terça-feira, abril 29, 2008

Solitude


Poema de um homem sozinho

Queria um anjo como esse que enviaste
com as pernas flexíveis
como os juncos no Jaboque
nossos riscos no ar e na água
seriam a dança sobre a música
da torrente
Estou só com o peso dos retalhos
da minha memória, sozinho
apenas acompanhado de dois olhos
e um coração apressado
É noite, mas o medo não
resolveria nada, sequer
acrescentaria um palmo
à minha sombra
Só na luta plena o nome
muda, o nome
novo se alcança
Enfim a manhã virá
rompendo
o novelo do sol
Estou sozinho, em pé
mas fincado na terra
como a lança.
7-5-2005

segunda-feira, abril 28, 2008

La mia traduzione

Poesia traduzida por Alessandra S.Banti
in alexandra3


LA DEMOLIZIONE

È crollata a terra
la vecchia casa
su sé stessa
ieri esisteva ancora
un ritratto di piastrelle
del suo passato, è caduta
giù in silenzio
la facciata che resisteva
al tempo.
Sono crollate le finestre
con le vecchie cortine
abbassate. L’ombra
mai spargerà
la casa sul selciato.


IL SORRISO DELLA GIOCONDA

Il sorriso della Gioconda
è il gioiello del museo, nessuno
lo incornicerà di nuovo, il sorriso
ingannatore della Gioconda
è la porta
sul nulla
anima? paesaggio? il silenzio
nell’ombelico dell’anima
sorride dentro di sé.

sábado, abril 26, 2008

O Salmo

O Senhor é o meu pastor: poucas coisas
me são necessárias

Ele tem a cartografia dos bons pastos
conhece até das águas tranquilas
o seu cantar nocturno
mesmo o cântico de inverno
impetuoso dos ribeiros

Conforta o centro da minha alma
onde não há carne
nem a palavra vem

O vale das sombras estremece
a cada passo dos meus ossos
e ali a morte é inútil
como uma nuvem.

sexta-feira, abril 25, 2008

A Indiferença




Primeiro levaram os comunistas,
Mas eu não me importei
Porque não era nada comigo.

Em seguida levaram alguns operários,
Mas a mim não me afectou
Porque eu não sou operário.

Depois prenderam os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.

Logo a seguir chegou a vez
De alguns padres, mas como
Nunca fui religioso, também não liguei.

Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde.

(Bertolt Brecht)
Poema enviado pelo meu amigo, o poeta Orlando Figueiredo

quinta-feira, abril 24, 2008

As suicidas ( I )


Uma das mais expressivas poetas da geração dos anos 70, Ana Cristina Cesar (1952-1983) exerceu intensa atividade jornalística e editorial, como tradutora de importantes autores estrangeiros, entre os quais a poeta inglesa Sylvia Plath.

Psicografia
Tambem eu saio à revelia
e procuro uma síntese nas demoras
cato obsessões com fria têmpera e digo
do coração: não soube e digo
da palavra: não digo (não posso ainda acreditar
na vida) e demito o verso como quem acena
e vivo como quem despede a raiva de ter visto

sábado, abril 19, 2008

Nocturno, do "Manual de Espumas"

Están todas

También las que se encienden en las noches de moda

Nace del cielo tanto humo
que ha oxidado mis ojos

Son sensibles al tacto las estrellas
No sé escribir a máquina sin ellas

Ellas lo saben todo
Graduar el mar febril
y refrescar mi sangre com su nieve infantil

La noche ha abierto el piano
y yo las digo adiós com la mano.

(Gerardo Diego, 1924)


Estão todas

Até as estilistas das noites de moda

Do céu nasce tanto fumo
que tem manchado os meus olhos

São ao tacto sensíveis as estrelas
Não sei digitar metáforas sem elas

Elas sabem-na toda
Graduar o mar febril
e refrescar meu sangue com sua frieza infantil

A noite abriu ao piano
e eu digo-lhes adeus com a mão.

(Trad.J.T.Parreira, 2008)

quinta-feira, abril 17, 2008

Nuvens

Olas tibias del cielo
Gerardo Diego

Eu pensava nas nuvens que se deixam
iluminar por dentro, pelo sol

Nas nuvens que não param
na mesma forma, as nuvens
que estão sempre
a ser intérpretes do vento

Eu pensava na mais simples
nuvem
que vai do novelo branco
ao cúmulo onde o raio nasce

Eu pensava
nas ondas que se encavalitam pelo céu.

Remigio Adares (1923/2001) - Poeta de Salamanca


Salamanca abria a sua Plaza Mayor ao sol ainda jovem dos meados da Primavera de 1993.
O dia 1 de Maio era um dia de trabalho para a Cultura, em Salamanca. Uma Feira do Livro, uma Homenagem ao poeta Miguel Hernandez, e, no seu habitual feudo, o poeta salmantino Remígio Adares, 70 anos, quase sempre vividos aqui e ali, mas especialmente ali, na entrada do Café El Corrillo.
Foi aí que nos conhecemos, naquela manhã do primeiro de Maio de 1993.
O Café El Corrillo tem tertúlias, jazz, outras músicas, poesia, mas tinha, como atalaia, esse velho poeta, que me disse, entre outras conversas: «Yo soy el poeta, y por eso paso ».
Falamos também de pássaros, porque eu editara recentemente, em Lisboa, «Pássaros Aprendendo Para Sempre e Outros Poemas », e Remigio Adares afirmou-me algo que jamais esquecerei: «Os pássaros parecem-me sempre fumos saindo das chaminés dos “pueblos”».
Este poeta de aspecto campesino, por causa do inseparável boné, constituia-se «tão-somente» como um dos grandes difusores da cultura salmantina no mundo, a sua obra estava e está, com certeza, repartida por muitos confins e latitudes onde é estudada. Soube, muito tempo depois, que havia falecido em 2001.
Agora jamais voltarei à Plaza del Corrillo, perto da Mayor, porque Remigio Adares já não pára a rua e as escadarias breves da entrada do Café com os seus livros expostos. Posso voltar, claro, mas o lugar como o rio de Heraclito já não é o mesmo.

segunda-feira, abril 14, 2008

O Grito


para Edvard Munch

Passos atrás das costas
Sentia como se fosse a noite
Atrás das costas
Como um punho
A empurrar o grito
Um pulmão inteiro
Numa ponte que corta
Ao meio o universo.
14/4/2008

domingo, abril 06, 2008

A morte ambígua de Ofélia

O corpo toca como as nuvens
a beira do abismo, cai
o corpo de Ofélia
para a transparência do vidro

O rio dorme com ela
e as estrelas
começam a sentir o frio celeste

Como um corpo na água morto
vão seu perfume e seu riso.

4/4/2008

quarta-feira, abril 02, 2008

Peregrino, Luis Cernuda


Voltar? Volte o que esteja,
Após longos anos e longa viagem,
Exausto do caminho e cobiçoso
De sua terra, sua casa, seus amigos,
Do amor fiel que no regresso o espere.

Mas, tu? Voltar? Regressar não penses,
Senão seguir em frente, livre,
Livre para sempre, moço ou velho,
Sem filho que te busque, como a Ulisses,
Sem Ítaca que espera e sem Penélope.

Segue, continua e não regresses,
Fiel até ao fim da estrada e tua vida,
Não sintas falta do destino fácil,
Teus pés sobre uma terra virgem,
Teus olhos perante o nunca visto.

In Antologia del Grupo Poético de 1927


(Trad. J.T.Parreira)