quinta-feira, janeiro 19, 2006

Faria hoje 83, Eugénio de Andrade


Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.

(Eugénio de Andrade)

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Pôrto

Lençóis de água sob um ventre pando.
Rasgam-se em ondas contra dentes brancos.
Amor.Lascívia. Como o uivo que escorre
das chaminés por gargalos de cobre.
No berço-embocadura barcos presos
aos mamilos de madres de ferro.
À orelha surda dos navios agora
rebrilham brincos de âncora.

(Vladimir Maiakóvski)

(Tradução de Haroldo de Campos)

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