entretanto, na sondagem interactiva que está a realizar(e continua), o site da Academia exibe que 87% dos inquiridos num universo de 7209 respostas, nunca leram nenhuma obra de Le Clézio. Só 13% dizem tê-lo lido.
Terá vencido assim a opinião do secretário permanente da Academia Sueca Horace Engdahl, que em declarações recentes chamava de "insular" a literatura dos EUA e denunciava seu papel "marginal" nas letras universais.
É conhecido que Engdahl é especialista em literatura francesa e tradutor para o sueco de escritores como Maurice Blanchot e Jacques Derrida.
quarta-feira, outubro 08, 2008
terça-feira, outubro 07, 2008
O pássaro da Rua 52
Os fantasmas do Bebop
da Rua 52
marcam compassos na neve.
Um taxi passava, amarelando a noite,
um bêbado volátil
num passo de ganso, quase
dava um pontapé nas estrelas.
Esgueirava-se por baixo da porta
do Three Deuces um blues.
A rua era um espelho frio
quando chovia, agora lembra
um manto de arminho
ao colo de Lady Day.
2/10/2008
segunda-feira, outubro 06, 2008
O último da trilogia: Pathos
“Todos nós somos mais ou menos selvagens.”
(George Bernard Shaw)
A paixão cavalga à solta
nas veias da existência
senão a vida desértica
atava uma pedra ao pescoço
todos os dias
punha uma névoa nos olhos
um sabor amargo na boca
um coração
entre sombras
mesmo quando o rio selvagem
do excesso
nos galga as margens
mais vale morrer de paixão
que de mesmice.
Palmela, Setembro de 2008
domingo, outubro 05, 2008
Homeless
sábado, outubro 04, 2008
Uma menina cega na paragem do autocarro
tudo se ilumina
O autocarro – dizem as vozes simples-
vem
do fundo da avenida
As vozes dentro de cristais
chegam à menina ternamente
com medo de partir
a sua noite de pedra.
3/10/2008
quinta-feira, outubro 02, 2008
Obituary
Obituary by JTParreira
(Obituário
Fernando Pessoa morreu
no Bairro Alto, colocou os óculos sobre a mesa
para sempre, três dias antes
ainda era visto a dobrar uma esquina
da Baixa de Lisboa
gargalhadas soltas, uma tosse
a curvar o corpo para a frente.
2008)
quarta-feira, outubro 01, 2008
Uma Ria a que chamaram Aveiro
Por la que te conocem por Carlos
Dâmaso Alonso
Como o espanhol também tenho o meu Carlos
a minha ria que chamaram Aveiro
os seus reflexos vêm de repente
de uma esquina verde
dos esteiros
Como o rio em Boston a que chamam Carlos
que passa
entre os edifícios de Harvard
a minha ria tem a sua linguagem
acompanha a sabedoria
de pés descalços e de gaivotas
que riscam reflexos no ar
Sentado na margem desta ria
a que chamaram Aveiro, meus olhos
não perguntam nada
meus pensamentos, esses, correm
dentro no leito da memória.
9/2008
terça-feira, setembro 30, 2008
Poéticas da Retórica (2)
“(…) estava nu e escondi-me”
(Génesis 3:10)
Despido pela culpa
há um medo sólido
e denso
a sufocar a garganta
do ser pensante
o trauma da falha
a consciência do mal
procuraram as árvores do jardim
mais cerradas
impenetráveis
a não ser para os olhos longos
com que a Ternura
ainda hoje me envolve.
Palmela, Setembro de 2008
segunda-feira, setembro 29, 2008
Yusef Komunyakaa
Damn the snow.
Its senseless beauty
pours a hard light
through the hemlock.
Thelonious is dead. Winter
drifts in the hourglass;
notes pour from the brain cup.
Damn the alley cat
wailing a muted dirge
off Lenox Ave.
Thelonious is dead.
Tonight's a lazy rhapsody of shadows
swaying to blue vertigo
& metaphysical funk.
Black trees in the wind.
Crepuscule with Nellie
plays inside the bowed head.
"Dig the Man Ray of piano!"
O Satisfaction,
hot fingers blur on those white rib keys.
Coming on the Hudson.
Monk's Dream.
The ghost of bebop
from 52nd Street,
footprints in the snow.
Damn February.
Let's go to Minton's
& play "modern malice"
till daybreak. Lord,
there's Thelonious
wearing that old funky hat
pulled down over his eyes.
(Yusef Komunyakaa)
Elegia para Thelonius
Dane-se a neve.
A sua beleza sem sentido
derrama uma luz dura
através da pala dos arbustos.
Thelonius morreu. Inverno
a cair lentamente na ampulheta;
notas derramadas da taça do cérebro.
Dane-se o gato do beco
que geme silenciosos cantos fúnebres
para além da Avenida Lenox.
Thelonius morreu.
É uma vagarosa rapsódia de sombras esta noite
arrepiando até à vertigem um blue
& um funk metafísico.
Tal as árvores negras no vento.
Crepuscule with Nellie
a tocar na cabeça reverente
“Eis o Man Ray do Piano!”
Ó Satisfação,
dedos ardentes ofuscam o marfim nas teclas.
Coming on the Hudson.
Monk’s Dream.
O fantasma do bebop
da Rua 52
deixa pegadas na neve.
Dane-se Fevereiro.
Vamos até ao Minton’s
& tocar "maliciosamente"
até à alvorada. Senhor,
aqui está Thelonious
com aquele velho chapéu discreto
sobre os olhos.
(Trad. J.T.Parreira)
sexta-feira, setembro 26, 2008
Poéticas da Retórica
«Escrevi uma trilogia, 3 poemas sobre os 3 pilares da Retórica no mundo antigo: o Logos, o Ethos e o Pathos. Envio-te estes 3 inéditos para, querendo, usares como achares melhor.
Grande abraço.
Brissos»
Hiéron, Tirano de Siracusa (séc. V a.C), proibiu, como um requinte de crueldade sistémica dos ditadores, o uso da fala. Tornados assim conscientes da importância da fala, os sicilianos terão criado a Retórica. Da lenda manteve-se, desde Platão, a necessidade de persuadir pela excelência da linguagem, da arte de bem dizer.
I - LOGOS
“No princípio era o Verbo.”
(Evangelho de S. João 1:1)
No princípio era a Voz
mais a sua significância
o inteligível romper do silêncio cósmico
sustentado na eternidade
no princípio era o instaurar da Vida
a partir do pó da impossibilidade
harmonia projectada
por um pneuma desconcertante
no princípio era a opção da escolha
a probabilidade da imperfeição
o direito ao erro.
Palmela, Setembro de 2008
(Brissos Lino)
quinta-feira, setembro 25, 2008
Momento em Naim
as lágrimas que estavam
nos olhos da mãe, mais
viúvos ainda
bateram em quem
saudava um filho morto
Os prantos do luto
batiam na vida que circulava
na vida que diante da morte
fica nua
Quando num gesto largo Jesus
o esquife para, é a alma que corre
e sai da sombra
da morte surpreendida.
9/2008
terça-feira, setembro 23, 2008
Intertextualidade no discurso do Poeta
“Os corvos eram bandeiras
de navios piratas
buscam o seu tesouro
por entre espigas douradas
nas searas
e as ilhas que são
as chaminés do casario
uma espécie de uivo roufenho
de mau presságio
que escoa por um bico negro
de viúvo.
22/9/2008
segunda-feira, setembro 22, 2008
Conto Curto
John Ashbery
Os teus ruídos
chegaram a casa
A casa encheu
de luz
as janelas
Uma corrente de ar
nas cortinas
voou o vento
quando tornaste
a sair
do silêncio.
(Sobre o poema "Regressos", de 2006)
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in Cronópios
A poeta e tradutora Flávia Rocha conta-nos sobre sua experiência com a poesia de Yusef Komunyakaa. Confira na coluna AMERICAN WAY.
quarta-feira, setembro 17, 2008
Suicídio de Van Gogh
terça-feira, setembro 16, 2008
Setembro
but lay off of my blue suede shoes
Carl Perkins
Começa Setembro a mudar
de roupa para o Outono
Vamos recordar-nos
e esperar o próximo Verão
dentro de um jarro
de sangria, recuperado
o ânimo que o sol e o mar
sempre trazem nesses dias
Mas ainda estamos longe
desses brilhos e quem sabe
se teremos tempo para
cada vez mais ao sul
os procurar de novo
aos nossos sapatos
esses sapatos de camurça azul.
15/9/2008
sexta-feira, setembro 12, 2008
Intertextualidades
Todo o texto se constrói como mosaico de citações - Julia KristevaPoema inédito, recebido ontem do meu velho amigo Brissos Lino:
AS VEIAS
“Os rios não envelhecem
como as nossas veias.”
(João Tomaz Parreira)
As veias são rios internos
que carregam as dores dos homens
enchem e vazam
como as marés
segundo o parecer do coração
os humores do momento
os desvarios da boca
e do corpo
cansam-se na tarefa interminável
e pesada
de manter a vida erecta.
Palmela, Setembro de 2008
(Brissos Lino)
quinta-feira, setembro 11, 2008
quarta-feira, setembro 10, 2008
Porto de Ponta Delgada
Na data da chegada dos navios
a saudade
voava no cordame
atava o movimento
do navio à pedra lavrada
de silêncios
no cais cheio de olhos
pousado no oceano
no meio do vozeario
só a espuma, sozinha
vai e vem, e branqueia
os limos e os sonhos
Depois tudo ficava
de novo imerso nas ausências.
8/2008
sábado, setembro 06, 2008
Intratextualidades
Uma pedra no meio do caminho
ou apenas um rastro, não importa.
Estes poetas são meus. De todo o orgulho,
de toda a precisão se incorporaram
Ao fatal meu lado esquerdo. Furto a Vinicius
sua mais límpida elegia. Bebo em Murilo.
Que Neruda me dê sua gravata
chamejante. Me perco em Apollinaire. Adeus Maiakóvski.
(Carlos Drummond de Andrade)
quarta-feira, setembro 03, 2008
Vilegiatura (I) e (II)
Um dia me mostraste
as ondas, rajadas de mar
que seca na praia.
14/8/2005
Chegam em revoadas as brumas
a aldeia encerra os rostos
das janelas, fecham os cordeiros
dentro da boca os seus balidos
O dia revê-se nos espelhos
quando chega a noite
quando os olhos se recolhem
de todos os sentidos
É o vento que cerca o lume
nas candeias, mas só as adormece
a infinita mão.
24/7/2005
sábado, agosto 30, 2008
O Tempo que passou
quarta-feira, agosto 27, 2008
Intertextualidade
Hoje não:
amanhã cantarei
Corsino Fortes
Hoje ainda há uma estrada imóvel
diante de pedras
que é preciso vencer
Por isso, amanhã cantarei
Hoje as palavras são ainda
instáveis e assim
há ainda tropeços que enredam a língua
É preciso hoje ainda
moeda de troca, costumes
para transitar incólume na noite
Hoje não:
amanhã cantarei
Como cantar hoje diante dos grãos
inúteis que caem em pedras
como flutuar com o peso
dos pés sobre os espinhos
Por isso hoje não, amanhã
cantarei amanhã a chuva
sem outro mistério que o da água
o azul sem dúvidas metálicas
o mar como a chave
do horizonte
depois de perceber o rosal puro
do ocaso e o leite da aurora
amanhã cantarei.
25/8/2008
segunda-feira, agosto 25, 2008
Mitologias*
Orgulhoso de se saber filho de Apolo
o imberbe Faetonte insistiu em guiar
o carro do Sol do pai
logo que Eos afastou as cortinas
do Oriente
mas os cavalos indomáveis soltaram-se
loucos pelos ares
queimaram bosques
abriram desertos de areia
estalaram a terra nua
consumiram cidades
ferveram lagos
fizeram negros os africanos
e só pararam quando Faetonte
se precipitou nas águas
como estrela cadente
com o cabelo em chamas
hoje há um cisne negro no rio Erídano
um jovem amigo
que recolheu o corpo
do rapaz presunçoso.
Palmela, Maio de 2008
(Brissos Lino)
* Mitologias é série de poemas que este meu querido amigo está a escrever, ao ceder-me o primeiro veio honrar o Poeta Salutor.
sábado, agosto 23, 2008
(Suicídio é comunicação)
e ficou suspensa
nos fios do enredo dos postes
— a comunicar telegraficamente ao mundo
a sua beleza
que a angústia
tornava os cabelos mais livres
ao luto do vento...
(José Gomes Ferreira)
sexta-feira, agosto 22, 2008
O Tempo que passou
quinta-feira, agosto 21, 2008
Leitura da “Nau Catrineta”, de Garrett
Interessante abordagem pelo poeta e amigo Brissos Lino